A representação apresentada pela Associação Nacional do Ministério Público (ANPR) para a OAB contra o advogado Nélio Machado causou mal-estar entre os advogados. Em carta aberta ao criminalista, a advogada Ilana Müller afirma que é triste ver o Ministério Público dizer que Machado cometeu crime e que sua postura não é compatível com a advocacia. O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, também repudiou a atitude.
“Nélio, nós agradecemos todos os dias por termos você do nosso lado, no combate à prepotência, arrogância e abuso de poder”, afirma Ilana. Para a advogada, o que é incompatível é uma classe — o MP — que deveria assegurar o cumprimento das leis dizer que Nélio Machado tem postura que não se coaduna com os princípios da advocacia.
Assim como seu irmão, advogado Carlo Frederico Müler, que divulgou nota de apoio a Machado, Ilana lembrou das ilegalidades pelas quais os advogados têm passado, como a interceptação de e-mails e conversas entre advogados e clientes, as dificuldades para ter acesso às investigações e o tratamento diferenciado entre os advogados e os membros do MP.
O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, também se manifestou, repudiando a atitude da ANPR. Para ele, trata-se de uma tentativa de intimidação de um advogado que, independentemente das qualidades ou defeitos de seu cliente, está exercendo em seu nome o amplo direito de defesa. “O advogado Nélio Machado nada mais fez do que opinar sobre aspectos do processo e toda lide, principalmente com as características que envolvem seu cliente, carregada de emoção, de embates duros”, afirmou Damous.
A ANPR entrou com representação contra Nélio Machado depois de o advogado ter afirmado que o procurador da República Rodrigo de Grandis agiu com má-fé na condução do processo no qual foi determinado o bloqueio de R$ 545 milhões movimentados por Daniel Dantas e outros dirigentes do Banco Opportunity.
Para a OAB do Rio, as declarações do advogado Nélio Machado não tinham como objetivo atingir a honra do procurador da República. “A OAB do Rio espera que esse tipo de atitude tomada pela ANPR não se torne corriqueira, não se torne uma tradição”, completou Damous, pedindo que o bom senso prevaleça.
Leia a carta de Ilana Müller
Carta aberta ao advogado Nelio Machado
Ao enveredarmos pela advocacia criminal sabíamos que encontraríamos percalços pelo caminho e pessoas que pouco compreenderiam nosso precípuo comprometimento profissional e ético: a democracia.
Quase uma década atrás começamos a ter o privilégio de trabalhar com você, Nelio, exemplar advogado, na mais pura acepção da palavra, vindo do latim advocatus, aquele que é chamado para falar pelo outro, defendo-o.
Não sabíamos nós que, além de tentarem nos ceifar as prerrogativas estatutárias que nos garantem o efetivo, constitucional e regular exercício da advocacia – prerrogativas estas tão esquecidas por alguns órgãos públicos, que as tratam como adorno ou mera formalidade a impedir o míope e equivocado restabelecimento da lei e da ordem –, ainda iriam querer nos calar.
É triste ver membro do Parquet asseverar que Nelio Roberto Seidl Machado cometeu crime e que sua “postura é incompatível com a advocacia”. Incompatível com o posto que ocupa é a equivocada assertiva, vinda de um representante de classe, o qual deveria ser, acima de tudo, guardião da lei, como preceitua a Constituição.
Há tempos estamos na mesma trincheira que você, Nelio, lutando não só pela defesa dos direitos de nossos assistidos, mas também, e acima de tudo, pelo real e não fictício respeito à Constituição da República Federativa do Brasil.
Nelio, você é exemplo de advogado, sério, comprometido com a liturgia do nosso mister, ciente de suas atribuições, merecedor de todo respeito que contribua para o prestígio da classe e da advocacia.
Durante todo o tempo que militamos em conjunto com você, não só nas lides mais recentes, como em todas as demais, aprendemos muito com quem nunca se calou e sempre bradou aquilo que fosse mais pertinente para a defesa dos interesses de nossos assistidos.
Passamos por inúmeras ilegalidades: e-mails entre advogados sendo interceptados, conversações telefônicas entre cliente e causídicos “grampeadas” e juntadas aos autos – como se isso não fora gravíssimo atentado ao direito de defesa! –, dificuldades hercúleas de acesso às investigações, tratamento díspare em relação aos membros do Ministério Público, olvidando-se aqueles que assim o fazem de que promotores ou procuradores, quando em exercício no âmbito criminal, parte também os são, idênticos a nós e, portanto, merecedores dos mesmíssimos direitos, visando assegurar a vigência do princípio da paridade de armas.
Nelio, nós agradecemos todos os dias por termos você do nosso lado, no combate à prepotência, arrogância e abuso de poder. Temos sim uma Carta Magna digna de um país desenvolvido, porque assim o somos, não importando aqueles que digam o contrário, não estamos nos tempos do Talião.
Temos, também, como país, nossas mazelas – que não são poucas –, mas não iremos abdicar dos direitos que nos custaram tanto, que você tanto nos ensinou a respeitar, sob o nefasto argumento de que devemos combater o crime custe o que custar, como se os fins justificassem os meios.
Nelio, você representa tanto a nossa classe que até nasceu no nosso dia, 11 de agosto. Estamos juntos e, para nós, com satisfação e orgulho.
Muito obrigado.
São Paulo, 12 de setembro de 2008.
Ilana Müller e Gustavo Alves Pinto Teixeira
Revista Consultor Jurídico