Uma Resolução editada pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, em 2006, já recomendava a inviolabilidade de princípios constitucionais da privacidade das conversas entre advogado e preso. Nesta semana, veio a público que no presídio de segurança máxima de Campo Grande (MS), essa regra foi quebrada. A Ordem dos Advogados do Brasil decidiu fazer uma representação contra o juiz federal Odilon de Oliveira, que em 2008 autorizou gravação, diante da suspeita da possibilidade de um crime.
Na terça-feira (22/6), o presidente da OAB, Ophir Cavalcante se reuniu com representante do Sistema Penitenciário Nacional, Sandro Torres Avelar, e o assessor do Ministério da Justiça, Aldo Costa. A Ordem decidiu também recorrer à Justiça para que seja feita a retirada das câmeras de dentro dos parlatórios.
A Resolução 8, de 30 de maio de 2006, foi definida durante reunião que aconteceu em Cuiabá (MT). Ela recomenda, “em obediência às garantias e princípios constitucionais, que a inviolabilidade da privacidade nas entrevistas do preso com seu advogado seja assegurada em todas as unidades prisionais”.
Em seu parágrafo único, diz ainda: “Para a efetivação desta recomendação, o parlatório ou ambiente equivalente onde se der a entrevista, não poderá ser monitorado por meio eletrônico de qualquer natureza”.
O Ministério da Justiça, por meio de nota à imprensa, esclareceu que a resolução não contraria medidas tomadas pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen). “O monitoramento eletrônico de presos somente é permitido com ordem judicial. O Depen apenas executa as determinações judiciais para o monitoramento”, aponta a nota. Segundo o MJ, “não cabe ao Depen ou ao Sistema Penitenciário Federal questionar decisões judiciais”.
A polêmica sobre esse tipo de intervenção é antiga, da época em que foi anunciada a abertura dos presídios de segurança máxima, quando o presidente do CNPCP afirmou à imprensa que as novas estruturas já previam os equipamentos. “Esse foi o fato gerador”, diz à revista Consultor Jurídico o advogado Luís Guilherme Vieira, conselheiro do CNPCP no período. Para Vieira, deixar esses aparelhos no local à disposição é condenável.
Apesar de ser contra a gravação, o advogado explica que o profissional precisa ter a conduta ilibada para não passar por este tipo de situação. “Se um advogado está usando a carteira para ser comparsa de preso, também sou impiedoso”, assevera.
O advogado e ex-presidente do CNPCP e da OAB-SP, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que assina a Resolução, lamenta que exista inobservância da recomendação. “[A medida] é própria dos estados policialescos, o que se quer evitar para o Brasil, especialmente nesse momento de plenitude democrática. E em nome da preservação da intimidade e inviolabilidade”.
Ele explica que a ideia da resolução também surgiu em um momento em que muitas ações da Polícia Federal estavam sendo feitas. “Tem origem no movimento de repressão que se instalou no país quando foram realizadas as invasões dos escritórios”, comenta. “Procurava-se quebrar algumas prerrogativas da advocacia. Na época, já se falava em escuta na Polícia Federal. Ao falar com o réu pelo telefone, desconfiava-se que a conversa estava sendo gravada”, ressalta.
Para o advogado, as gravações representam um atentado às prerrogativas profissionais. “A intimidade e inviolabilidade do acusado e do exercício de direito de defesa tem que ser mantida entre advogado e cliente com graves prejuízos ao Estado Democrático de Direito e à cidadania”, finaliza.
A representação
O juiz federal Odilon de Oliveira, responsável pela autorização de gravação não se opõe à representação que a OAB informou que irá fazer. “Nada tenho contra a possível representação da OAB no CNJ. Aliás, quem diz isto, não sou eu. É a minha consciência”, afirma.
Sobre a gravação autorizada por ele, ressalta que essa investigação resultou em uma operação policial. Os envolvidos foram presos, dentre eles, um advogado que usava o parlatório para combinar o plano. Essa ação tramita na 5ª Vara Federal de Campo Grande (MS).
O juiz destaca, ainda, que a Justiça Federal não descarta possíveis debates sobre o assunto com as entidades envolvidas no assunto.
Leia aqui a Resolução do CNPCP.
Leia a nota do Ministério da Justiça.
“O Ministério da Justiça esclarece que não há contradição entre a Resolução nº 8 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, de 30 de maio de 2006, e o trabalho desenvolvido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) já que o monitoramento eletrônico de presos somente é permitido com ordem judicial. O Depen apenas executa as determinações judiciais para o monitoramento.
Não cabe ao Depen ou ao Sistema Penitenciário Federal questionar decisões judiciais, mas garantir a segurança dos presídios e impedir que chefes do crime organizado continuem comandando crimes dentro das prisões, seguindo todas as normas da Lei de Execuções Penais e protegendo a sociedade.”