por Ramiro Carlos Rocha Rebouças
Constantemente os informes jurídicos trazem notícias sobre decisões de tribunais quanto ao direito de aborto de fetos anencéfalos e fetos com outras más formações congênitas. No centro da questão está o Direito Fundamental à Vida, o que só pode ser entendido como vida humana. Os tribunais são confrontados a dar respostas razoáveis em tempo exíguo, fundamentadas, e que se espera objetivas, imparciais, a uma questão que os profissionais da área médica tendem mais a lidar intuitivamente, a questão de o que é vida humana?.
Um falso truísmo, fadado a aporia, uma questão cuja resposta a ciência médica e a biologia teriam de rediscutir entre si, numa leitura direcionada pela óptica do objetivo da Ciência do Direito. Usarei algumas ferramentas da lógica formal com objetivo de demonstrar a fragilidade de qualquer suposta resposta absoluta. Os temas preliminares poderão parecer maçantes, no entanto são elementos essenciais e apriorísticos.
A primeira questão apriorística, que se requer um mínimo de convergência e clareza, é a de definir o que é de fato o ser humano. A questão teria uma implicação de limitação de lógica formal quanto ao aspecto de ser impossível, não pela ciência experimental, indutiva, sintética, mas de plano, a priori, ter o conjunto de todas as características de definição de ser humano. Tal conjunto de todas as características de definição de ser humano é uma impossibilidade lógica. Quem se interessar pode investigar detalhes do Paradoxo de Russel
Logo temos dentro de um universo de elementos que sejam tidos como possuidores da propriedade de definir aspectos do que é ser humano, dentro de todas as possíveis definições oferecidas pela ciência experimental e pela filosofia, temos apenas a possibilidade de escolher tão-somente um subconjunto, que para ser operacional ao Direito, tem de ser limitado de tais características.
Propomos uma abordagem que permita a convergência, no sentido que haja o máximo de concordâncias sobre os conceitos principais e o mínimo de divergências possíveis dentro da boa lógica quanto aos conceitos que aqui são propostos como fundamentais para definir de plano o que não pode ser excluso da condição de ser humano. A convergência que propomos não é consenso de deduções, mas conceitos que definam propriedades que sejam mais universalmente aceitas, por cientistas da área médica e por juristas, como inerentes à condição do ser humano, cuja vida recebe proteção jurídica do Código Civil e de Tratados Internacionais Sobre Direitos Humanos.
Um conceito fundamental é o de autopoiese. Vida gera vida. Tal termo foi desenvolvido primeiramente pelos biólogos e filósofos chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana, para conceituar a complexidade e a organização de um sistema orgânico que basicamente permite à vida criar vida. Uma máquina sempre produz algo que é diferente de si mesma. Nas máquinas o produto não é igual a máquina que o produziu. É campo de pesquisa de ponta em física o que chamam de nanomáquinas, máquinas que trabalham na unidade de medida chamada nanômetro, que equivale à bilionésima parte de um metro. Todas as enzimas, desde as responsáveis pela transcrição do DNA, até a responsáveis pela cadeia respiratória dos seres vivos, todas podem ser consideradas nanomáquinas, e sua matéria prima e seus produtos estão no nível molecular.
Os processos enzimáticos são desafio não apenas para biologia e química, como também para física, e não há mais dúvidas de se haver influência direta de processos subatômicos, onde então se defronta com o Postulado da Incerteza, de Heisemberg. Em termos práticos saímos do determinismo e entramos numa situação de probabilidades. A termodinâmica biológica pode ser assecível de modo suficiente a qualquer pessoa que tenha no segundo grau estudado o Ciclo de Krebs, onde se tem algumas reações enzimáticas reversíveis, e outras que são irreversíveis, ou seja, há reações onde o produto pode ser obtido do substrato conforme as concentrações, e outras não. Para quem tiver maior curiosidade em rever o Ciclo de Krebs, a Citrato-sintese é uma enzima que provoca uma síntese irreversível, enquanto a seguinte, a aconitase cataliza reação reversível.
O conjunto de todas as nanomáquinas pode se considerar vida, quando se deixa de ter matéria organica puramente, e passa a se ter um complexo organizado capaz de replicar a si mesmo em seu todo. Os seres unicelulares, com seu método de reprodução por divisão celular. Os mamíferos, com sua complexa reprodução sexuada. Vida gera vida.
Um segundo conceito fundamental é o de senciência. A capacidade de perceber o mundo, o ambiente a sua volta por alguma forma de sentido. Há vida sem senciência, mas não há vida humana desenvolvida que não seja senciente.
Outro conceito fundamental é o de autoconsciência em qualquer nível, a capacidade do ser perceber a si e ao ambiente em que vive, e se reconhecer sujeito desta relação. Não estamos condicionando ao conceito de capacidade cognitiva superior ou mais complexa, pois traçamos um balizamento jurídico, o Pacto de San Jose da Costa Rica.
Artigo 4º Direito à vida
Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
Um conceito desenvolvido mais recentemente pelos biólogos moleculares e pesquisadores de neurofisiologia, e afins, é o de vida potencial. Pode ser um conceito inaceitável para dogmas religiosos, no entanto estamos partindo do pressuposto do Direito como Ciência. Ciência lógico dedutiva, cujo objetivo é a estabilização pacífica das relações sociais, a chamada Paz Social.
No aspecto de ciência o Direito não pode prescindir da objetividade, do afastamento do subjetivo em favor da objetividade lógica. Acontece que o Direito tem uma natureza empírica, não é apenas dedutivo, como indutivo, há fatos a serem verificados a posteriori. Há espaço para belas teorias, absolutamente coerentes em seu núcleo lógico, mas falaciosas se não correspondem à realidade, se não têm reflexos na realidade. Uma argumentação cai em falácia quando quer estender um argumento para além do que este é capaz de fundamentar, para além do que o argumento reflete em realidade de fatos. Infinitas teorias sucumbiram aos fatos.
O conceito de vida potencial, a vida humana que poderá vir a ser, no entanto não se tem certeza enquanto não se defina elementos incontestes de sua concretização, é um conceito que se sustenta em fatos.
A reprodução sexuada reflete uma analogia de uma ontogênese em via reversa, toda a informação que é capaz de posteriormente ser decodificada e levar à consecução de um novo ser humano é reduzida, através da gametogênese, à células haplóides, que em passo subseqüente, na reprodução, irão gerar uma identidade genética num aparato unicelular, que irá sofrer clivagem, implantação no útero, embriogênese com diferenciação celular em tecidos, dobramento do embrião, até alcançar o período fetal, e o parto, não por que o feto esteja pronto aos nove meses de idade, mas por que representa o tamanho máximo para que seja possível a passagem pela bacia isquiática para um parto em condições naturais. O quase incomensurável número de processos enzimáticos, onde o produto de uma enzima é substrato de outra.
E por que da citação do Postulado da Incerteza? Há inerente a probabilidade de falhas mecânicas ou moleculares em cada passo do complexo processo. Desde ser probabilístico o fato da implantação no útero, a nidação, até o desenvolvimento do embrião, bastando uma falha não genética, metabólica, de alguma enzima essencial, o que é inerentemente provável em alguma percentagem, ínfima que seja, e todo desenvolvimento subseqüente sofre conseqüências.
O desenvolvimento do Paradoxo de Russel ao caso concreto não é pedantismo e nem descolado da realidade. Vejamos o caso concreto, o falso truísmo de definir o que é ser humano.
Aceitando a teoria concepcionista, afirmar-se-ia todo ser resultante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino. Um contra exemplo factível, a clonagem humana, proibida, no entanto não impossível. Na clonagem não há de modo algum fecundação. Então por ser proibida na maioria dos países, tal indivíduo deixaria de ser considerado humano por não resultar de fecundação?
Pode se enfraquecer um pouco a asserção. Todo ser vivo que possua uma carga genética de 23 pares de cromossomos, sendo 22 pares somáticos, ou AA, e um par de cromossomas sexuais, XX ou XY? Então se excluiria todos os portadores de trissomias, como Down, Edwards e Patau, e também síndromes como Klinefelter, sujeito morfologicamente masculino, com cariótipo AAXXY [4]. Precisaria então enfraquecer a asserção para incluir todo indivíduo que traga carga genética igual ou superior 23 pares de cromossomos. Belíssima tentativa, mas então não seria humano o portador da Síndrome de Turner, cariótipo AAX0, ou seja, 22 pares de cromossomos somáticos e um único cromossoma sexual X?
Não vamos fazer cálculos complicados do valor percentual de um cromossoma Y na carga genética total humana, apenas enfraqueça-se a asserção para sendo ser humano todo individuo portador de pelo menos 98% de carga genética humana. Incontáveis estudos genéticos demonstram que não alcança 2% a diferença genética entre um chimpanzé e um ser humano, logo por tal argumento chimpanzés seriam humanos.
Podemos tentar um recurso lógico de supor “que ‘Ser Humano’ é todo ser gerado a partir de um óvulo humano, que carregue um mínimo percentual de carga genética humana e que seja antropomórfico, de forma reconhecidamente humana” Fim de questão? E os raríssimos xifópagos?
Seria forma reconhecidamente humana e normal duas cabeças, um tronco dividido a partir do processo xifóide, ou mesmo com dois processos xifóides, com dois corações, duas cabeças, e um único aparelho genito-urinário, um único intestino grosso? Vem a ser apenas um dos tipos de tal má-formação. Os xifópagos deixariam de ser reconhecidos como humanos por sua morfologia atípica? Onde está a obviedade de um truísmo fácil? O Paradoxo de Russel já antecipa esta questão, podemos apenas escolher um subconjunto de características que defina a propriedade de Ser Humano. E estas escolhas é que devem ser objeto de profunda crítica pela Ciência do Direito.
Propomos três critérios fundamentais para se reconhecer de plano vida humana. Autopoiese, senciência e autoconsciência. E mesmo assim temos que ter cuidados, e saber enfraquecer estes critérios aos casos concretos, onde um destes pode faltar e ser substituído por outro exclusivo do ser humano.
Há o caso do pseudo-hermafroditismo feminilizante, como um exemplo extremo. Sem aprofundar detalhes, a tendência de todo embrião de mamífero é desenvolver morfologia feminina, sendo que no macho, durante o período embrionário, particularmente na espécie humana pela quarta semana de desenvolvimento uterino, o cromossomo Y leva a produção, pelas gônadas primitivas, de hormônios esteróides androgênios que determinam o fenótipo masculino. Nem sempre este processo funciona, e temos então o caso de indivíduos que são geneticamente AAXY, e com fenótipo feminino, criados como mulheres, e em raros casos só em idade adulta se percebe tal situação. Neste caso o indivíduo é estéril, no que diz respeito a autopoiese estricto sensu limitado, salvo clonagem, no entanto é senciente, auto consciente, e possui capacidade cognitiva elevada típica da espécie humana.
Chega o momento de se ir aos casos concretos e explanar o ponto que queremos chegar. A Seleção Natural é um processo de forte componente aleatório. E o que se chama “eugenia de raças” é um processo que milenarmente o homem executa em relação às espécies vegetais e animais, selecionando características de vegetais, bem como características não só físicas, como comportamentais de animais. Selecionando os cruzamentos, ao longo de milênios o homem substituiu a seleção natural na produção de novas raças de animais, novas características de vegetais.
A dita engenharia genética, a biologia molecular do DNA Recombinante apenas um novo controle, menos aleatório, ao processo. De plano esclarecemos nossa posição totalmente contrária ao aborto eugênico strico sensu. O que colocamos é a situação em que a ciência avançou em recursos que inexistiam, inclusive na época do Código Penal de 1941, e que permitiu ao homem estar menos refém de situações aleatórias, de sofrimentos desnecessários. A ciência não cria uma solução sem que como conseqüência acabe gerando um novo rol de problemas.
O caso concreto da anencefalia
O anencéfalo só possui as estruturas mais primitivas do sistema nervoso. Não possui córtex sensorial, logo não pode ser senciente. Não possui córtex frontal e nem córtex pré-frontal, não havendo como se falar em qualquer forma de consciência. É capaz de movimentos, inclusive de retirada de membro ao estímulo de dor, por que simplesmente estes reflexos estão organizados em arcos reflexos na medula espinhal. Em bons livros de neurofisiologia há o clássico experimento do gato descerebrado, onde se estimulando regiões de áreas motoras do tronco cerebral, que não é encéfalo, conforme a intensidade do estímulo, anda, marcha ou corre. Temos um caso onde inexiste senciência, autoconsciência, e devido a inviabilidade de vida por mais que meses, alguns raríssimos casos mais de ano, a única possibilidade de autopoiese stricto sensu, reprodutiva, do anencéfalo seria a clonagem humana.
Abrimos aqui um ponto para discussão dos estudiosos em Direito.
Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura
Os Estados Americanos signatários da presente Convenção,
Conscientes do disposto na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, no sentido de que ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;
(…)
Convieram no seguinte:
Artigo 1
Os Estados Partes obrigam-se a prevenir e a punir a tortura, nos termos desta Convenção.
Artigo 2
Para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por tortura todo ato pelo qual são infligidos intencionalmente a uma pessoa penas ou sofrimentos físicos ou mentais, com fins de investigação criminal, como meio de intimidação, como castigo pessoal, como medida preventiva, como pena ou com qualquer outro fim. Entender-se-á também como tortura a aplicação sobre uma pessoa, de métodos tendentes a anular a personalidade da vítima, ou a diminuir sua capacidade física ou mental, embora não causem dor física ou angústia psíquica.
Não estarão compreendidos no conceito de tortura as penas ou sofrimentos físicos ou mentais que sejam conseqüência de medidas legais ou inerentes a elas, contanto que não incluam a realização dos atos ou a aplicação dos métodos a que se refere este artigo.
Artigo 3
Serão responsáveis pelo delito de tortura:
A. Os empregados ou funcionários públicos que, atuando nesse caráter, ordenem sua comissão ou instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou, podendo impedi-lo, não o façam;
B. As pessoas que, por instigação dos funcionários ou empregados públicos a que se refere a alínea a, ordenem sua comissão, instiguem ou induzam a ela, cometam-no diretamente ou nele sejam cúmplices.
Tomamos o Habeas Corpus 87.585 do STF, onde já constam oito votos em favor do status de norma materialmente constitucional, como defende o ministro Celso de Mello, ou supra-legal, como defende o ministro Gilmar Mendes, em votos distintos, havendo a convergência para o reconhecimento da condição de tais tratados estarem acima de qualquer legislação complementar ou ordinária, somente abaixo do texto constitucional original.
E contrapomos, aos defensores do direito da vida como absoluto e inquestionável, caso concreto ocorrido do âmbito da própria CIDH-OEA, Informe 21/07, Petição 161-02, Solução Amistosa entre Paulina Del Carmen Ramízez Jacinto e o governo do México. Em suma, o governo do México cedeu a uma solução amistosa de reparação de vítima de gravidez por estupro, que fora impedida de realizar o aborto legal.
O que alguns juristas chamam de “aborto sentimental”, na verdade, considerando sob o prisma da biologia evolutiva, é a opção de o ser humano se colocar acima de uma situação de força bruta que seria natural num processo de seleção natural estrita; “os mais fortes reproduzem e perpetuam seus genes”. Sem precisar aprofundar na literatura sobre comportamento animal, hoje em dia é conhecido do leigo o comportamento de leões, quando ocorre de um novo macho dominante vencer um combate contra um velho macho dominante, tomando o seu território e as fêmeas, todos os filhotes do macho vencido são mortos pelo macho vencedor.
Pássaros como cucos na Europa e no Brasil o chupim, depositam seus ovos em ninhos de outros pássaros, conseguindo duplo objetivo, perpetuar seus genes e se desobrigarem do gasto energético inerente a garantir o desenvolvimento da cria. O artigo 128, II, do Código Penal tem este caráter não “sentimental”, mas de não premiar o estuprador com a perpetuação forçada de seus genes, o que seria natural se o desenvolvimento humano não houvesse de fato enfraquecido pressões brutais de processos de seleção natural, e o Direito tem papel de consolidar esta conquista humana. Não há de se falar em aborto “sentimental”.
Nem em aborto eugênico stricto sensu. A dor é um componente sensorial da mais alta importância evolutiva, sem a dor desapareceríamos como espécie, pois seríamos incapazes de reconhecer de modo senciente situações lesivas. No entanto não é por esta razão que se proibiram os anestésicos e os analgésicos. No entanto um médico que ministre analgésicos a um atleta lesado para que este possa jogar uma partida de futebol, e isto cause como conseqüência uma lesão recuperável avançar para irrecuperável, por que o atleta foi privado da percepção desta situação, por certo pode ser objeto de subsunção à diversas normas do nosso ordenamento jurídico.
Suscitamos o texto da Convenção Interamericana Para Prevenir e Punir a Tortura por um aspecto em primeiro plano essencialmente objetivo. Os casos de mal formação congênita, nos quais a vida do feto seja, por laudo médicos, e seria coerente que fosse pelo menos três de profissionais diferentes, considerada inviável fora do útero, e estamos diante de um dilema, ou falso dilema. Nenhuma mãe pode ser reduzida à condição de máquina biológica de manutenção artificial da vida. Voltamos ao conceito de vida humana potencial, que vai se realizando aos poucos, em estágios, mas, embora mínimas, com probabilidades de o processo falhar por sua própria natureza, por fatores aleatórios. Uma abordagem seria pensar qual seria a conduta dos juristas de 1941 se possuíssem acesso ao conhecimento da ciência médica de hoje. Outra questão, muito objetiva, é a do possível delito de tortura.
O princípio constitucional do livre convencimento de cada magistrado não pode ser alterado. Por outro lado há princípios supra-legais, ou materialmente constitucionais, de Tratados Sobre Direitos Humanos, que o Brasil de livre vontade, com participação necessária do Legislador Pátrio, ratificou. E que pelo §4º do artigo 60 não podem ser de modo algum denunciados. Trata-se de um dado objetivo que o Magistrado não pode prescindir em sua análise do caso concreto. A subjetividade de cada magistrado, sua perspectiva individual de ética, deve ser pesada diante de uma possível reclamação por ilícito internacional contra o Estado Brasileiro.
Para concluir está análise de tema polêmico, o Direito pode ser uma ciência de forte componente lógico dedutivo, no entanto como seu objetivo, por sua natureza empírico, é a Paz Social, não há como excluir o espaço da subjetividade. A questão é qual o limite desta subjetividade? A ética, mas qual ética? A ética pessoal de cada magistrado ou a ética de honrar compromissos internacionais os quais o Brasil se comprometeu a cumpri de boa-fé? Difícil a posição do operador, do pensador, e dos agentes públicos responsáveis pela instrumentalização do Direito.
Como na Filosofia, o objeto de seu estudo nem sempre é claro, embora seja caso concreto, sem usufruir da vantagem de não ser pressionado pelo tempo como pode desta vantagem usufruir o filósofo. Não defendemos o aborto livre, indiscriminado. Suscitamos apenas questões de reflexão. Reflexão sobre o objeto de proteção da Norma Legal. Ao contrário dos que defendem a relativização de Normas Jurídicas Pétreas, suscitamos a discussão sobre a condição de quem é objeto de tal proteção.
Negar a questionar, no caso concreto do anencéfalo, que é um ser sem capacidade de senciência, autoconsciência, e a única forma de ser autopoiético estrito senso seria com intervenção da tecnologia humana, via clonagem, gerando um novo ser humano sem qualquer processo de fecundação, sendo que merece observação, a mesma carga genética em outra gestação, numa suposta clonagem, pela distribuição de probabilidades, teria a maior chance de gerar um novo ser humano totalmente normal, que evolui da potencialidade para a existência de fato das três características propostas como propriedades fundamentais, autopoiese, senciência e autoconsciência, negar que tal fato abre uma aporia em várias argumentações jurídicas.
Revista Consultor Jurídico