O Senado pedirá esclarecimentos ao Superior Tribunal de Justiça e à Presidência da República sobre os critérios para formação de listas para escolha de novos ministros do tribunal. A decisão foi tomada nesta segunda-feira (11/7) pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. Os parlamentares aprovaram requerimento feito pelo senador Pedro Taques (PDT-MT).
O pedido de explicações não impede a sabatina dos desembargadores Marco Aurélio Buzzi e Marco Aurélio Bellizze, indicados para o cargo de ministros do STJ pela presidente Dilma Rousseff na última quarta-feira (6/7). A sabatina será feita na primeira semana de agosto, assim que o Congresso Nacional retomar os trabalhos após o recesso de julho.
Isso porque os senadores decidiram respeitar o regimento interno do Senado, que determina um intervalo de cinco sessões entre a leitura do relatório do indicado e a sabatina. Com a decisão, Buzzi, Bellizze e o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, reconduzido ao cargo por mais dois anos, só serão avaliados pelos senadores no mês que vem.
Antes de começar a sabatina, o senador Pedro Taques propôs o requerimento para pedir informações ao STJ e à Presidência da República por considerar inconstitucional o procedimento adotado pelo tribunal para formar as listas quando há mais de uma vaga de juiz aberta na Corte. Taques contesta o fato de o STJ ter enviado à presidente Dilma uma única lista com quatro nomes para preencher duas vagas, quando, em sua opinião, deveriam ter sido enviadas duas listas tríplices.
“As indicações padecem de vício de inconstitucionalidade. O artigo 104 da Constituição prevê de forma expressa que deve ser elaborada uma lista com três nomes para cada vaga, sob pena de se subtrair o poder de escolha da Presidência da República”, justificou o senador. Para Taques, a exigência se fundamenta no mecanismo de freios e contrapesos que deve existir entre os três poderes da República.
O requerimento original do senador pedia o adiamento da sabatina. Neste caso, os dois desembargadores só seriam sabatinados depois da resposta ao pedido de explicações e só no caso de os fundamentos convencerem os senadores. Mas Taques abriu mão de barrar a sabatina acolhendo os argumentos dos seus colegas Demóstenes Torres (DEM-GO) e Rodrigo Rollemberg (PSB-DF).
Os dois senadores lembraram que diversos ministros do STJ já foram escolhidos a partir de listas únicas e que, neste caso, não haveria como mudar possíveis erros cometidos no passado. Como os dois desembargadores já foram indicados, Demóstenes e Rollemberg defenderam que o questionamento tem de ser feito para o futuro. Pedro Taques acolheu as sugestões.
Os senadores decidiram que não irão analisar novas indicações feitas pela Presidência da República a partir de listas únicas do STJ, ao menos até receberem as explicações sobre o critério adotado pelo tribunal. Demóstenes Torres afirmou não ter dúvidas de que a elaboração de listas únicas ofende a Constituição Federal. “Ofende também o direito de quem tem a possibilidade de entrar nas listas e ofende o direito do presidente da República, ao diminuir sua possibilidade de escolha”, disse.
Mas, para o senador, como o tribunal superior age sistematicamente desta forma desde 1995, “é óbvio que não podemos falar do passado”. De acordo com ele, o que deve ser feito agora é um pedido de esclarecimentos para que o STJ explique as razões de proceder desta forma e para que a Presidência da República diga por que, embora prejudicada, admite as listas únicas. “Precisamos restabelecer o texto da Constituição Federal. Em decorrência do requerimento, podemos fazer uma representação à Procuradoria-Geral da República para que essa regra do STJ seja contestada por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal”, justificou Demóstenes.
O que provocou o pedido de explicações foi o critério adotado pelo STJ para compor as listas de juízes das quais saem os novos ministros do tribunal. Quando há mais de uma vaga de juiz aberta, os ministros enviam à Presidência apenas uma lista. Se há duas vagas, a lista vai com quatro nomes. Se há três vagas, forma-se uma lista com os cinco mais votados. O critério, previsto no regimento interno no STJ, é o de se escolher o número de desembargadores igual ao de vagas mais dois.
É justamente essa forma de elaboração da lista que os senadores colocaram em xeque. Em seu artigo 104, inciso I do parágrafo único, a Constituição Federal estabelece que os desembargadores serão “indicados em lista tríplice elaborada pelo próprio tribunal”. Para os senadores, no caso concreto, o STJ seria obrigado a eleger seis nomes e enviá-los à Presidência em duas listas tríplices.
Os senadores que consideram constitucional a lista única elaborada pelo STJ citaram um precedente do Supremo que julgou legítima a composição de lista quádrupla para o preenchimento de duas vagas em tribunal, em vez de duas tríplices. No caso, um juiz federal de primeira instância preterido na escolha contestou a elaboração de uma só lista para duas cadeiras no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em 2000. O STF julgou a ação em 2005 e, por maioria, seguiu o entendimento da relatora da ação, ministra Ellen Gracie, para quem a lista única com quatro nomes era perfeitamente regular.
Pedro Taques e Demóstenes Torres rebateram os argumentos. De acordo com eles, a questão nunca foi enfrentada de forma direta pelo Supremo. No caso relatado por Ellen Gracie, afirmaram os senadores, a formação da lista quádrupla foi abordada de forma lateral.
Tradicionalmente, nas vagas destinadas a juízes, o STJ compõe listas únicas com o número de escolhidos correspondente ao de vagas abertas mais dois nomes. Há vários exemplos disso. Em 1999, os ministros Francisco Falcão, Jorge Scartezzini (já aposentado) e a ministra Eliana Calmon foram escolhidos a partir de uma lista com cinco nomes enviada à Presidência da República. Havia três vagas destinadas a desembargadores federais abertas no tribunal.
O mesmo aconteceu em 2006, na escolha dos ministros Humberto Martins e Massami Uyeda. Os dois, que eram desembargadores estaduais à época, foram indicados a partir de uma só lista com quatro nomes. Há, ainda, exemplos mais recentes de ministros escolhidos da mesma forma. O senador Demóstenes Torres ressaltou que, na formação da lista da qual saíram Buzzi e Bellizze, dez ministros votaram contra o critério tradicional.
Sabatina em agosto
O próprio Senado decidiu acabar com a tradição de quebrar o chamado interstício para submeter os candidatos à sabatina no mesmo dia da leitura do relatório dos indicados. Na prática, a sabatina de Buzzi, Bellizze e Gurgel ficou para agosto já que o Congresso entrará em recesso no fim dessa semana.
De acordo com a Resolução 1/2007, da CCJ, que disciplina a aprovação de autoridades pela Comissão, depois da leitura do relatório com a apresentação dos indicados é concedida, automaticamente, vista coletiva do relatório e a sabatina só é realizada após um intervalo de cinco sessões. Mas a regra nunca foi cumprida à risca. A depender dos pedidos do governo federal e da necessidade de aprovação célere dos indicados, o interstício era mitigado.
O senador Demóstenes Torres lembrou que “por várias vezes quebramos o interstício, mas é necessário passar a respeitá-lo”. Ele apontou que a quebra desordenada da regra leva a situações díspares. E deu como exemplo as duas últimas indicações ao Supremo Tribunal Federal. Na sabatina do ministro Dias Toffoli, o interstício foi respeitado. Na sabatina do ministro Luiz Fux, não.
Apesar dos apelos dos senadores Renan Calheiros (PMDB-AL), Lobão Filho (PMDB-MA) e Francisco Dornelles (PP-RJ), para que o prazo regimental fosse deixado de lado, Demóstenes não abriu mão. Os senadores Pedro Taques e Álvaro Dias (PSDB-PR) também não. O senador Demóstenes disse que até seu irmão, que é procurador da República, ligou pedindo que considerasse abrir uma exceção, principalmente por conta de Gurgel, cujo mandato acaba no dia 22 de julho. Como o senador não cedeu, Gurgel ficará fora do cargo por, ao menos, duas semanas. O subprocurador da República, Eugênio Aragão, vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público, assumirá a PGR interinamente.
A quebra do interstício foi mais difícil porque, há um mês, os senadores Pedro Taques e Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) levantaram questão de ordem observando que não havia critérios para desconsiderar o prazo. Das duas, uma. Ou se revogava a resolução ou se passava a cumpri-la à risca. O presidente da CCJ, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), respondeu que a Comissão a respeitaria, a partir de então.
“A situação era uma bagunça. Temos de ter um padrão. Depois da resposta do senador Eunício, há poucos dias, na primeira oportunidade, já queremos abrir três exceções. Não podemos agir assim. A sabatina não está sendo adiada e não há qualquer questão pessoal envolvida. Se sabatinássemos os indicados hoje, ela seria é adiantada”, afirmou Demóstenes. “Fica até bom para membros da Justiça que o Senado respeite as regras em suas sabatinas”, disse.
O senador Pedro Taques afirmou que Roberto Gurgel foi seu chefe por 15 anos, já que ele foi procurador da República. “Como procurador, aprendi a não beneficiar o amigo, nem prejudicar o inimigo. Por isso, não posso abrir mão do interstício. E não peço desculpas porque estou apenas cumprindo a resolução”, argumentou. Seu colega, Álvaro Dias, também se recusou a deixar o prazo regimental de lado. Como a decisão só poderia ser tomada por unanimidade, não houve como fazer a sabatina nesta segunda-feira.
Ainda tentando convencer os colegas, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) levantou a possibilidade de se abrir vista automática, mas diminuir o prazo do interstício. “Talvez, usando o bom senso, pudéssemos dar um prazo de 48 horas e sabatinar os três na quarta-feira (13/7)”, propôs. Demóstenes Torres rebateu: “Em 2002, na sabatina do ministro Gilmar Mendes, Vossa Excelência pediu vista e foi respeitado o prazo de cinco sessões entre a apresentação e a sabatina. Agora, pede para quebrar o interstício? Se for para sabatinar na quarta-feira, poderíamos fazer hoje mesmo.” A resposta pôs fim às discussões e a sabatina será feita, provavelmente, no dia 3 de agosto, quando haverá a primeira sessão da CCJ após o recesso de julho.