Raposa Serra do Sol – Área contínua em reserva indígena compromete soberania

por Paulo Renato Souza

[Artigo publicado no Estado de S.Paulo, deste domingo, 27 de abril]

Não tenho a intenção de estimular insatisfações militares diante da criação da Reserva Raposa Serra do Sol. É desejável que as Forças Armadas mantenham o comportamento adotado desde a redemocratização, voltado para as suas funções profissionais e constitucionais. Entretanto, não posso deixar de registrar que o presidente Lula cometeu grave erro ao homologar a criação de uma imensa reserva indígena de terras contínuas numa área de fronteira. Estamos falando de uma área fronteiriça a países que quase foram à guerra e onde não se pode subestimar o risco de a narcoguerrilha passar a ter ação agressiva em solo brasileiro. Não foram poucas as vozes que recomendaram ao presidente adotar a alternativa de uma reserva não-contínua, na qual existissem ilhas povoadas e estivesse assegurada a presença das Forças Armadas.

Não estamos diante de uma disputa mesquinha entre governo e oposição. Muitos na base governista estão descontentes com o formato definido por Lula, a começar por seu líder no Senado, Romero Jucá, empenhado numa saída intermediária. Não se trata de um conflito localizado entre “arrozeiros” e índios. Ao contrário, a Raposa Serra do Sol é hoje um problema nacional, a comprometer a existência de Roraima como Estado, pois, com a sua criação, 46% de suas terras serão reservas indígenas. Nenhuma política séria – e articulada com os interesses nacionais – criaria algo como a Raposa Serra do Sol, onde apenas 17 mil índios serão proprietários de 1,7 milhão de hectares.

A Raposa Serra do Sol é um assunto polêmico que permeou diversos governos. No anterior, o então ministro da Justiça, Nelson Jobim, agiu de forma sensata por meio do Despacho nº 80, que determinava a criação da reserva na forma desejável, com a existência de ilhas, contemplando, assim, tanto os direitos dos índios como os interesses nacionais. Entretanto, em 1998 esse despacho foi revogado pela Portaria nº 820, baixada pelo então ministro Renan Calheiros, definindo a demarcação da reserva de forma contínua. Mas o presidente Fernando Henrique teve a prudência de não homologar esse ato administrativo porque outros órgãos do governo o alertaram para os riscos iminentes. No governo Lula, articulou-se um poderoso lobby de ONGs, do qual o ministro Márcio Thomas Bastos foi o porta-voz. Lula cedeu às pressões e homologou a criação da reserva de forma contínua, sem dar o devido peso aos argumentos contrários – inclusive os da sua Casa Militar, que eram coerentes com o parecer do Estado-Maior das Forças Armadas.

Não se justifica o argumento de que a Raposa Serra do Sol será extensa porque as cinco etnias ali existentes necessitam de um amplo território para sobreviverem. Não estamos tratando de índios primitivos, e sim de tribos aculturadas que não vivem mais da caça e da pesca, como bem demonstrou o senador Jefferson Peres. A ausência de um aparato militar efetivo pode inclusive deixá-los prisioneiros da ação da biopirataria e da garimpagem predatória, dado que no seu subsolo existem minerais estratégicos, como o nióbio.

Números assustam, mas dão um choque de realidade e devem servir como poderoso alerta aos brasileiros. Com a nova reserva, quase 15% do nosso território será terra indígena, para uma população de 700 mil índios. E em relação à região amazônica as reservas representarão cerca de 25% do seu território. Que país do mundo foi tão generoso ao pagar uma injustiça histórica? E isso corresponde à área geográfica de quantos países da Europa? Desde o governo Collor há muita pressão pela política de demarcação de terras indígenas, especialmente por parte das ONGs. Algumas são claramente bem-intencionadas. Outras, porém, respondem a interesses estrangeiros de promover a idéia da internacionalização da Amazônia. Não existirá hoje um terceiro grupo de interesses, ligado aos diversos movimentos guerrilheiros que atuam na América Latina?

Este é o pano de fundo das preocupações dos militares lotados na Amazônia, particularmente quando ele é mais um componente de uma região palco de vários conflitos. Garimpeiros e o MST foram estimulados por um prefeito do PT e por militantes petistas a ocupar uma ferrovia da Vale por razões meramente ideológicas, enquanto o município de Tailândia virou praça de guerra em função do conflito com os madeireiros. Acrescente-se ao caldeirão a denúncia de deputados de Rondônia segundo a qual a Liga Camponesa dos Pobres prega abertamente a luta armada. Para dar veracidade à denúncia uma revista de circulação nacional publica fotos, que fariam parte de um relatório da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), nas quais aparecem membros dessa liga em treinamento e com armas privativas das Forças Armadas.

Diante de todos os incidentes, o presidente Lula se comporta da mesma maneira que o fez diante da invasão de prédios públicos e de terras produtivas promovida pelo “abril vermelho” dos sem-terra, ou como se posiciona em face de atos ensandecidos do Movimento dos Sem-Teto: sempre com leniência e permissividade, fazendo vista grossa à violação da lei e sem exercer a necessária autoridade. Isso é gravíssimo, porque o exercício da autoridade por quem exerce função pública é precondição para a preservação e o fortalecimento da democracia. Não se pode confundir, como o fazem muitos petistas, o irrestrito respeito à lei com o autoritarismo.

A região amazônica é hoje uma fronteira aberta ao narcotráfico, como admite o Comando Militar da Amazônia. O atual formato da Reserva Raposa Serra do Sol é mais combustão na fogueira. Uma brincadeira de mau gosto patrocinada por quem tem o dever constitucional de defender a inviolabilidade do território nacional.

Revista Consultor Jurídico

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