A TV SBT Canal 5 de Porto Alegre (RS) foi condenada, em primeiro grau, pela juíza Adriana Seelig Gonçalves, da 30ª Vara do Trabalho da Capital gaúcha, a indenizar um funcionário seu por acidente ocorrido no estacionamento da emissora.
Aspectos interessantes do caso: o trabalhador teria desenvolvido meningite tuberculosa por causa do acidente, ocorrido fora do horário de trabalho.
O reclamante disse que estava saindo da empresa e bateu a cabeça em duas pontas de ferro, tendo sofrido traumatismo craniano. Passou a ter fortes dores de cabeça e febre, sendo internado em hospitais para tratamento, com diagnóstico de meningite tuberculosa. Afirma, ainda, ter ficado com sequelas que o impedem de trabalhar.
O SBT se defendeu, suscitando preliminares e que o acidente não pode ser considerado de trabalho, pois ocorreu fora do horário laboral e, mesmo assim, por infortúnio.
Prevaleceu a tese do autor, acolhida em bem fundamentada sentença que estabeleceu pensão mensal vitalícia de 50% do último salário, enquanto perdurar a incapacidade e reparação por danos morais em R$ 100 mil.
A juíza Adriana explicou que a Justiça do Trabalho é competente para julgar ações em que se discute acidente laboral e que o pedido de indenização é de natureza civil, atraindo a regra prescricional do Código Civil.
Segundo a magistrada, ficou comprovado que o SBT não forneceu condições seguras no ambiente de trabalho, pois “o autor bateu a cabeça em um ferro lateral, que divida os boxes de estacionamento e servia como reforço para sustentação do telhado, o qual havia sido danificado em temporal.”
No local, segundo a julgadora, a iluminação era precária, tendo a empregadora “culpa no infortúnio ao manter ferros em altura insuficiente para evitar acidentes.”
O fato de o evento ter ocorrido fora do horário laboral não afasta o reconhecimento do acidente de trabalho, referiu a juíza, “porque o autor ainda se encontrava no ambiente profissional, logo após o encerramento de suas atividades”.
E, pela análise do laudo pericial e do depoimento do médico que diagnosticou a doença do autor, a magistrada concluiu que o traumatismo que o trabalhador sofreu no crânio rompeu vesículas alojadas em seu interior contendo bacilos de Koch, levando ao desenvolvimento de meningite tuberculosa.
“Ainda que exista condição pessoal da vítima preexistente ao infortúnio, qual seja, ser portador de bacilos de Koch, entendo caracterizado o nexo de causalidade, porquanto, indubitavelmente, o acidente sofrido foi determinante para o desencadeamento da moléstia”, anotou a magistrada.
A sentença refere que, como resultado do acidente, o trabalhador apresenta sequelas cognitivas, com dificuldades relacionadas à atenção e a funções executivas, de modo que o obreiro foi aposentado por invalidez, por força da incapacidade total para o trabalho.
A pensão mensal foi estabelecida em 50% do último salário porque o empregado só desenvolveu a doença porque já era portador de bacilos de Koch. Já a reparação pelos danos extrapatrimoniais levou em conta o abalo da imagem do autor e a diminuição do seu conceito moral, por não mais poder desenvolver plenamente o convívio familiar e social. Dela não poderá haver descontos de contribuições previdenciárias e fiscais.
Os honorários advocatícios foram fixados em 15% sobre o valor bruto da condenação. Ainda cabe recurso ordinário ao TRT-4.
Atua em nome do reclamante o advogado Rafael Poschi Machado. (Proc. nº 0206700-72.2006.5.04.0030).
ÍNTEGRA DA SENTENÇA (24.09.10)
Processo: 0206700-72.2006.5.04.0030
Natureza: Ação de indenização
Origem: 30ª Vara do Trabalho de Porto Alegre
Reclamante: F.P.
Reclamada: TVSBT Canal 5 de Porto Alegre S.A.
Vistos, etc.
F.P., qualificada na petição inicial, ajuíza ação de indenização em face de TVSBT Canal 5 de Porto Alegre S.A., também qualificada nos autos, em data de 04.12.2006.
Aduz o reclamante que foi admitido na reclamada em 01.11.1993. Narra ter sofrido acidente no estacionamento da empresa em 23.8.2005. Relata que estava saindo da empresa e bateu a cabeça em duas pontas de ferro, tendo, então sofrido traumatismo craniano. Nos dias subsequentes, sentiu fortes dores de cabeça e teve febre, tendo sido internado em hospitais para tratamento, quando foi diagnosticado estar acometido de meningite tuberculosa. Sustenta que a batida na cabeça é que ocasionou a enfermidade. Afirma ter ficado com sequelas que impedem seu retorno ao trabalho, causando-lhe prejuízos de ordem física e moral. Discorre sobre o direito que entende lhe assistir.
Aos demais argumentos, postula a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos físicos e estéticos; indenização por dano moral e indenização por danos materiais, consistente em pensão provisória ou vitalícia, caso não possa retornar ao trabalho, em valor equivalente a cinco salários mínimos mensais. Pede, também, o pagamento de honorários advocatícios e a concessão do benefício da justiça gratuita. Atribui à causa o valor de R$ 400.000,00. Apresenta documentos.
A ré, em contestação, argui preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho e de inépcia da inicial. No mérito, invoca a prescrição e refuta os pedidos do autor. Sustenta que o acidente narrado não pode ser considerado acidente do trabalho, pois ocorreu fora do horário de trabalho e, ainda, assim, por um infortúnio. Traz considerações técnicas sobre a doença que acometeu o obreiro, aduzindo que não foi a batida na cabeça que a desencadeou, mas sim fragilidade de saúde preexistente. Afirma inexistir nexo causal entre o infortúnio e a doença. Discorre sobre as indenizações postuladas, impugnando um a um dos pedidos. Efetua requerimentos diversos, pugnando pela improcedência do feito.
São tomados os depoimentos das partes e ouvidas três testemunhas a convite do autor.
É realizada perícia médica (laudo das fls. 570/574, complementado à fl. 620).
Sem outras provas, a instrução foi encerrada.
As razões finais foram deduzidas por memoriais.
As propostas conciliatórias foram rejeitadas.
Vêm os autos conclusos para decisão.
É o relatório.
ISSO POSTO:
Preliminarmente.
Da incompetência material.
A reclamada argui a incompetência da Justiça do Trabalho para caracterizar o fato narrado na inicial como acidente do trabalho.
A postulação que implica em reconhecimento de ocorrência de acidente do trabalho, em ação proposta em face do empregador, é – inequivocamente – de competência desta Justiça Especializada, à luz do que dispõe o artigo 114 da Constituição Federal.
Sinale-se que o art. 114, inciso VI, da Constituição Federal, estabelece: “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho.”
Rejeito a preliminar.
Da inépcia da inicial.
A reclamada sustenta ser inepta a petição inicial quanto ao pedido de indenização por danos materiais, por não haver dedução de pedido certo ou determinado. Requer a extinção do processo sem resolução do mérito.
Os requisitos para petição inicial, no Processo Trabalhista, estão discriminados no artigo 840, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho. Vige, nesta esfera, a informalidade, orientada pelo princípio da simplicidade de procedimentos, decorrente da subsistência da faculdade do jus postulandi.
Não verifico, na espécie, a ausência de nenhum dos requisitos, pois a parte autora realizou breve exposição dos fatos, atendendo às exigências da norma em questão. Ademais, logrou a demandada apresentar defesa nos tópicos suscitados, não encontrando dificuldade para tanto.
Rejeito a preliminar.
No mérito.
Da prescrição.
A reclamada invoca a prescrição prevista no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal, requerendo a pronuncia da prescrição dos créditos anteriores a cinco anos da data do ajuizamento da ação. Sucessivamente, requer seja considerado o prazo prescricional contido no artigo 206, § 3º, V, do Código Civil.
A prescrição é instituto relacionado ao direito material, sendo que os prazos prescricionais são fixados de acordo com a natureza do direito lesado. Indubitável, portanto, que os prazos estabelecidos no dispositivo constitucional acima referido são relacionados apenas a créditos de natureza trabalhista. Já o direito debatido nos autos – reparação civil decorrente de acidente do trabalho – não está fundado no direito material do trabalho, mas sim no direito civil, tendo por fundamento possível ato praticado pelo empregador no decurso do contrato, que redunde em indenização de ordem civil.
A competência atribuída a esta Justiça Especializada, por força do artigo 114, VI, da Constituição Federal, não tem o condão de alterar a natureza do direito, mas tão somente atrai a competência para processamento e julgamento das ações de indenização por dano moral ou material cujo substrato fático tenha ocorrido no curso da relação de trabalho.
Destarte, sendo de natureza civil o direito versado na demanda, não há falar na aplicação da prescrição prevista no artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal, mas sim aquela prevista no Código Civil.
Considerando que a prescrição deve ser examinada à luz da legislação vigente à época do ajuizamento da ação, tendo a presente ação sido ajuizada em 20.8.2007, já na vigência do Código Civil de 2002, são aplicáveis, na hipótese, os prazos prescricionais nele previstos. Assim, em face do que consta no artigo 206, § 3º, V, do atual Código Civil, é de três anos o prazo prescricional aplicável ao presente caso.
A Súmula 278 do STJ esclarece que “o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”. Nesse sentido também a Súmula 230 do STF, in verbis: “A prescrição da ação de acidente do trabalho conta-se do exame pericial que comprovar a enfermidade ou verificar a natureza da incapacidade.”. No magistério de Sebastião Geraldo de Oliveira encontra-se fundamentado que “o termo a quo da contagem do prazo prescricional nas doenças ocupacionais não está vinculado à data da extinção do contrato de trabalho, ou do aparecimento da doença ou do diagnóstico, ou mesmo do afastamento. Não se pode exigir da vítima o ajuizamento precoce da ação quando ainda persistam questionamentos sobre a doença, sua extensão e grau de comprometimento, a possibilidade de recuperação ou mesmo de agravamento, dentre outros. A lesão só fica mesmo caracterizada quando o empregado toma conhecimento, sem margem a dúvidas, da consolidação da doença e da estabilização dos seus efeitos na capacidade laborativa ou, como diz a Súmula 278 do STJ, quando ele tem ciência inequívoca da incapacidade laboral” (OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de, Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, 2ª ed. rev. ampl. e atual. – São Paulo: LTr, 2006, pp. 336-338).
O fato alegado pelo autor, cuja caracterização como acidente do trabalho pretende, ocorreu em 23.8.2005. A evidência das lesões ocorreram em momento posterior, tendo o reclamante se afastado por auxílio-doença em 01.10.2005 (fl. 188) , situação que permanecia quando do ingresso da ação.
Nesses termos, tendo em conta o ajuizamento da ação em 04.12.2006, não há prescrição a ser declarada, nem mesmo se considerada como termo inicial a data do fato.
Do acidente do trabalho.
Aduz o reclamante que foi admitido na reclamada em 01.11.1993. Narra ter sofrido acidente no estacionamento da empresa em 23.8.2005. Relata que estava saindo da empresa e bateu a cabeça em duas pontas de ferro, tendo, então sofrido traumatismo craniano. Prossegue seu relato afirmando que nos dias subsequentes sentiu fortes dores de cabeça e teve febre. Ao ser internado em hospitais para tratamento, foi diagnosticado estar acometido de meningite tuberculosa. Sustenta que a batida na cabeça foi o que ocasionou a enfermidade. Afirma ter ficado com sequelas que impedem seu retorno ao trabalho, causando-lhe prejuízos de ordem física e moral. Postula a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos físicos e estéticos; indenização por dano moral e indenização por danos materiais.
A reclamada, em contestação, sustenta que o acidente narrado não pode ser considerado acidente do trabalho, pois ocorreu fora do horário de trabalho e, ainda, assim, por um infortúnio. Traz considerações técnicas sobre a doença que acometeu o obreiro, aduzindo que não foi a batida na cabeça que a desencadeou, mas sim fragilidade de saúde preexistente. Afirma inexistir nexo causal entre o infortúnio e a doença. Discorre sobre as indenizações postuladas, impugnando os pedidos.
O conceito de acidente do trabalho, de acordo com a Lei nº 8.213/91, é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (artigo 19).
Cabe perquirir, então, qual é a responsabilidade do empregador nessas hipóteses.
Neste aspecto, destaco, por extremamente oportuna, a doutrina de Washington de Barros Monteiro, ao tratar da evolução da teoria do risco profissional in Curso do Direito Civil – Direito das Obrigações, 1ª parte, Saraiva, 2003, p. 46:
“Mais um passo e chegou-se, finalmente, à teoria do risco profissional, fundada na prévia aferição dos riscos e nas obrigações provenientes do contrato de trabalho. O risco profissional vem a ser o risco inerente a determinada atividade, sem que se leve em conta, sem que entre em jogo, a culpa do patrão, ou do empregado. Igualmente, não se deve indagar da culpa do patrão. Assim como o operário arrisca sua integridade física em troca de uma reparação pessoal, o patrão, por sua vez, aceita os riscos oriundos da prestação de serviços, sem perquirir da eventual culpa do serviçal por ocasião do acidente. Recolhe o patrão os benefícios da produção; logo, há de ser ele quem suporte não só os riscos da perda de materiais como os resultantes dos acidentes sofridos pelos obreiros (ubi commoda, ibi et incommoda). Quem se beneficia com as vantagens deve sofrer também os incômodos. São os inevitáveis riscos imanentes à atividade que exerce”.
Tenho assim, que o dano provocado pelo acidente do trabalho decorre do risco inerente à própria atividade produtiva. Não há como escusar o empregador da responsabilidade por sua reparação, independente da existência ou não de culpa. Isso porque, é ele o principal beneficiário desta mesma atividade, cabendo, por conseqüência, suportar seus riscos.
Desta forma, entendo que a responsabilidade civil do empregador, na hipótese de acidente do trabalho, é, a toda evidência, objetiva, independentemente de ter agido ou não com dolo ou culpa, decorrente da aplicação da teoria do risco da atividade.
O atual Código Civil, em seu artigo 927, veio, na verdade, consagrar essa teoria, já existente, do risco criado. Esse dispositivo assim disciplina a regra geral da obrigação de indenizar:
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Portanto, atualmente, encontra-se positivada a responsabilidade objetiva nos casos em que a lei especificar e, também, quando a atividade desenvolvida implicar “risco para os direitos de outrem”.
A jurisprudência trabalhista da 4ª Região também abriga essa teoria, conforme se destaca a ementa abaixo:
“ACIDENTE DE TRABALHO. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. A responsabilidade do empregador, no caso de acidente de trabalho, decorre da aplicação da teoria do risco da atividade, que prevê a responsabilidade civil objetiva como forma de obrigação de garantia no desempenho de atividade econômica empresarial, dissociada de um comportamento culposo ou doloso. A teoria do risco da atividade parte do pressuposto de que quem obtém bônus arca também com o ônus. O parágrafo único do art. 927 do CCB/02 recepcionou tal teoria em nossa legislação”. (Ac. n. 00437-2205-511-04-00-9, publicado em 11.04.06, Relator Juiz José Felipe Ledur).
De outra parte, não se olvida a existência de tese no sentido de que a teoria do risco (agora prevista no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil) não tem cabimento nas hipóteses de acidente do trabalho, sob o argumento de que o artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal expressamente exige como pressuposto da indenização a ocorrência de culpa do empregador. Contudo, respeitando entendimentos em sentido contrário, não vejo qualquer incompatibilidade em relação a essas duas normas, especialmente porque visam melhorar as condições do trabalhador. Nesse sentido, destaco o magistério do Exmo. Juiz Sebastião Geraldo de Oliveira, do TRT da 3ª Região (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, LTr, São Paulo, 2005, pág. 91):
“Entendemos que a previsão do inciso XXVIII mencionado deve ser interpretado em harmonia com o que estabelece o caput do artigo respectivo, que prevê: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social. Assim, o rol de direitos mencionados no art. 7º da Constituição não impede que a lei ordinária amplie os existentes ou acrescente outros que visem a melhoria da condição do trabalhador. Como leciona Arnaldo Süssekind, o elenco de direitos relacionados no art. 7º é meramente exemplificativo, admitindo complementação.”
Acrescento, ainda, que a redução dos riscos inerentes ao trabalho trata-se de direito dos trabalhadores, estabelecida por meio de normas de saúde, higiene e segurança, conforme previsão do artigo 7º, XXII, da Constituição Federal. Da mesma forma, essa preocupação com os riscos da atividade laboral encontra-se disseminada em nosso ordenamento jurídico ordinário, dentre os quais destaco o artigo 19, § 3º, da Lei 8.213/91 e os artigos 166, 182, III e 197, da CLT, os quais repisam a importância de repasse de informações pormenorizadas dos riscos e dos produtos manipulados, bem como exigem o fornecimento de equipamentos de proteção adequados ao trabalhador. Além disso, cabe destacar, também, as diversas normas que estabelecem diretrizes às empresas com o objetivo de reduzir acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, tais como as que estabelecem a criação de Comissões Internas de Acidentes do Trabalho (CIPA), por exemplo.
É imperioso ressaltar aqui, ainda, o caráter tutelar do direito do trabalho, amparado pelos fundamentos da República concernentes à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho (artigo 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal). Ressalto as disposições constitucionais que estabelecem os objetivos da ordem social e da ordem econômica (artigo 193 e artigo 170 da Constituição Federal, respectivamente), sendo objetivos daquela o bem-estar e a justiça social, tendo por base o primado do trabalho e, dessa, a existência digna, conforme os ditames da justiça social, fundado na valorização do trabalho humano, observado o princípio da redução das desigualdades sociais.
Sem dúvida, o arcabouço jurídico, em uma interpretação sistemática, ao valorizar a boa-fé, a função social do contrato, o trabalho como fundamento da República e a base da ordem social e econômica, conduz à responsabilização objetiva do empregador, que teve em seu proveito a entrega da força de trabalho do obreiro e é, portanto, detentor do risco do empreendimento, também nos casos de acidente do trabalho.
Logo, para que exsurja a responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho, necessário se faz, tão-somente, a presença do dano e do nexo de causalidade, pressupostos estes que devem estar presentes simultaneamente, sob pena de indeferimento da pretensão indenizatória.
Restou incontroverso que o autor, no dia 23.8.2005, após o encerramento de seu expediente e no estacionamento da empresa, bateu a cabeça, tendo necessitado de atendimento médico. O reclamante relata que a batida se deu em duas pontas de ferro no teto, que restaram após uma obra no estacionamento. A reclamada nega a realização de obras na garagem, referindo que o autor bateu a cabeça em divisórias das vagas do estacionamento coberto, que ficam presas ao teto a dois metros de altura, sendo visíveis e de conhecimento de todos.
Ainda que o entendimento do Juízo seja no sentido de responsabilização do empregador de forma objetiva e em sentido amplo, presumindo-se sua culpa – como acima sustentado –, no caso dos autos resta patente a culpa da empregadora ao não ter fornecido condições seguras no ambiente de trabalho.
Quanto a isso, as testemunhas ouvidas nos autos relatam:
“J: O senhor ficou sabendo de algum fato que ele tenha se acidentado na empresa? D: Sim. J: O que o senhor sabe nos contar sobre este fato? D: O horário dele era das dezenove a uma da madrugada eu o rendia a uma da madrugada. Naquela noite, casualmente, eu o rendi, e depois eu fui chamado, eu e outro colega, que ele tinha se acidentado. Quem chamou foi o vigilante, que ele tinha se acidentado lá embaixo. Eu não vi nada. Eu só o vi sentado com a mão na cabeça e sangrando. J: Ele referiu alguma coisa? D: Ele não falou nada, ele nem falava. O vigilante que falou que ele tinha batido a cabeça numa grade que tem lá de ferro. J: Este ferro localizava-se em que parte o senhor sabe me dizer? D: Numa treliça do estacionamento, onde ficavam os automóveis. J: Na parte do teto? D: Sim. Na cobertura do estacionamento. ; … J: Como era o local era bem iluminado? D: Iluminação normal, mas lá não existe iluminação? J: Embaixo do telhado? D: Não. J: Mas vocês conseguiam chegar até o carro com facilidade, enxergar? D: Sim. J: O carro vocês enxergavam? D: Sim. J: Esta parte superior? D: Não. J: Era escuro? D: Era escuro.” (testemunha C.S.M., à fl. 512)
“J: O senhor se recorda dele ter sofrido um acidente no pátio da empresa? D: Sim, eu estava trabalhando, casualmente, nesta madrugada, quando o colega da portaria ligou lá para coordenação avisando que ele tinha sofrido um acidente. J: O senhor foi até o local? D: Sim, eu desloquei um colega meu para minha função e desci até lá para ver. J: E chegando lá qual a situação que o senhor encontrou? D: Ele estaca sentado no pátio na rampa que dá acesso ao estacionamento com ferimento na cabeça nesta altura correndo sangue. J: O senhor sabe o que aconteceu? D: Pelo que ele mesmo me falou ele tinha a batida a cabeça dele no ferro que sustentava o telhado do estacionamento, o ferro lateral. J: Este estacionamento estava em obras na época? D: Não estava em obras. J: Que altura era deste estacionamento do chão ao telhado? D: É mais alto que eu, porque eu tenho um metro e setenta e dois, eu não bateria com a cabeça ali. J: E ele por ser um homem mais alto? D: Ele por ser alto, sim. É que era lateral não é o ferro frontal. Ele é na lateral, porque divide os boxes, no caso. J: E pela altura do senhor F. e altura do telhado? D: Ele bateu com a cabeça ali. É que aquele telhado caiu num temporal que deu e daí foi feito este reforço para sustentar ali, uma viga de ferro no caso. J: Desta viga ficou algum ferro. D: Acho que ficou uma pontinha assim.; … AA: Se tem luminosidade no estacionamento? Se tem lâmpadas embaixo deste boxe? D: Embaixo do boxe não tem, tem uma lâmpada com holofote em cima do prédio até de grande porte que ilumina toda área. J: Então, a luminosidade é boa embaixo do telhado? D: Não digo que seja boa, geralmente, embaixo de telhados assim de telhados não é” (testemunha J.C.S., à fl. 513)
Dos trechos destacados, denoto que o autor bateu a cabeça em um ferro lateral, que divida os boxes de estacionamento e servia como reforço para sustentação do telhado, o qual havia sido danificado em temporal. Concluo, também, que não havia iluminação embaixo do telhado do boxe, mas apenas em cima do prédio, fazendo com que a iluminação fosse precária no local da batida. Tenho, por essas ilações, que a empregadora agiu com culpa no infortúnio ao manter ferros em altura insuficiente para evitar acidentes, em local com iluminação precária.
Cumpre ressaltar, ainda, que o fato de o reclamante sofrer o infortúnio fora do horário de trabalho, não é óbice ao reconhecimento de acidente do trabalho – se presentes os demais pressupostos – porquanto ele ainda se encontrava em seu ambiente de trabalho, logo após o encerramento de suas atividades laborais.
No que tange aos danos e ao nexo de causalidade, o laudo médico apresenta a seguinte conclusão, às fls. 573/574:
“O autor apresenta sequelas cognitivas de meningite tuberculosa.
…
No adulto, especialmente nos imunocompetentes, a meningite tuberculosa é bastante rara. Ela pode dever-se a um primeiro contato com o bacilo, como nas crianças, mas o mais comum é que o contágio tenha sido bastante remoto e o bacilo tenha ficado silencioso por muitos anos. Em 1933, os médicos Rich e McCordock descreveram o atualmente conhecido “foco de Rich”, granuloma que contém bacilos de Koch dormentes e que se localiza na região sub-cortical cerebral e que fica silencioso por longos períodos (por vezes a vida toda) e que pode vir a causar meningite tuberculosa em seus portadores. Porém, mesmo sendo objeto de estudos até hoje, não há provas de que tipo de alteração traz o “foco de Rich” à atividade. Também é bastante improvável que um trauma leve, com corte somente em couro cabeludo, possa vir a ter provocado a reativação de foco preexistente.
Desta forma, não há, à luz dos conhecimentos médicos atuais, evidências irrefutáveis de que haja relação entre o traumatismo sofrido pelo autor e o posterior desenvolvimento de meningite tuberculosa”.
O autor impugna a conclusão do laudo médico, atentando para o depoimento da testemunha J.W., médico que o tratou, que fez referência a históricos na literatura médica de casos semelhantes ao do autor, mencionando, também, artigo publicado em sítio de literatura médica, com conclusão análoga.
A perita, em manifestação à impugnação do autor, pondera à fl. 600:
“1 – …. o reclamante, representado pelo neurologista Dr. J.B., apresenta artigo, publicado em 2008, por Talati NJ e colaboradores em revista indexada, onde é relatado quadro clínico idêntico ao do Sr. F. P. Diante desta evidência, comprovo que há literatura médica, ainda que escassa, que corrobora a pretensão do reclamante.
2. – Diante do novo dado apresentado, reavalio meu laudo e afirmo que pode sim haver nexo causal entre o acidente sofrido pelo autor e a moléstia infecciosa que o afligiu posteriormente.”
Diante da complementação pericial, a reclamada impugna a conclusão da perita da existência de nexo de causalidade, asseverando que por se tratar de doença rara em adultos, é difícil estabelecer relação de causa e efeito, com volume escasso de dados. Entende haver indícios de que o autor tinha uma progressão do quadro de meningite tuberculosa ao relatar que vinha apresentando crises frequentes de cefaleia. Formula quesitos complementares à perita, questionando, em suma, se a queda já se devia à evolução do quadro de meningite ou se a queda pode ter causado a ruptura dos microtuberculomas.
A perita esclarece que a evolução natural da doença é de permanecer latente até que um evento traumático provoque a ruptura do tuberculoma e complementa aduzindo que muito provavelmente o trauma sofrido pelo autor tenha sido a causa da ruptura da lesão (fl. 620).
A reclamada mantém suas impugnações, afirmando ser incoerente a retificação do laudo, já que um único caso não configura evidência. Refere, também, que a história pregressa do autor ao acidente demonstra cefaléia progressiva e intensa, como consta no laudo do perito assistente.
A prova oral, consistente no depoimento do médico que atendeu o autor, Dr. J.L.W., corrobora a conclusão da perita, no trecho a seguir destacado:
“J: Tem um documento nos autos de folha 18 em que o senhor discrimina aqui a situação e diz que esta meningite derivada da tuberculose pode surgir em virtude de algum trauma craniano. Como é isto? D: A tuberculose é uma doença que pode afetar qualquer órgão do corpo, normalmente, ela começa no pulmão. Só que do pulmão ela pode se espalhar para o resto do corpo, ela pode ir para o rim, para o peritônio, para osso, para o cérebro, para qualquer órgão e pode dar qualquer tipo de sintoma. Quando ela vai para o cérebro tem algumas características interessantes, a imunidade do paciente controla mais ou menos a doença, alguns casos curam sozinho sem medicamento e outros casos não conseguem curar sozinho. No caso do F., eu analisei da seguinte forma, ele estava estável com a tuberculose dele não tinha sintoma ou tinha de vez em quando umas dores de cabeça que surgiu no decorrer da história, mas não tinha sintoma da doença, a gente sabe que a tuberculose quando se localiza nas meninges, ela pode ficar um período sem ter a meningite tuberculosa. Ela tem pequenas vesículas com líquido célico dentro onde tem os bacilos e por causa da imunidade natural da pessoa, ela fica estabilizada e quando rompe uma vesícula destas, ela cai diretamente dentro do cérebro e como o cérebro é um órgão que tem pouca imunidade natural, ele é muito protegido, então, tem pouca imunidade. E ali é um meio para crescer rapidamente. E foi o que aconteceu, uma vesícula destas daí com o traumatismo que ele teve no trabalho rompeu. Eu não estou dizendo que a doença dele foi causada pelo traumatismo. O traumatismo corroborou para romper uma vesícula que já estava lá, que era uma coisa que ele já tinha e que a partir disto desenvolveu a meningite, que levou a todo este problema do F..” (grifei)
Da conjugação do laudo médico apresentado pela perita do Juízo com o depoimento testemunhal do médico que diagnosticou a doença do autor, constato que o traumatismo que o autor sofreu no crânio rompeu vesículas que estavam alojadas em seu interior e continham bacilos de Koch, tendo, a partir de então, desenvolvido a meningite tuberculosa. Observo que a conclusão da reclamada, de que a cefaléia referida pelo obreiro indicaria situação prévia de ruptura dos “focos de Rich”, não se sustenta diante da afirmativa da testemunha J.L.W. de que o autor tinha dores de cabeça, mas não tinha sintomas da doença.
Entendo, assim, configurado o nexo de causalidade entre a doença a que acometido o autor e o acidente sofrido no ambiente do trabalho.
Nessa senda, ainda que exista condição pessoal da vítima preexistente ao infortúnio, qual seja, ser portador de bacilos de Koch, entendo caracterizado o nexo de causalidade, porquanto, indubitavelmente, o acidente sofrido foi determinante para o desencadeamento da moléstia. Importante a referência da perita do Juízo de que os granulomas que contêm bacilos de Koch podem ficar silenciosos por longos períodos em seu portador ou, por vezes, a vida toda. Assim, caso o autor não tivesse sofrido a batida na cabeça, poderia conviver toda sua vida com a doença, sem desenvolver sintomas.
Trago à colação parte do acórdão proferido nos autos do processo nº 01540-2005-202-04-00-0, de lavra do Exmo. Juiz Flavio Portinho Sirangelo e publicado na data de 19/12/2006, onde discutida matéria análoga à presente e que adoto como razões de decidir:
“A existência de concausas deve ser levada em consideração apenas para o arbitramento da indenização postulada, mas não para a sua exclusão. Importante salientar que, para a configuração do nexo de causalidade não se exige que o trabalho e as condições em que foi desenvolvido sejam causa exclusiva da lesão instalada, bastando que se verifique que foi a causa predominante e determinante da doença, como ocorre no caso. É o que decorre do disposto no art. 21, inciso I, da Lei 8.213/90, que assim estabelece: “Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação (grifei).”
No que concerne ao dano, tal resta evidente diante da conclusão da perita de que o autor apresenta sequelas cognitivas de meningite tuberculosa (fl. 573) referindo, ainda, que “O prejuízo apresentado refere-se a atenção e outras funções executivas, específicas dos lobos frontais cerebrais” (fl. 572). A mesma conclusão foi obtida no laudo apresentado pelo autor, às fls. 22/24, em que a psicóloga signatária evidencia, ao exame do autor, “dificuldades relacionadas mais especificamente com a atenção e a funções executivas de um modo mais amplo, as quais encontram-se associadas às áreas frontais e pré-frontais do encéfalo” . Ademais, as sequelas da enfermidade apresentada pelo obreiro foram de tal modo significativas, que levaram o órgão previdenciário a conceder aposentadoria por invalidez, como se constata do documento da fl. 608.
Destarte, presentes o dano e o nexo de causalidade, sendo adotada a responsabilidade objetiva do empregador, e, no caso em específico, tendo o empregador agido com culpa, deve responder pelos danos causados.
Passo à análise dos pedidos:
Dos danos materiais.
O autor postula indenização por dano patrimonial, através de pensionamento provisório ou vitalício, caso não possa retornar ao trabalho, em valor equivalente a cinco salários mínimos mensais.
Dispõe o artigo 950 do Código Civil:
“Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até o fim da convalescença, incluirá uma pensão correspondente à importância do trabalho, para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu” (sublinhei).
No caso em apreço, a incapacidade do autor para o desenvolvimento de suas atividades laborais é total, tendo inclusive o Instituto Nacional de Seguridade Social concedido aposentadoria por invalidez. Todavia, considerando que o autor só desenvolveu a doença a partir do acidente sofrido no ambiente de trabalho porque era portador de bacilos de Koch e atentando às demais circunstâncias evidenciadas nos autos, arbitro a responsabilidade da ré pelas lesões em 50%.
Ressalto, porquanto argüido em defesa, que não há amparo legal para limitar às indenizações pleiteadas a 12 salários base do autor. Tampouco há razão para limite do pensionamento aos sessenta anos de idade, já que a indenização deferida visa a reestabelecer o status quo ante.
Destarte, defiro o pagamento de indenização consistente em pensão mensal vitalícia, que arbitro em 50% sobre o último salário percebido pelo autor, por corresponder ao percentual de responsabilidade da ré, desde a data da citação (como proposto na peça portal), enquanto perdurar a incapacidade, atualizada pelos mesmos índices de correção dos salários da categoria profissional a que pertence, observadas as épocas definidas nos instrumentos normativos pertinentes. Diante dos limites da petição inicial, o valor deverá ficar adstrito a até cinco salários mínimos mensais.
Dos danos moral, físico e estético.
A teor do preceituado no art. 5º, V e X, da CF, é assegurada a indenização por dano moral e estético quando violadas a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas.
É admissível que tais danos possam decorrer da relação de emprego, eminentemente quanto estamos diante do estado de sujeição do empregado ao empregador, o qual, por força do poder de comando, tem a faculdade de submeter o trabalhador às suas ordens.
Também é admissível cumular a indenização por dano moral com a indenização por dano físico e estético. Neste sentido, transcrevo lição de Sebastião Geraldo de Oliveira: “O dano estético está vinculado ao sofrimento pela deformação com seqüelas permanentes, facilmente percebidas, enquanto o dano moral está ligado ao sofrimento e todas as demais conseqüências nefastas provocadas pelo acidente. (…) Como se vê, o acidente do trabalho que acarreta alguma deformação morfológica permanente gera o dano moral cumulado com o dano estético, ou apenas o primeiro, quando não ficar qualquer seqüela”. (in Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 2. ed. rev. ampl.e atual. São Paulo: LTr, 2006. p. 199).
No caso em tela, fácil denotar que o autora foi submetido a situações que acarretaram abalo a sua imagem e diminuição do seu conceito moral, enquanto não pode desenvolver plenamente seu convívio familiar e social. Observo que o dano moral só depende da prova de sua existência, mais propriamente do fato que o originou, e não da prova do prejuízo em si, visto que, neste ponto estaria se confundindo com o dano material. Nessa senda, o prejuízo advindo da enfermidade do autor pode, por vezes, sujeitá-lo a situações constrangedoras, porquanto as atividades rotineiras, do dia-a-dia, tornam-se mais complexas. Sinale-se, ainda, que a limitação a que submetido – culminando com a aposentadoria por invalidez – revela-se extremamente prejudicial a sua vida profissional, o que acaba por refletir em sua auto-estima. Deste modo, entendo configurado o dano moral causado ao trabalhador, lesado em sua honra e dignidade, protegidas constitucionalmente (artigos 1°, III, e 5º, X, ambos da Constituição Federal).
Considerando que o dano moral não é economicamente mensurável, entendo que para fixação do montante deve se ponderar a razoabilidade entre o abalo sofrido e o valor a ser pago, atendo-se, inicialmente, à situação econômica do agente para, em seguida, perscrutar-se acerca das circunstâncias em que praticado o ato danoso e a situação social do lesado. Da análise desses elementos, extrair-se-á a gravidade da lesão, tendo essa como parâmetro primeiro para a fixação do valor, que deverá ser suficiente não só para abrandar o dano direto, mas como compensação por todas as conseqüências advindas. Demais disso, o “quantum” arbitrado deve considerar o caráter punitivo, que tem por finalidade evitar que outros empregados passem pelos mesmos embaraçados, de modo a constranger o empregador a não mais cometer excessos em seu poder diretivo.
Trago à colação decisão proferida neste Regional, que bem elucida a questão:
“Estabelece o art. 1553 do Código Civil, aplicável subsidiariamente, que a indenização resultante de obrigação de reparar atos ilícitos será fixada por arbitramento, tendo como primeiro objetivo, é consabido, o de compensar a dor sofrida pela vítima, ainda que inviável a perfeita equivalência face à impossibilidade de dimensioná-la. Há que atender, ainda, dito arbitramento, a finalidade de desestimular o cometimento de nova agressão. Por outro lado, há de se fazer com a observância de certos critérios que Maria Helena Diniz classifica como subjetivos (posição social ou política do ofendido, intensidade do ânimo de ofender, culpa ou dolo) e objetivos (situação econômica do ofensor, risco criado, gravidade e repercussão da ofensa). Diz ainda a eminente jurista que: na avaliação do dano moral o órgão judicante deverá estabelecer uma reparação eqüitativa, baseada na culpa do agente, na extensão do prejuízo causado e na capacidade econômica do responsável. (In Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil, editora saraiva, São Paulo, 1984, 7º volume, pág. 78 e 79)” (Acórdão 01167.521/96-0 RO, 1ª Turma, 24.03.99, Relatora Juíza Rosa Maria Weber Candiota da Rosa).
Feitas essas considerações, revela-se excessivo o valor postulado pelo autor. Entendo razoável para fixação do dano moral o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) nesta data, valor que considero consentâneo com o dano sofrido pelo autor em contraponto à parcela de responsabilidade da ré, com base nos elementos referidos.
Por outro lado, não entendo configurado o suporte fático a indenizar o alegado dano físico e estético, já que não há prova de deformidade física externa em razão da lesão sofrida.
Dos descontos previdenciários e fiscais.
As parcelas deferidas na demanda (indenização por danos morais e materiais) têm natureza indenizatória, e em razão disso não estão sujeitas à incidência de contribuições previdenciárias e fiscais.
Do benefício da Justiça Gratuita.
Defiro ao autor o benefício da justiça gratuita, nos moldes do art. 790, § 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, porquanto implementa o requisito necessário à concessão, como se infere da declaração de hipossuficiência econômica, formulada à fl. 13.
Dos honorários advocatícios.
Entendo aplicável, nas ações que envolvam indenização por acidente do trabalho, o disposto no artigo 5º da Instrução Normativa nº 27/2005, do TST. Assim, sucumbente a demandada, condeno-a ao pagamento de honorários de advogado ao patrono do autor, no quantum de 15% sobre o valor bruto da condenação.
Dos honorários periciais.
Porquanto sucumbente no objeto da perícia, deverá a ré arcar com os honorários periciais técnicos, na forma do art. 790 – B da Consolidação das Leis do Trabalho, que arbitro em R$ 1.530,00.
Da compensação e dedução.
Invoca a reclamada, em defesa, a aplicação do art. 767 da CLT, requerendo sejam deduzidos valores pagos daqueles decorrentes da condenação.
Não há falar em compensação de valores pagos ao autor, nos moldes em que postulado na defesa. Para acolhimento do pedido é necessário que o interessado afirme a existência de seu crédito e especifique a origem e a natureza, fazendo a prova respectiva.
Rejeito o requerimento.
Da litigância de má-fé.
O autor requer a condenação da ré às penalidades de litigância de má fé, por agir de forma temerária no processo ao receber indevidamente intimação pela testemunha por ela arrolada.
O artigo 17 do Código de Processo Civil arrolada as hipóteses as quais a parte será reputada litigante de má-fé, não se verificando, na espécie, tenha a reclamada incidido nas condutas legalmente tipificadas. Tanto é assim que, posteriormente, a reclamada desistiu da ouvida da testemunha por ela arrolada.
Rejeito o requerimento.
Dos juros e correção monetária.
Defiro a incidência de juros e correção monetária, na forma da lei.
O critério de atualização das verbas deferidas na presente decisão sujeita-se ao princípio da lex tempor regit actum, não se prestando este momento processual para sua fixação. A definição deverá ocorrer em fase de execução, não sendo a fase cognitiva adequada para fazê-la.
DIANTE DO EXPOSTO, afasto as preliminares argüidas e, no mérito, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos articulados por F.P. em face de TVSBT Canal 5 de Porto Alegre S.A. condenando-a, nos limites da fundamentação, em favor do autor, ao que segue:
a) pagamento de indenização consistente em pensão mensal vitalícia, que arbitro em 50% sobre o último salário percebido pelo autor, por corresponder ao percentual de responsabilidade da ré, desde a data da citação, enquanto perdurar a incapacidade, atualizada pelos mesmos índices de correção dos salários da categoria profissional a que pertence, observadas as épocas definidas nos instrumentos normativos pertinentes. Diante dos limites da petição inicial, o valor deverá ficar adstrito a até cinco salários mínimos mensais; e
b) pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Defiro ao autor o benefício da justiça gratuita.
Juros e correção monetária, na forma da lei.
Custas de R$ 3.000,00, sobre o valor provisoriamente arbitrado à causa de R$ 150.000,00, e honorários do perito técnico, fixados em R$ 1.530,00 ao encargo da reclamada. Deverá, ainda, a ré arcar com os honorários de advogado ao patrono da autora, no quantum de 15% sobre o valor bruto da condenação.
Liquidação por cálculos.
Intimem-se as partes e o INSS. Intime-se o perito do valor fixado a título de honorários.
Cumpra-se.
Nada mais.
Adriana Seelig Gonçalves,
Juíza do Trabalho.