A Comissão de Constituição e Justiça do Senado se transformou, nesta quinta-feira (2/7), em uma assembleia de juízes, procuradores e delegados contra a tentativa da Ordem dos Advogados do Brasil de criminalizar a violação às prerrogativas dos advogados. Sobraram exemplos esdrúxulos sobre a generalidade do projeto de lei, além de críticas à tentativa de criar uma lei exclusiva para os advogados. A OAB não participou da sessão mas informou que se fará representar na próxima audiência pelo presidente do Conselho Federal, Cezar Britto.
O vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, juiz Francisco de Oliveira Neto, sugeriu mais “civilização” no debate de novas leis. “Precisamos dar um salto de civilização e observar a criminalização para a violação dos direitos fundamentais”, disparou.
A audiência pública foi convocada para informar os senadores da CCJ na votação do PL 83/08, do deputado Marcelo Barbieri (PMDB-SP). O projeto prevê prisão de até dois anos para quem violar qualquer uma das prerrogativas estabelecidas no artigo 7º do Estatuto da Ordem dos Advogados Brasil. Não faltaram críticas ao projeto e à ausência da OAB na sessão.
Para o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mattos, uma nova lei é desnecessária. “O único objetivo desse projeto é criminalizar o ambiente forense”, disse. Fernando Mattos citou um exemplo de situação que poderia acontecer. “O juiz está numa audiência e cassa a palavra do advogado. O advogado fala que aquilo violou uma prerrogativa. Ele vai dar voz de prisão ao juiz?”, questionou o presidente da Ajufe. “Isso é saudável? Me parece que não.”
No embalo da discussão, o presidente da Ajufe sugeriu que mais poderes deveriam ser dados aos juízes e não aos advogados. “Quem milita no Judiciário sabe que o mais difícil é cumprir as decisões judiciais. O juiz não tem mecanismos para fazer valer sua decisão de forma coercitiva”, disse Fernando Mattos. O presidente da Ajufe foi mais longe: “Imaginem uma audiência aqui no Senado e um advogado sente que suas prerrogativas foram violadas. Ele vai dar voz de prisão ao presidente dessa comissão?”, questionou novamente. Mattos ficou sem resposta, tanto da ausente OAB como do presidente da CCJ, senador Demóstenes Torres (DEM-GO).
Debate em monólogo
As críticas prosseguiram. O senador Wellington Salgado (PMDB-MG), que presidiu parte da audiência, ironizou o debate. “Eu não aceito a ausência da OAB. É uma entidade grande demais para dizer que não tinha um representante para enviar. Agora, quando eles vieram, não será um debate. Será um monólogo, uma palestra”, disse o senador. “É uma falta de consideração.”
Na audiência, o presidente da CCJ se fez de advogado da OAB. Demóstenes Torres disse que a Ordem não participou pois o presidente da entidade, Cezar Britto, já tinha compromissos marcados. Segundo o senador, Britto faz questão de participar pessoalmente de uma nova audiência que será feita na próxima semana.
Para criticar o projeto de lei, o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo, usou o próprio Estatuto da OAB. No artigo 6ª, a lei estabelece que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público”.
De acordo com Cosenzo, criminalizar a violação das prerrogativas dos advogados infringe o Estatuto da OAB. “Fica bem claro a distinção que esse projeto de lei faz”, disse. O presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Antonio Carlos Bigonha, afirmou que a “judicialização pretende garrotear um processo natural de tensão entre os operadores”.
Os delegados de Polícia também são contra o PL. Segundo o presidente da comissão de prerrogativas da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Marcos Ribeiro, a lei traz mais problemas do que solução. “O Direito Penal tem que ser usado para trazer paz social e, nesse caso, só traz conflitos.” Aproveitando o palco notadamente contrário à OAB, Ribeiro criticou a postura de uma “minoria de advogados”. “No afã de exercer seus direitos, eles não compreendem as necessidades dos outros profissionais”, afirmou.
Garantia de prerrogativas
As críticas ao PL 83/08 não foram o único consenso na CCJ. Os participantes do debate defenderam que já existe lei para garantir a preservação das prerrogativas dos advogados: a Lei de Abuso de Autoridade. “Por que só os advogados teriam direito a uma lei sobre suas prerrogativas? Por que não os médicos e os engenheiros também?”, questionou o presidente da Ajufe, Fernando Mattos.
O senador Romeu Tuma (PTB-SP), delegado de carreira, também é contra o projeto. “Não tem necessidade. Já tem a Lei de Abuso de Autoridade, os conselhos e corregedorias”, disse. Para Tuma, corregedor do Senado, o projeto prejudica o trabalho das outras carreiras. “Criminalizar pode tirar a independência da decisão.” Perguntado sobre as chances do projeto virar lei, Tuma foi mais um que criticou a ausência da OAB no debate. “Eu não sei se o projeto passa. Faltou alguém para defender a proposta.”