Revolução da medicina – Células-tronco: pesquisas éticas promovem a vida

por Mara Grabrilli

Muito já se falou sobre a permissão das pesquisas com células-tronco extraídas de embriões humanos. Hoje, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento — interrompido em 5 de março pelo ministro Menezes Direito — do artigo da Lei de Biossegurança que autoriza as pesquisas no Brasil e decidirá se ele fere a Constituição.

Estava em Brasília, na ocasião, com muita esperança. O ministro Carlos Ayres Britto, relator da ação, e a então presidente do STF, Ellen Gracie, julgaram que a lei respeita, sim, a Constituição e protege o embrião, já que proíbe a clonagem e determina claramente qual poderá ser doado: o embrião congelado há mais de três anos e, apenas, no momento da sua promulgação (março de 2005), para evitar a produção para o comércio — o que é crime de acordo com a lei.

Isso significa que os embriões possíveis para pesquisa estão congelados há, pelo menos, seis anos. O que fazer com eles? Condená-los à pena de prisão perpétua, congelados em tubos de ensaio? Ou autorizar as pesquisas de modo adequado? Ayres Britto e Ellen Gracie optaram por esta última.

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), contrária às pesquisas, acusou quem as defende de querer exterminar a vida de outros seres humanos para obter a cura de doenças degenerativas, genéticas, cânceres, derrames e deficiências. Não é verdade. Defendemos a lei como foi aprovada por 96% dos senadores e 85% dos deputados no Congresso porque acreditamos que as pesquisas éticas promovem a vida. A CNBB ainda colocou as pesquisas no mesmo patamar do aborto — a eliminação de um feto em desenvolvimento dentro do útero materno.

São coisas completamente diferentes e vou contar por quê. A lei determina que os cientistas somente poderão pesquisar as células dos embriões doados por seus genitores — como a incentivada doação de órgãos após a morte cerebral. Esse embrião congelado, que não tem cérebro, nem concluído, nem em formação, jamais será alguém porque não terá um útero materno para desenvolver-se. É o excedente da fertilização feita em laboratório, que permite que 12 mil casais por ano no Brasil superem os obstáculos do organismo e se tornem pais. Lembro-me de que, quando o ministro Menezes Direito adiou seu voto — que esperamos que seja proferido hoje —, não pude deixar de pensar na dona Maria Lúcia, uma senhora que morava numa favela da periferia de São Paulo e que me ensinou que, para quem não tem nada, a esperança é muita coisa. Ela não podia mais andar, falar ou respirar sozinha. Será que os milhões de brasileiros que têm nas pesquisas a esperança de vencer doenças terão tempo para esperar?

Maria Lúcia não teve. No retorno a São Paulo, recebi a triste notícia do seu falecimento. Ela tinha a mesma doença degenerativa — esclerose lateral amiotrófica — que minha amiga, Alexandra Szafir, a quem homenageei pelo Dia da Mulher, na Câmara Municipal, no dia seguinte. Isso não escolhe cor, credo ou classe social, como já versava o poeta…

A mulher que se levantou da cadeira e discursou quando recebeu, em 2006, o prêmio Advocacia Solidária, por democratizar o direito à defesa, perdeu todos os movimentos e respira com dificuldade. Seus olhos, no entanto, brilham com força surpreendente. Transbordam vida. No discurso, agora lido em seu nome, Alexandra afirmou que ainda tem muito o que fazer, quer se curar e defendeu as pesquisas como sua única esperança. Eu e mais 29 pessoas fomos “cobaias” de uma pesquisa com células-tronco adultas. Cinco anos de testes e todos continuam paraplégicos ou tetraplégicos, mas vivendo sem risco de morte.

Ao contrário das minhas amigas ou de quem nasce com uma doença genética (as células-tronco adultas não servem porque já contêm o gene da doença), como a mais comum das 30 formas de distrofia muscular, que atinge 1 a cada 3.500 meninos, se manifesta antes dos cinco anos de idade e impede que muitos cheguem até a adolescência. Existem outras 450 doenças progressivas e degenerativas como essa.

Para esses brasileiros, as pesquisas são urgentes porque as células-tronco embrionárias são as únicas que podem se transformar em qualquer um dos 216 tecidos do corpo humano, inclusive o nervoso. Podem fazer entender a formação de doenças e tumores. Podem revolucionar a medicina. A saúde dos brasileiros não pode depender das pesquisas em andamento em outras nações. Por isso, pedimos: permitam que o embrião seja um doador de vida.

Revista Consultor Jurídico

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