por Alexandre Bittencourt Amui de Oliveira
Idealizara o constituinte reservar ao Supremo Tribunal Federal o papel de zelar e guardar a Constituição Federal. Todavia, o modelo jurídico com que se definia a competência original e recursal exibia, objetivamente, que o desiderato de preservar o STF redundara em extremado fracasso, pois, em raros os casos, os constituintes entendiam o real significado da Carta Magna.
O STF, como corte de custódia da Constituição Federal, haveria de enfrentar uma gama de dispositivos, sem qualquer tipo de nexo e sem atender aos requisitos necessários da Corte Suprema, o que fez abarrotar o último e respeitado grau de jurisdição.
Somente técnicas de admissibilidade recursal com extremado rigor analítico e grau de dificuldade se mostrariam capazes de evitar que o STF se inviabilizasse com irreversíveis problemas, pois, o que se observa, são recursos sendo julgados com meses de atraso prejudicando cada vez mais a celeridade processual, princípio constitucional violado pelo próprio órgão guardião da Constituição.
O desvio de finalidade e o abarrotamento de processo para serem julgados pelo STF estavam evidenciados, perspectiva que exigia a construção de opções que resistissem ao grande número de Recursos que discutiam matéria constitucional.
Enrijeceu-se o controle de admissibilidade do recurso extraordinário pela via legislativa – Súmula Vinculante – e pela via jurisdicional – súmulas que restringem o cabimento:
a) inviabilidade do reexame da prova, por força da imodificabilidade da herança da moldura fática (Súmula 279);
b) escassez na exploração de todos os fundamentos em que se baseou a decisão atacada (Súmula 283);
c) ausência de prequestionamento sobre matéria constitucional que deveria ter sido enfrentada, à falta de embargos declaratórios (Súmulas 282 e 356);
d) impropriedade do reexame do princípio constitucional da legalidade quando for necessário vasculhar a interpretação dada a normas infraconstitucionais (Súmula 636).
A combinação de medidas constitucionais e jurisdicionais produziu resultados ainda insatisfatórios para que o STF pudesse cumprir eficientemente o papel de corte constitucional, sem as impropriedades de instância recursal a que vem se prestando, com claro abuso, as pessoas jurídicas de direito público interno que atuam com a compreensão de que o princípio do interesse público se confunde com comportamento procrastinatório na satisfação das obrigações legais.
Neste ínterim, introduziu-se na Constituição Federal o instituto da Repercussão Geral (artigo102, parágrafo 3º, EC 45/2004), mais uma ferramenta com o propósito de articular um sistema filtrando o acesso ao STF pela via do recurso extraordinário.
Considera-se Repercussão Geral o fato jurídico em que se entranha a autoridade o qual se credencia a provocar o exercício da jurisdição definitiva pelo STF, no intuito de pacificar o conflito no qual o tema central repousa questão relevante de ordem econômica, política, social ou jurídica, ainda carente de equação, que importa à afirmação de princípio ou preceito constitucional.
Na identificação da Repercussão Geral, pouco importa a quantidade do conflito e a quantidade dos litigantes, haja vista que se exprime à qualidade da questão inserida na controvérsia cuja solução se permita informalizar a leitura que se incorpora à existência dos direitos e deveres constitucionais que se confundem com as situações ideológicas de ordem econômica, política, social ou jurídica, porque interessa ao Estado e à sociedade como elemento de grandeza valorativa do tema explorado no recurso extraordinário.
Cuida-se da derradeira oportunidade confiada ao próprio poder judiciário para preservar um valor jurídico-constitucional que tenha conteúdo de ordem econômica, política, social ou jurídica, com mais força em sua projeção do que o efeito prático que surte por interesse da solução do caso concreto.
Na preparação da Repercussão Geral, pressuposto a ser explorado e demonstrado na iniciação do recurso extraordinário, usa-se a subjetividade dos agentes apenas para emprestar objetividade à tradução da vontade constitucional, com efetividade jurídica, porquanto a expressão jurisdicional do STF se subordina ao do poder normativo impróprio.
A Repercussão Geral se confunde e se apresenta nas causas em que se discute a preservação dos valores e dispositivos constitucionais que, na verdade, substanciam os pressupostos de que necessitam os sujeitos de direito para observar o roteiro da segurança jurídica, como técnica de revelação da vontade da Constituição Federal, extraída no processo sob a influência da jurisdição do STF.
Os efeitos concretos podem se resumir ao patrimônio material ou moral de um sujeito de direito, onde certamente o resultado de uma decisão baseada no seio da repercussão geral se dissemina mais do que no campo que demarca a atuação jurisdicional do STF, pois prospecta a definição impositiva em que o Estado exerce a sua soberania.
Noutro aspecto, verifica-se que o juízo de admissibilidade do Recurso Extraordinário na questão da repercussão geral corre o grande risco de que as disposições constitucionais percam as garantias de segurança jurídica de que a Constituição sustenta à população no Estado democrático de direito.
O único critério tecnicamente objetivo na caracterização da Repercussão Geral, como condição de admissibilidade do recurso extraordinário, se concentra na confirmação de que a decisão impugnada e submetida ao STF tenha contrariado súmula ou jurisprudência dominante na corte.
O modelo normativo para a Repercussão Geral estimula o entendimento de que em nome do combate à crise de asfixia o qual passa o STF, à qual se junta à descaracterização de sua aplicação institucional, o dever de observância e cumprimento de regra constitucional será relativizado segundo o juízo que desenvolva valoração da questão relevante sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico.
Haverá a seleção de caso concreto, de ordem pública ou privada, em cuja solução se identifica a Repercussão Geral, por força da relevância da questão ventilada sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico, com manifesto prejuízo à valência de regra constitucional desafiada em dissídio jurisdicional, quando o STF recusar o recurso pela pronúncia de dois terços de seus membros (artigo 102, parágrafo 3º, CF, Emenda Constitucional 45/2004).
O instituto da Repercussão Geral não deve ser manejado apenas como instrumento de filtragem para conter os excessos recursais que comprometem a fundamental função do STF, sob pena de atuar mediante tratamento discricionário ou discriminatório, conforme a inclusão ou exclusão do direito à tutela máxima, principalmente quando o direito almejado, objeto da resistência tiver assento na Constituição Federal, ainda que duvidosa sua categoria constitucional.
O jurisdicionado não pode ser punido por uma Constituição falha e prolixa, todavia para atender à celeridade processual e para melhor julgar ações de relevante interesse social, a repercussão geral vem a tentar desesperadamente desafogar o órgão supremo para que, assim, possa ser aplicado às causas que realmente configuram confronto constitucional melhor julgamento e criação de súmulas melhor trabalhadas, para que futuramente somente chegue ao último grau de jurisdição recursos com fundamento definitivamente discutível.
A sociedade brasileira litiga pelo estímulo da impunidade porque tem a cognição da deficiência institucional do sistema jurídico; o estado, porque há muito perdeu a referência de seu papel institucional, com o agravante de que é o ente que mais lesa o patrimônio das pessoas, ao tempo em que mais ocupa os corredores da impunidade forense, sem que se disponha, na condição de detentor da tríplice função (legislar, administrar e julgar), a dar o exemplo de sua capacidade de reconciliar-se com a legalidade, mediante um simples sistema de pronta reparação dos prejuízos que venha a causar.
O excesso de demandas, na verdade, decorre dos valores éticos e morais que a sociedade manifesta, os quais emergenciam os conflitos jurídicos mal resolvidos no plano da consciência, que ministra o grau de responsabilidade que cada pessoa revela como disposição para superar os dissídios que surgem do conflito de interesses.
Portanto, um ministro do STF não deve julgar apenas o que queira mas o que deve, segundo a Constituição Federal. No entanto, não sendo mais discutível as ações por não terem a tão citada Repercussão Geral, e mesmo assim cria-se discórdia jurisdicional até mesmo pelo guardião da Constituição, esta não merece outra chance para tentar desafogar desesperadamente o Supremo desguarnecendo de segurança jurídica à população o qual a esta se submete, e sim tratar de forma radical criando um novo processo constitucionalista melhor elaborado para os tempos atuais, que desde 1988 sofreram inúmeras mudanças tanto sociais quanto culturais.
Revista Consultor Jurídico