Sanguessugas: MPF denuncia nove ex-prefeitos de oito municípios do norte de MG

Eles são acusados, juntamente com um ex-deputado federal e 24 servidores públicos municipais que integravam as respectivas comissões municipais de licitação, de terem fraudado os procedimentos licitatórios destinados à aquisição de ambulâncias e de equipamentos médico-hospitalares para equipá-las

O Ministério Público Federal (MPF) em Montes Claros (MG) denunciou nove ex-prefeitos de oito municípios mineiros por crimes decorrentes do esquema concebido pela chamada máfia das sanguessugas. Foram denunciados Aier Nonato de Souza Ferreira (ex-prefeito de Bonito de Minas), Getúlio Andrade Braga e Antônio Antunes Pinto (ex-prefeitos de Brasília de Minas), Manoel Nonato (ex-prefeito de Cônego Marinho), Lúcio Balieiro Gomes (ex-prefeito de Espinosa), Orivaldo Alves de Oliveira (ex-prefeito de Ibiracatu), Manoel Carlos Fernandes (ex-prefeito de Pedras de Maria da Cruz), Carlúcio Mendes Leite (ex-prefeito de Mirabela) e José Francisco da Silva (ex-prefeito de Varzelândia).

Também foram denunciados o ex-deputado federal Júlio César Gomes dos Santos (mais conhecido como Cabo Júlio); o empresário Luiz Antônio Trevisan Vedoin e seu sogro, Luiz Aires Cirineu Neto, além de João Pereira Teixeira (chefe de gabinete do então deputado federal Cleuber Brandão Carneiro).

Eles são acusados, juntamente com 24 servidores públicos municipais que integravam as respectivas comissões municipais de licitação, de terem fraudado os procedimentos licitatórios destinados à aquisição de ambulâncias e de equipamentos médico-hospitalares para equipá-las. Três advogados municipais, que teriam emitido pareceres jurídicos chancelando as fraudes, também foram denunciados.

Em todos os casos houve superfaturamento, com sobrepreço (diferença do preço de compra em relação ao valor de mercado) que variou de 21,66% a 64,30%.

No entanto, conforme os fatos ocorridos em cada município, teriam sido cometidos ainda outros crimes, como adulteração da qualidade do bem (veículo já usado era entregue como novo ou não apresentava todos os equipamentos previstos em edital), corrupção, falsidade ideológica e aplicação indevida de verbas federais da saúde.

Os recursos públicos eram provenientes de emendas ao orçamento patrocinadas pelos ex-deputados federais Cleuber Carneiro e Cabo Júlio. Cleuber Carneiro, que já responde a uma ação penal (2006.36.00.0012378-5) na Justiça Federal do Mato Grosso por participação no esquema, destinou emendas para todos os municípios, à exceção de Ibiracatu, que recebeu recursos provenientes de emenda do ex-deputado Cabo Júlio.

De acordo com o MPF, os parlamentares tinham papel fundamental nas fraudes, já que eram os responsáveis pelo direcionamento das verbas aos municípios, condicionando-as à realização de licitações nos moldes arquitetados pelos criadores do esquema. Em depoimento à Polícia Federal, um integrante da Comissão de Licitação do Município de Ibiracatu informou que “antes da realização do processo licitatório, o prefeito falou ao declarante que o deputado federal Cabo Júlio havia ‘conseguido’ uma ambulância para o município; que, contudo, para que a ambulância fosse efetivamente entregue, o deputado condicionou que somente deveriam participar do processo licitatório as empresas por ele indicadas”, encaminhando posteriormente ao município as propostas e respectivas documentações das empresas participantes da licitação.

De modo semelhante agia o deputado Cleuber Carneiro, intermediando o contato entre o grupo empresarial, geralmente representado por Luiz Aires Cirineu Neto, e os municípios. Em alguns casos, o contato era feito, em nome do deputado, por seu assessor, João Pereira Teixeira. Prefeitos ouvidos pela Polícia Federal confessaram ter recebido dele indicações expressas de quais empresas deveriam participar da licitação, inclusive com o encaminhamento da respectiva documentação.

Documentos pré-elaborados – Na verdade, a máfia das sanguessugas tinha inteiro domínio de todas as fases do processo a ser realizado pelas prefeituras, desde a apresentação do plano de trabalho (etapa inicial de um convênio, no qual o município apresenta as razões pelas quais necessita da verba e como irá aplicá-la), até a formulação do edital e do próprio contrato para a aquisição do bem. Os documentos eram pré-elaborados, limitando-se os agentes públicos municipais a colocarem neles a sua assinatura.

O MPF lembra que a desfaçatez era tamanha, que “todos os planos de trabalho eram rigorosamente idênticos, com o mesmo texto – exatamente as mesmas palavras, ipsis literis, inclusive os erros de pontuação e de concordância, a mesma tipografia, a mesma forma ou layout”. Por sinal, como se tratava de adaptações de um plano de trabalho padrão, concebido pelo núcleo empresarial da organização criminosa cuja sede era no estado do Mato Grosso, os planos de trabalho assinados pelos prefeitos mineiros continham lapsos que revelam a atuação do bando. Assim, nos planos de trabalho dos nunicípios de Varzelândia e Espinosa constou “Com um índice de internação no Estado de Minas Gerais Grosso…”; nos planos dos municípios de Cônego Marinho, Pedras de Maria da Cruz e Mirabela, constou “Com um índice de internação no Estado de Mato Grosso…”.

Segundo o MPF, a proximidade entre os acusados era tal que, por exemplo, no caso de Ibiracatu, a ambulância foi entregue pelo próprio ex-deputado Cabo Júlio durante festa realizada em seu sítio, na região metropolitana de Belo Horizonte. Nesse caso, comprovou-se também o pagamento de propina ao prefeito. Foi localizada uma transferência bancária no valor de R$ 4.266,00, na conta do prefeito Orivaldo Alves, efetuada por Luiz Antônio Vedoin por intermédio da empresa Klass Comércio e Representação Ltda. Ambos irão responder pelo crime de corrupção.

Em outros casos, houve má-fé até mesmo no recebimento dos bens adquiridos através dos convênios. Além do superfaturamento, ou seja, de terem sido adquiridas a preços maiores do que o seu valor de mercado, as ambulâncias entregues aos municípios de Brasília de Minas e Mirabela não obedeciam às especificações dos editais. Em Mirabela, o edital havia previsto um veículo fabricação/modelo ano 2004, mas o que foi entregue era de fabricação/modelo 2003. No caso de Brasília de Minas, a irregularidade foi ainda mais grave: embora o edital previsse um veículo novo, de fabricação/modelo 2004, a Planan, empresa de Luiz Antônio Vedoin, entregou um veículo usado, com vários quilômetros rodados (6.780 km). Não bastasse isso, ainda faltou parte dos equipamentos médico-hospitalares que deveriam equipar a ambulância, embora eles tivessem sido licitados e pagos. O ex-prefeito Getúlio Braga recebeu os bens, atestando falsamente que estaria tudo em conformidade com o edital. O mesmo fato – ausência de parte dos equipamentos – ocorreu no Município de Pedras de Maria da Cruz

Fraude em Engenheiro Navarro – O município de Engenheiro Navarro, beneficiado por emenda de autoria do ex-deputado Cleuber Carneiro, também participou do esquema das sanguessugas. No entanto, o atual prefeito Sileno Dias Lopes possui foro privilegiado e o inquérito policial teve de ser remetido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.

Nesse município, também foram apurados o direcionamento da licitação em favor das empresas participantes do esquema e o superfaturamento da ambulância, ambos efetuados pelo prefeito Sileno Dias Lopes, com o apoio de três servidores municipais que integravam a Comissão de Licitação e de um advogado que prestava serviços à prefeitura.

O prefeito é suspeito ainda de enriquecimento ilícito. Foi descoberto que Sileno Dias Lopes teria recebido de Luiz Antônio Trevisan, por intermédio da empresa Planan, a quantia de R$ 6 mil exatamente no dia em que o município de Engenheiro Navarro efetuou o pagamento da ambulância à Planan. O depósito da propina teria sido feito em conta pertencente a terceiro, Agostinho de Pádua Correia.

Eventual oferecimento de denúncia ficará a cargo da Procuradoria Regional da República, órgão de segunda instância do MPF.

Saiba mais – Veja aqui a relação, por município, de todos os denunciados com os respectivos crimes de que são acusados.

Para entender o esquema das sanguessugas:
– As investigações que culminaram na chamada Operação Sanguessuga tiveram início a partir de apurações levadas a efeito pela Procuradoria da República no Estado do Acre, em razão da realização de licitação supostamente irregular pelo município de Rio Branco (AC), no ano de 2001, para aquisição de ônibus guarnecido por equipamentos médicos. A licitação foi vencida por empresa sediada em Cuiabá (MT).

– Conforme demonstrou a Secretaria da Receita Federal, em atenção à requisição do Ministério Público Federal, empresas de fachada, sem existência de fato nos endereços indicados nos respectivos contratos sociais, haviam sido forjadas unicamente para o acobertamento das verdadeiras pessoas físicas e jurídicas que vinham fornecendo unidades móveis e equipamentos hospitalares a diferentes municípios, mediante procedimentos licitatórios absolutamente despidos de caráter competitivo.

– Em 2004, com base nos elementos reunidos no procedimento administrativo nº 276/2002 e nas conclusões do trabalho realizado pela Secretaria da Receita Federal, o MPF/MT requisitou a instauração de cerca de 70 inquéritos policiais, destinados à apuração circunstanciada dos fatos e à identificação dos seus autores. Paralelamente, requereu ao juízo competente determinação para que a Polícia Federal interceptasse as comunicações telefônicas mantidas pelos membros mais destacados da quadrilha.

– Os trabalhos de inteligência policial revelaram o modus operandi adotado pela organização criminosa, assim como as suas articulações e conexões com agentes infiltrados no Congresso Nacional e em elevados cargos da estrutura do Poder Executivo Federal. No momento em que foi deflagrada, a chamada Operação Sanguessuga cumpriu mais de 50 mandados de prisão temporária, sequestro e busca e apreensão.

– A organização criminosa atuava preponderantemente com recursos provenientes de emendas parlamentares direcionadas para a área de saúde, notadamente a programas relacionados à compra de ambulâncias e de equipamentos hospitalares.

– O esquema operou de forma linear durante mais de cinco anos e teria movimentado cerca de R$ 110 milhões em recursos públicos.

– À frente do núcleo empresarial estavam Darci José Vedoin e Luiz Antônio Trevisan Vedoin, proprietários da Planam Comércio e Representação Ltda, e outras empresas ligadas à Planan: Unisau, Klass, Santa Maria, Esteves e Anjos, Suprema Rio, NV Rio, Delta, etc. Eles eram responsáveis pela elaboração de projetos técnicos, minutas e formulários indispensáveis para a formalização das diferentes etapas do processo de direcionamento de recursos orçamentários e manipulação de procedimentos licitatórios. No final, a eles também cabia o fornecimento das unidades móveis de saúde, ambulâncias, odontomóveis e veículos de transporte escolar ou de inclusão digital, bem como equipamentos médico-hospitalares e às vezes até mesmo medicamentos.

– Os recursos públicos apropriados eram divididos entre os agentes públicos, lobistas e empresários que haviam contribuído para o sucesso da empreitada. Geralmente, a comissão dos parlamentares ficava em torno de 10% do valor do convênio.

– Para o sucesso da empreitada criminosa, foi fundamental a atuação de servidores infiltrados em setores “chave” da Administração Pública, especialmente em órgão do Ministério da Saúde. Eles eram responsáveis pela aprovação dos pré-projetos e projetos e pela análise das prestações de contas relacionadas aos convênios.

– O comando político responsável pela elaboração das emendas orçamentárias que destinavam vultosos recursos a municípios e a entidades envolvidos no esquema, assim como pela indicação de servidores públicos destinados a atuar em áreas estratégicas da burocracia estatal, era formado por 48 ex-deputados federais, já denunciados pelo MPF no MT, e por cinco deputados federais.

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