Os produtores da região do município de Jaú (SP) estão proibidos de queimar a palha da cana-de-açúcar, método usado tradicionalmente para facilitar a colheita manual. A decisão é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que proveu recurso do Ministério Público de São Paulo.
O MP estadual ajuizou ação civil pública com o objetivo de impedir a queima da palha de cana-de-açúcar na região de Jaú. Na ação, sustentou que tal prática acarreta intensos danos ao meio ambiente.
Em primeira instância, o pedido foi negado. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença por entender que a queima da folhagem seca da cana-de-açúcar não é proibida. Para o TJ, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81) fixou diretrizes gerais de proteção, não estabelecendo, com relação às queimadas, nenhum tipo de vedação em culturas regulares renovadas.
Segundo o TJSP, a fuligem provocada pela queima da palha de cana é apenas um incômodo de efeitos estéticos. “Quanto ao câncer, toda fumaça é prejudicial, mas a pior delas é a derivada dos combustíveis fósseis”, diz o acórdão do tribunal paulista, mencionando estudos que afastariam a relação entre a fuligem da cana e processos cancerígenos. “Na verdade”, acrescenta o acórdão, “o Pro-Álcool trouxe ao meio ambiente enormes benefícios.”
O TJSP concluiu que a indústria sucroalcooleira, ao contrário do alegado, resolve questão econômico-social, uma vez que a introdução das colheitadeiras e o reescalonamento da mão de obra afetaria o interesse público no plano do emprego.
Assim, segundo o TJSP, não existindo dado científico concreto de que a queimada causa danos ao homem e ao planeta, “o Judiciário não pode paralisar a atividade canavieira do estado de São Paulo, que dá pelo menos 15 milhões de empregos diretos e indiretos”.
Prudência
Inconformado, o MP estadual recorreu ao STJ sustentando que a decisão violou artigos do Código Florestal (Lei 4.771/65) quanto ao emprego de queimadas, da Política Nacional do Meio Ambiente e da Lei 7.347/85, que trata da responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, entre outras.
Em seu voto, o relator, ministro Humberto Martins, concluiu que a ausência de certezas científicas não pode ser argumento utilizado para postergar a adoção de medidas eficazes para a proteção ambiental. Segundo o princípio da precaução, consagrado formalmente pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92, na dúvida, prevalece a defesa do meio ambiente.
“A ausência de certeza científica, longe de justificar ação possivelmente degradante do meio ambiente, deveria incitar o julgador a mais prudência”, acrescentou.
O ministro ressaltou ainda que o legislador brasileiro, atento a essa questão, disciplinou o uso do fogo no processo produtivo agrícola, quando instituiu o artigo 27, parágrafo único, do Código Florestal, que prevê a permissão para o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais desde que haja peculiaridades locais ou regionais que o justifiquem.
Segundo ele, as atividades agroindustriais, exercidas por empresas com alto poder econômico, não podem valer-se da autorização constante no Código Florestal para realizar queimadas, pois dispõem de condições financeiras para adotar outros métodos menos ofensivos ao meio ambiente. Em tais situações, estaria vedado ao poder público emitir essas autorizações.
Permissões específicas
Por fim, o relator destacou que, mesmo que se entenda que é possível à administração pública autorizar a queima da palha da cana-de-açúcar por empresas agroindustriais, a permissão deve ser específica, precedida de estudo de impacto ambiental e licenciamento, com a implementação de medidas que viabilizem amenizar os danos e recuperar o ambiente.
“Busca-se, com isso, compatibilizar dois valores protegidos na Constituição de 1988, quais sejam, o meio ambiente e a cultura ou o modo de fazer, este quando necessário à sobrevivência dos pequenos produtores que retiram seu sustento da atividade agrícola e que não dispõem de outros métodos para o exercício desta, que não o uso do fogo”, afirmou.
Sobre o fato de o álcool combustível ser menos danoso ao meio ambiente do que o combustível fóssil, Humberto Martins afirmou que “isso está fora de dúvidas”. Para ele, “o cerne da questão não é o benefício produzido pelo combustível verde”, nem “qual política energética deve ser adotada pelo país”.
O importante, acrescentou o relator, é analisar se o método da queima da palha deve ser vedado, por causa dos danos ambientais. E quanto a isso, insistiu, a proteção ao meio ambiente não está condicionada a certezas científicas.