Quebra de sigilo bancário causa condenação ao Banrisul

O Banrisul foi condenado a indenizar uma correntista que teve extrato da sua conta pessoal fornecido ao seu ex-marido, apesar de a defesa insistir na alegação de que não havia provas de que o acesso ao documento se dera por ação ou omissão sua.

A 19ª Câmara Cível do TJRS manteve a sentença de procedência do pedido do juiz Sylvio José Costa da Silva Tavares, sob o fundamento de que incumbia ao Banrisul provar que não forneceu o extrato à terceira pessoa, “prova aparentemente negativa que se transmuda em positiva já que bastaria colher o depoimento pessoal deste terceiro para provar o alegado.”

Como o Banrisul conhecia o paradeiro do ex-esposo da autora (não encontrado nem pela demandante, nem pelo Oficial de Justiça) e não o informou, “deve arcar com o ônus de sua omissão”, asseverou o relator, desembargador José Francisco Pellegrini.

A eventual revelação do extrato pela própria autora foi descartada pelo TJRS, pois o documento foi utilizado em ação judicial de alimentos, de modo que o uso empregado ao documento foi desfavorável à correntista. “Em a autora revelando possuir aplicação financeira, isto poderia ser utilizado como argumento para que o ex-esposo combatesse a necessidade de prestar alimentos”, argumentou o relator, para quem “não teria sentido a demandante informar ao ex-esposo, de quem está a exigir valores, que possui aplicações financeiras e vultoso saldo positivo. Não é verossímil.”

Os magistrados do tribunal gaúcho entenderam que a quebra do sigilo bancário causa transtornos, angústia, humilhação e “toda uma gama de sentimentos negativos”, o que se agravou no caso concreto, pois os dados pessoais da autora foram revelados a um sério adversário judicial seu.

Como reparação, o TJ ratificou o valor arbitrado em primeiro grau, de R$ 9 mil, negando, então, provimento à apelação do réu.

Após recursos ao STJ, sobreveio o trânsito em julgado sem alteração do veredito.

Atuam em nome da autora os advogados Eunice Dias Casagrande, Omar Ferri Junior e Elisabete Casagrande Konarzewski. (Proc. n. 70024371775).

ÍNTEGRA DO ACÓRDÃO (14.10.10)
NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. INDENIZATÓRIA. QUEBRA DE SIGILO.
Verossimilhança da tese inaugural, não combatida por prova cuja produção incumbia ao Banco réu. Ônus da prova; análise, no caso concreto. Danos morais emergentes do fornecimento de extrato bancário, documento pessoal e sigiloso, a terceiro, que não a correntista. Dever de reparar. Procedência da demanda. Apelo IMPROVIDO.

Apelação Cível – Décima Nona Câmara Cível
Nº 70024371775 – Comarca de Porto Alegre
BANRISUL – BANCO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL S.A. – APELANTE
M.I.F.G. – APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. CARLOS RAFAEL DOS SANTOS JÚNIOR E DESA. MYLENE MARIA MICHEL.

Porto Alegre, 09 de setembro de 2008.

DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI,
Relator.

RELATÓRIO

Des. José Francisco Pellegrini (RELATOR)

Cuida-se de apelação aviada por BANRISUL da sentença de procedência do pedido indenizatório ajuizado por M.I.F.G..

Alegou o recorrente que não há quebra de sigilo, pois aos correntistas incumbe cuidar de seus documentos pessoais e, no caso, a autora forneceu a terceiro, seu ex-marido, o extrato bancário, prática que pretende sem sucesso imputar a ele, apelante. Disse que não restou provado que o terceiro teve acesso ao documento por ação ou omissão dele, Banco, e que o ônus da prova tocava à demandante, no particular. Referiu ainda que não há danos concretos a serem reparados. Afirmou, a final, que a autora litiga de má-fé.

Houve contra-razões.

É o relatório.

VOTOS

Des. José Francisco Pellegrini (RELATOR)

Nega-se provimento ao apelo.

De começo, a tese inaugural é plausível e tem juridicidade, não havendo, em paralelo, qualquer abuso processual, motivo pelo qual se rejeita o pedido de condenação da parte às penas por litigância improba.

A questão, singela, diz com o descumprimento do ônus da prova, pelo Banco fornecedor. A ele incumbia provar que não forneceu o documento sigiloso (extrato) a terceira pessoa, qual seja, o ex-esposo da autora (F.), prova aparentemente negativa que se transmuda em positiva já que bastaria colher o depoimento pessoal deste terceiro para provar o alegado.

No passo constata-se que o depoimento de F, não pôde realizar-se visto que o mesmo não foi encontrado.

A autora M. desconhece o endereço do ex-marido.

Intimado a fornecer o endereço da testemunha (fl. 143), o apelante silenciou (fl. 145), afirmando não o conhecer.

Contudo, e curiosamente, à fl. 187 o Banco juntou declaração de próprio punho do Sr. F. afirmando que não recebeu dele, Banco, o indigitado extrato.

Como o réu/apelante foi capaz de alcançar tal declaração sem conhecer do paradeiro de F. ignora-se.

E resta clara a intenção do requerido em não colaborar com a instrução, vez que deixou de atender
ao despacho de fl. 143, suso referido.

Então, tem-se o quadro seguinte. É fato incontroverso (CPC, 334, III) que documento bancário sigiloso, pessoal, da autora, qual seja, o extrato bancário revelando suas aplicações financeiras, foi repassado a terceiro – F. Sobre o ponto não discrepam as partes. A petição de fls. 65 e ss., nos autos de execução em que contendem a autora e F., dá conta de que este juntou um extrato bancário de M. A divergência reside em ‘como’ tal documento chegou às mãos de outrem que não a correntista.

Neste ponto, tocava ao Banco réu provar que a autora o repassou, diretamente e deliberadamente, em situação que nem cumpre esclarecer, o extrato para seu ex-marido. Para tanto, somente o depoimento deste aclararia o fato.

A autora afirma que não entregou dito documento para seu antigo esposo – em paralelo, diz que o réu o fez, quebrando o seu sigilo bancário. No primeiro aspecto, não se exija que a autora faça prova negativa da não-entrega; no segundo, porquanto o réu nega ter cometido a ação que lhe é imputada, pensamos que somente o depoimento de F. poderia infirmar ou não esta versão.

Destarte, já que o Banco conhecia o paradeiro de F. (não encontrado nem pela demandante, nem pelo Oficial de Justiça, aliás) e não o informou, deve arcar com o ônus de sua omissão.

Vale referir que há relação de consumo, de sorte que cabível ainda a inversão do ônus da prova como regra de julgamento.

O que advém, também, no sentido chancelar a conclusão supra.

Pode-se salientar, outrossim, que não é razoável a versão de que a autora teria repassado extrato seu ao ex-esposo, executado, com quem litiga inclusive pelo pagamento de alimentos em prol da filha do casal. Sabemos que quem pede alimentos não tem interesse prático em revelar seus ganhos ou aplicações financeiras àquele que é alvo da execução e da ação de alimentos, visto que tais elementos podem ser utilizados contrariamente a quem faz o pedido.

Em a autora revelando possuir aplicação financeira, isto poderia ser utilizado como argumento para que o ex-esposo combatesse a necessidade de prestar alimentos. Esta é a realidade, bem ou mal; na arena do litígio judicial familiar, não teria sentido a demandante informar ao ex-esposo, de quem está a exigir valores, que possui aplicações financeiras e vultoso saldo positivo. Não é verossímil.

Em relação aos danos morais.

São evidentes os transtornos, a angústia, a humilhação e toda uma gama de sentimentos negativos que aquele que é vítima de quebra de sigilo experimenta. No caso em tela, a apelada o experimenta ainda com mais gravosidade, vez que seus dados pessoais foram revelados a quem é sério adversário judicial da consumidora vitimada; a situação é vexatória, conflituosa, angustiante.

O agir do Banco é antijurídico e gera o dever de indenizar. Os danos íntimos são presumidos diante do fato ilícito e da narrativa da autora, verossímil. Basta que se admita passar por situação delicada como a narrada na incoativa para que admitamos que há danos subjetivos de monta.

Descabe qualquer comprovação pelo consumidor acerca de eventuais abalos de crédito ou danos à sua honra ou moral. Havendo tão-somente, e como na espécie há, nexo de causalidade do fato gerado pela parte ré e do dano sofrido pela vítima, já existe o dever de indenizar.

Não se exigem reflexos externos, materiais, mensuráveis, da alteração negativa da psicologia individual da parte lesada. Esta, como mulher, mãe, consumidora, é atingida em seu bem estar pessoal e prejudicada em sua vida quotidiana. É o que se pode presumir com segurança, e é o bastante a fim de impor ao agente o dever de reparar.

Com relação ao valor da indenização, como se sabe, não é, nem pode ser, forma de pagamento pelo sofrimento imposto ante a impossibilidade de aferir em valor a extensão do padecimento moral. Também porque tal sofrimento não se traduz em valor material, nem se repara pelo aumento patrimonial.

De outra parte, é inegável que, a par de minimizar o sofrimento imposto à vítima, a indenização tem também caráter aflitivo para o causador do dano, de modo a estimulá-lo a ser mais cuidadoso, a ter em maior consideração o direito dos cidadãos, enfim, a tomar providências para que fatos semelhantes não mais ocorram. Em suma, o valor da indenização tem que ter representação econômica para o causador do dano, de acordo com a sua capacidade econômica.

Por fim, do ponto de vista da vítima, não pode a indenização ser desproporcional ao sofrimento, nem para o menos, nem para o mais. Não é forma, já disse, de pagamento, nem deve servir para injustificado enriquecimento.

Com os parâmetros mencionados, assim como de acordo com o entendimento desta Câmara, entendo que a quantia atribuída na sentença de R$ 9.000,00 (ou 21,6 s.m., na presente data), apresenta-se razoável, visto que atende o binômio reparação-reprovação, mostrando-se até abaixo do patamar consagrado pelo colegiado (a Câmara vem adotando o valor de R$ 12.450,00 – ou o equivalente a 30 s.m. -, em casos algo similares; porém, não há apelo pela demandada, na espécie).

Nega-se provimento ao apelo.

É o voto.

Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior (REVISOR) – De acordo.
Desa. Mylene Maria Michel – De acordo.

DES. JOSÉ FRANCISCO PELLEGRINI – Presidente – Apelação Cível nº 70024371775, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNANIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: SYLVIO JOSE COSTA DA SILVA TAVARES

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