A ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal, manteve a decisão que obriga a União a chamar os aprovados no concurso para o Hospital Universitário de Santa Maria. Segundo o Ministério Público Federal, o hospital estava usando a sua fundação de apoio para contratar funcionários terceirizados.
A Justiça Federal de Santa Maria havia concedido liminar nesse sentido em julho do ano passado. Ela foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Porto Alegre). A União entrou com o pedido de Suspensão de Liminar. Mas Ellen Gracie não aceitou o pedido.
A ministra concluiu que as contratações terceirizadas foram inconstitucionais e ilegais. Segundo Ellen Gracie, o pedido da suspensão de liminar não se justifica já que as decisões do TRF afastaram lesões à ordem e à economia pública.
Os funcionários terceirizados foram contratados para trabalhar na atividade-fim do hospital. A ministra lembra que os projetos feitos entre as instituições federais de ensino superior não podem servir para a contratação de pessoal que vise atender suas necessidades.
Para o procurador Rafael Miron, de Santa Maria, a decisão do STF é importante para preservar os direitos dos concursados que foram substituídos por terceirizados.
Segundo dados do hospital, os candidatos aprovados no último concurso público geraram uma economia média de R$ 142 mil. A economia deve-se ao fato de que os terceirizados eram pagos com verbas do SUS, que deveriam ser destinadas para a compra de equipamentos ou atendimento aos pacientes.
Leia a decisão
Suspensão de Liminar 203
Origem: Rs – Rio Grande do Sul
Relator: min. Ellen Gracie
Reqte.(S): União
Adv.(A/S): Advogado-Geral da União
Reqdo.(A/S): Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Suspensão de Execução de Liminar Nº 2007.04.00.024574-0)
Intdo.(A/S): Ministério Público Federal
Intdo.(A/S): Universidade Federal de Santa Maria
Adv.(A/S): Procuradoria-Geral Federal
A União, com fundamento nos arts. 12, § 1.° da Lei 7.347/85; 25 da Lei n.° 8.038/90; 4°, da Lei 8.437/92; 1.° da Lei n.° 9.494/97 e 297 do RISTF, requer a suspensão integral da eficácia da decisão monocrática proferida nos autos da ação civil pública n.° 2007.71.02.00.5911-4, em tramitação perante a 3ª. Vara Federal de Santa Maria, Seção Judiciária do Rio Grande do Sul (fls. 160/176).
Noticia a requerente que a decisão impugnada foi parcialmente mantida no despacho proferido pela Presidência do egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, nos autos da Suspensão de Liminar n.° 2007.04.00.024574-0/RS (fls. 179/182), suspendendo-lhe, tão somente, a aplicação de pena cominatória.
Alega grave lesão à ordem administrativa, diante da determinação para que, no prazo de 180 dias, proceda a “nomeação e posse dos candidatos aprovados nos concursos públicos realizados pela Universidade Federal de Santa Maria e ainda válidos, na área da saúde, em número necessário à substituição daqueles profissionais que, com o iminente término de Projetos com a Fundação de Apoio à Tecnologia e Ciência – Fatec, irão deixar de prestar serviços ao Hospital Universitário de Santa Maria” (fl. 174)
Sustenta, mais, em síntese:
a) cabimento do presente pedido, visto que o Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, deferiu parcialmente o pedido formulado pela requerente nos autos da Suspensão de Liminar n.° 2007.04.00.024574-0/RS (fls. 04/08);
b) competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal, dado que a matéria em discussão é de natureza constitucional: ofensa aos arts. 2.°; 5.°, inc. II; 37, inc. VI; 61, § 1.°, inc. II, c e 169, § 1.°, incs. I e II, todos da Constituição da República (fls. 08/09);
c) ocorrência de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordens administrativa e jurídico-constitucional, porquanto a decisão impugnada impõe que a Administração Pública proceda a nomeação de candidato aprovado em concurso público dentro do seu prazo de validade (fls. 09/12);
d) ocorrência de grave lesão à economia pública, tendo em vista que “a nomeação de servidores públicos em cargo efetivo impõe a existência de recursos orçamentários devidamente alocados no orçamento geral da União, o que depende de lei específica, consoante o disposto no art. 169, § 1.°, incs. I e II da Constituição Federal” (fls. 13/14).
Requer, ao final, o deferimento do presente pedido de suspensão “a eficácia executiva da decisão até o trânsito em julgado da decisão de mérito da ação de origem” (fl. 15).
2. A Procuradoria-Geral da República opina pelo indeferimento do pedido (fls. 188/195).
3. Reconheço que a controvérsia deduzida na ação civil pública em apreço evidencia a existência de matéria constitucional, que se depreende das próprias razões da decisão proferida pelo Juízo da 3ª. Vara Federal de Santa Maria, Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, verbis: “verifica-se que a regra, para ingresso no serviço público, é o concurso público, somente de provas ou de provas e títulos. O objetivo da norma é selecionar somente os melhores, aplicando-se aí o princípio do mérito” (fl. 167).
Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475/DF, rel. Min. Octavio Gallotti, Plenário, DJ 22.4.1994; Rcl 497-AgR/RS, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.
4. A Lei 8.437/92, em seu art. 4º, caput e § 1º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de sentença nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, no processo de ação civil pública, em caso de manifesto interesse público e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Conforme autoriza a jurisprudência pacificada do Supremo Tribunal Federal, quando da análise do pedido de suspensão de decisão (SS 846-AgR/DF, rel. Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 29.5.1996; SS 1.272-AgR/RJ, rel. Ministro Carlos Velloso, DJ 18.5.2001, dentre outros), permite-se o proferimento de um juízo mínimo de delibação a respeito da questão jurídica deduzida na ação principal. Para tanto, destaco da inicial da ação civil pública:
“O objetivo da presente ação é obrigar a Universidade Federal de Santa Maria e a União Federal a contratar servidores públicos necessários para a manutenção do atendimento mínimo indispensável dentro o Hospital Universitário de Santa Maria, substituindo-se paulatinamente, os contratados ilegalmente via Fundação de Apoio (FATEC), sem o regular concurso público, para suprir necessidades relacionadas à atividade-fim do Hospital Universitário.
(…)
O principal óbice a contratação é a autorização por parte do Ministério da Educação. Reitera-se: parte do recurso existe, há concurso homologado e em prazo de validade e há cargos vagos. (…)” (fl. 17)
5. Além disso, ressalto o contido na decisão liminar ora impugnada, proferida pela Juíza Federal da 3ª. Vara Federal de Santa Maria, Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, nos autos da Ação Civil Pública nº. 2007.71.02.005911-4/RS:
“A toda evidência, denota-se que os projetos, levados a efeito entre as instituições federais de ensino superior e as fundações de apoio não podem servir, de forma alguma, para contratação de pessoal que vise atender necessidades permanentes das primeiras.
Entretanto, isso é o que vem ocorrendo com a UFSM e a FATEC, na medida em que aquela se tem utilizado dos Projetos alinhavados com essa, para contratar profissionais da área de saúde, os quais, indubitavelmente, estão atendendo a necessidades permanentes da Autarquia educacional em questão.
Por derradeiro, há outra circunstância que, per si, contribui para a ilegalidade dos referidos projetos. É que o Procurador Jurídico da UFSM, em parecer cuja cópia foi anexada as fls. 38/41, mencionou a existência de Ação Civil Pública, promovida pelo Ministério Público do Trabalho contra a UFSM e já com acórdão transitado em julgado, onde se decidiu ‘que a UFSM é vedado efetivar contratação de pessoal, seja de forma direta ou por interposta pessoa (fundações, etc.) sob pena de imposição de multa, bem como, acaso infringida a proibição, ser considerado o ato como desobediência à ordem judicial, sujeitando o infrator às penalidades legais’.
A existência desse acórdão foi reiterada, inclusive, pelo Procurador da UFSM, Dr. Paulo Roberto Brum, em audiência realizada no último dia 23 de julho, neste juízo.
(…)
Do acima exposto, outra não pode ser a conclusão que o caráter inconstitucional e ilegal das indigitadas contratações, as quais, ainda, esbarram em decisão judicial transitada em julgado. Cumpre, então, ao Poder Judiciário vedar, mais uma vez, tais práticas.
(…).” (fls. 168/173)
Assim, entendo que os relevantes fundamentos levantados pelo Ministério Público Federal e acatados pela decisão liminar ora impugnada possuem o condão de, no caso, afastar as supostas lesões à ordem e à economia públicas aqui defendidas pelo requerente, até porque a decisão em tela protege a ordem pública, em sua acepção jurídico-constitucional. Nesse contexto, frise-se que os pressupostos contidos no caput do art. 4º da Lei 8.437/92, vale dizer, “manifesto interesse público” e “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas” militam, na espécie, em favor do ora interessado, o Ministério Público Federal.
6. Nesse sentido, transcrevo parte do parecer da Procuradoria-Geral da República, verbis:
13. Assim, apesar da relevância dos argumentos expostos no pedido de suspensão de liminar, nota-se que a decisão impugnada, ao impor a obrigação à UFSM e à União no sentido de que se procedesse à integral substituição dos profissionais da saúde, contratados através da FATEC, para atuarem no HUSM, nomeando e empossando candidatos já aprovados em concurso público, objetivou munir ‘o Hospital Universitário dos recursos humanos necessários ao seu efetivo funcionamento, vedando-se, ainda, a realização de novas contratações de profissionais de saúde, através de Projetos entre a UFSM e quaisquer fundações de Apoio’ (fl. 165).
(…)”. (fls. 192/193)
Percebe-se, ademais, no presente pedido de suspensão de liminar, nítido caráter recursal infringente, o que não se coaduna com esta estreita via suspensiva, nos termos do mencionado art. 4º da Lei 8.437/92 e da iterativa jurisprudência desta Corte (Suspensões de Liminares 14/MG, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 03.10.2003; 80/SP, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 19.10.2005; 98/SP e 56-AgR/DF, por mim relatadas, DJ 1º.02.2006 e 23.6.2006; e na Suspensão de Segurança 2.900/DF, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 24.3.2006).
7. Ante o exposto, indefiro o pedido.
Publique-se.
Brasília, 12 fevereiro de 2008.
Ministra Ellen Gracie
Revista Consultor Jurídico