por Gabriel Quintanilha
No Brasil, não há dúvidas que a arrecadação é deveras superior ao ideal, o que produz reflexos para o contribuinte, seja pessoa física ou jurídica. A busca por maior arrecadação tem criado situações jurídicas absurdas e violadoras dos direitos e garantias fundamentais. Tal conclusão é extraída de forma clara do Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal 19, de 7 de dezembro de 2007.
O ato declaratório em questão tem como objeto a delimitação do conceito de serviço hospitalar para fins da aplicação da Lei 9.249/95, que altera a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas.
A lei federal que trata do Imposto de Renda prevê em seu artigo 15 a base de cálculo do imposto e o seu parágrafo primeiro, inciso III, dispõe sobre a incidência sobre serviços em geral. Vejamos:
Artigo 15º. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995
§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:
(…)
III — trinta e dois por cento, para as atividades de:
a) prestação de serviços em geral, exceto a de serviços hospitalares
Como se pode ver, da mera leitura do dispositivo legal supra, tem-se uma interpretação direta, qual seja: aos serviços hospitalares aplica-se a base de cálculo mais favorável, ou seja, de 8% sobre a receita bruta e não de 32% como nos outros serviços.
Ora, é de se considerar que os serviços hospitalares sejam tributados de maneira menos agressiva, até porque o direito à saúde é garantia constitucional, previsto no artigo 196 da Carta de 1988. Todavia, a Receita Federal limitou esse direito por meio do ADI 19/2007. Tal ato conceituou o que seria serviço hospitalar para fins de tributação.
De acordo com a Receita, “os estabelecimentos assistenciais de saúde devem dispor de estrutura material e de pessoal destinada a atender a internação de pacientes, garantir atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, possuir serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos. (…) São também considerados serviços hospitalares os serviços pré-hospitalares, prestados na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo “D”) ou em aeronave de suporte médico (Tipo “E”), bem como os serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos “A”, “B”, “C” e “F”, que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.”
Com tamanha delimitação, sequer os postos de saúde, que funcionam em expediente comercial poderão ser considerados serviços hospitalares. Hospital é o local destinado ao atendimento de doentes, para proporcionar o diagnóstico e o tratamento necessário. Em vista do conceito apresentado, qualquer estabelecimento que tenha como objetivo diagnosticar e tratar doentes pode ser considerado hospital.
Segundo o Ministério da Saúde: “O hospital é parte integrante de uma organização Médica e Social, cuja função básica, consiste em proporcionar à população Assistência Médica Sanitária completa, tanto curativa como preventiva, sob quaisquer regime de atendimento, inclusive o domiciliar, cujos serviços externos irradiam até o âmbito familiar, constituindo-se também, em centro de educação, capacitação de Recursos Humanos e de Pesquisas em Saúde, bem como de encaminhamento de pacientes, cabendo-lhe supervisionar e orientar os estabelecimentos de saúde a ele vinculados tecnicamente.”
Como se pode ver, o hospital é o local onde se busca a cura para doenças, bem como a manutenção da saúde. Como se não bastasse, o Conselho Federal de Medicina determina o que são estabelecimentos de saúde, os hospitais, clínicas, laboratórios, ambulatórios médicos, etc. Segundo o conselho é qualquer estabelecimento que promova a saúde.
O conceito de serviço hospitalar deve abranger o mandamento constitucional, ou seja, proteger e promover a saúde. Assim, a limitação criada pelo ADI 19/2007 viola a essência da Constituição Federal. A saúde é um direito constitucionalmente assegurado a todos, inerente à vida, bem maior do homem, portanto o Estado tem o dever de prover condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
Tal está previsto no artigo 6º da Constituição Federal de forma genérica, onde estão descritos os direitos sociais do cidadão. Ressalte-se que o referido artigo está inserto no Titulo II do Capítulo II que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais do Homem. Portanto, conclui-se que todo e qualquer direito social é também direito fundamental do homem e merece aplicação imediata, aplicando-se no caso o § 1º do artigo 5º da Carta Magna.
Assim, quando existe uma limitação ao conceito de serviço hospitalar, há uma limitação ao fornecimento do serviço e conseqüentemente da saúde. Em outras palavras, criar um conceito fechado sobre o que seria um serviço hospitalar gera insegurança e injustiça. O que se deve buscar é a finalidade do estabelecimento. Em verdade, se a finalidade é a promoção da saúde, com o mínimo de estrutura voltada para esse fim, devem ser considerados os hospitais.
Tal forma de tributar o serviço é mais justa porque a medicina avança a passos largos e atualmente é muito aplicado o conceito de hospital dia que compreende um método de tratamento mais eficaz e humano.
Com esse novo método, pequenas intervenções cirúrgicas são realizadas e os pacientes têm alta no mesmo dia da cirurgia para recuperação em sua residência, ao lado de seus familiares. Estudos comprovam que o método é eficaz, reduzindo inclusive a incidência de infecções.
Como se pode ver, o paciente não precisa de internação durante vinte e quatro horas. Segundo o determinado pela Receita Federal, o estabelecimento que adote o método supra, não terá tratamento tributário mais benéfico.
Do exposto, está clara a impropriedade do previsto no ADI 19/2007, uma vez que delimita muitos direitos protegidos pela Carta Magna, uma vez que a saúde é um direito de todos e a sua promoção deve ser protegida e estimulada pelo Estado.
Revista Consultor Jurídico