O religioso que prestar um serviço espiritual e não receber o valor combinado com o contratante pode entrar com uma reclamação na Justiça do Trabalho e ser indenizado. O entendimento é da juíza Bianca Libonati Galúcio, da 3ª Vara do Trabalho de Macapá, que decidiu conceder indenização a um pai-de-santo. As informações são do site Jus Navigandi.
O pai-de-santo alegou que não recebeu por um serviço espiritual prestado e conseguiu indenização de R$ 5 mil. Ele relatou que fez um trabalho espiritual para a proprietária de um frigorífico. Como não recebeu pelo serviço prestado, pediu na Justiça do Trabalho R$ 15 mil a título de mão-de-obra e outros R$ 1,8 mil para custear os materiais utilizados.
A dona do frigorífico, em sua defesa, alegou que os serviços não foram solicitados nem surtiram efeito. A juíza não aceitou o argumento. Ainda cabe recurso no caso.
Leia abaixo a íntegra da sentença
SENTENÇA DE CONHECIMENTO
RITO ORDINÁRIO
RECLAMAÇÃO ESCRITA
JUÍZA DO TRABALHO: BIANCA LIBONATI GALÚCIO
PROCESSO Nº 639/2008 206 08 00 1
RECLAMANTE: ANTÔNIO ROMÃO BATISTA
RECLAMADO: OLGA SUELI PRADO SANTANA
DATA/HORA: 17/06/2008 ÀS 13:00 h
1- DO RELATÓRIO
ANTÔNIO ROMÃO BATISTA ajuizou a presente reclamação trabalhista em face de OLGA SUELI PRADO SANTANA, postulando pagamento pelos serviços prestados de umbanda nas instalações de três sedes da empresa Frigorífico Polar, assim como pelos materiais utilizados. As partes compareceram à audiência, no que a reclamada apresentou defesa e juntou documentos.
Foram tomados os depoimentos de ambas as partes e de uma testemunha arrolada pela reclamante.
Infrutíferas a primeira e a segunda propostas de conciliação.
Valor da alçada fixado em R$16.800,00.
É o relatório.
2- DA FUNDAMENTAÇÃO
2.1- DO MÉRITO
2.1.1 – DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
Alega o reclamante que, em outubro/2007, foi contratado pela reclamada para prestar serviços de umbanda, os quais tinham a finalidade de limpeza espiritual das instalações do comércio do Frigorífico Polar, por meio de três sessões, realizadas nos Municípios de Macapá, Calçoene e Oiapoque.
Assevera que o valor acertado foi de R$15.000,00 pela mão de obra e mais o valor de R$1.800,00 pelo material utilizado. Assim, requer o reclamante o pagamento pelos serviços contratados.
Em defesa, a reclamada refuta ao afirmar que jamais contratou os serviços do reclamante de “limpeza” e “descarrego” nas instalações da empresa, uma vez que o valor cobrado de R$15.000,00 foi considerado absurdo.
Sustenta que, em razão de vários problemas nos campos pessoal e profissional, procurou o reclamante em seu local de trabalho, em duas oportunidades, pagando o valor de R$150,00, em cada consulta realizada.
Nega o trabalho do reclamante como prestação de serviço, posto que deveria haver um resultado prático, o que não ocorreu.
Ao alegar o reclamante fato constitutivo de seu direito, qual seja, prestação de serviço à reclamada, atraiu para si o ônus de prova, nos termos do art. 818 CLT e art. 333, I, CPC c/c art. 769 CLT.
Primeiramente, cumpre ressaltar que, após a Emenda Constitucional nº 45/2004, a Justiça do Trabalho passou a deter competência para apreciação de toda espécie de relação de trabalho, bastando que o prestador seja pessoa física remunerada em contraprestação pelo serviço prestado.
O art. 114, I, CF é bem claro ao dispor da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho, entendida esta em lato sensu, em que se abrange toda espécie de labor humano.
A jurisprudência se manifesta nesse sentido, como demonstrado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, realizada no Tribunal Superior do Trabalho, em novembro/2007. Na ocasião, foi aprovado o Enunciado 64, a saber:
“Havendo prestação de serviços por pessoa física a outrem, seja a que título for, há relação de trabalho incidindo a competência da Justiça do Trabalho para os litígios dela oriundos (CF, art. 114, I), não importando qual o direito material que será utilizado na solução da lide (CLT, CDC, CC etc).”
A prestação de serviços constitui espécie de relação de trabalho, que é realizada de forma autônoma, ou seja, sem a existência de subordinação exercida por parte do contratante. O contratado determina a forma de realização do serviço contratado, sendo que o objeto do contrato se restringe à mera concretização desse serviço.
O art. 594 CC dispõe, claramente, que toda espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.
O prestador, ao ser contratado, opta ou não pela cláusula de obtenção obrigatória do resultado pretendido, em decorrência dos serviços prestados, sendo esta extraordinária, por haver a necessidade de expresso acordo entre as partes. Todo contrato detém uma finalidade, mas a verificação do resultado pode ocorrer ou não.
No Direito do Consumidor, no qual se visa à proteção deste, hipossuficiente da relação celebrada, serviço é definido como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista, nos termos do art. 3º, §2º da Lei nº 8.078/90.
O diferencial quanto ao tipo de relação existente, se regulada pelo Direito Civil ou pelo Direito do Consumidor, constitui-se na existência de hipossuficiência ou não do contratado.
In casu, restou incontroverso nos autos que o reclamante se utiliza dos serviços de “limpeza espiritual” para obtenção do sustento próprio, sendo realizados em seu local de trabalho, diariamente.
Dessa forma, o trabalho realizado pelo reclamante se revela, de pleno direito, em espécie de relação de trabalho, especificamente, prestação de serviço autônomo. O hipossuficiente não constitui o contratante, como no Direito do Consumidor, e sim o contratado reclamante, cujo sustento é extraído de sua principal atividade de pai de santo.
De outro lado, na inicial, verifica-se que o reclamante se comprometeu à limpeza espiritual das instalações do Frigorífico Polar, não havendo, pois, menção expressa ao sucesso financeiro da empresa da reclamada, como alegado pela defesa. A cláusula especial de resultado, portanto, não se encontra prevista nos serviços supostamente prestados pelo reclamante à reclamada.
Ultrapassadas as questões de direito, passa-se à análise das provas.
Em depoimento, a reclamada declarou:
“que o reclamante fez o orçamento dos trabalhos; que acha que o valor cobrado pelo reclamante foi de R$6.000,00 a R$8.000,00, mas não lembra precisamente; (…) que o reclamante já foi à empresa da reclamada há aproximadamente 10 anos atrás e no ano passado; que o reclamante compareceu várias vezes na empresa para insistir que fosse feito o trabalho; que o reclamante chegou a comparecer na empresa e a se identificar à Sra. Rosângela, secretária do frigorífico (fls. 22-verso)”.
Em face dessas declarações, verifica-se o intuito da reclamada em inovar na lide, quanto ao valor cobrado pelo reclamante, vez que incontroverso, na tentativa de camuflar a realidade dos fatos.
Além disso, não é razoável que o reclamante, pai de santo há 22 anos em Macapá, tenha, insistentemente, comparecido à empresa da reclamada, várias vezes, apenas para convencê-la a contratar seus serviços, inclusive, identificando-se à Secretária do Frigorífico.
Nota-se a proximidade da relação do reclamante com a reclamada, a ponto de o primeiro freqüentar, várias vezes, a sede do Frigorífico, não sendo compatível com o fato de apenas haver a reclamada se consultado duas vezes com o demandante.
A testemunha arrolada pelo reclamante, por sua vez, atestou:
“que na primeira quinzena de outubro de 2007, o depoente estava pela noite no local de trabalho do reclamante obtendo orientações, quando a reclamada compareceu no local e conversou com o reclamante sobre a realização de trabalhos; que o depoente ouviu que os trabalhos seriam realizados em três frigoríficos de propriedade da reclamada, localizados em Fazendinha, Calçoene e Oiapoque; (…)”
“o depoente chegou a encontrar várias vezes a reclamada no local de trabalho do reclamante, até o mês de dezembro de 2007; que no final de outubro de 2007 o depoente dirigiu o seu carro e levou o reclamante para a empresa da reclamada localizada na Fazendinha Igarapé da Fortaleza; que quando o depoente e o reclamante chegaram na empresa, a reclamada já se encontrava no local aguardando o reclamante; que isso aconteceu aproximadamente às 21:00h; que o reclamante ia fazer um trabalho na empresa da reclamada; que o depoente aguardou fora da sala do trabalho até o seu final; que chegou a presenciar o início dos trabalhos, quando o reclamante tirava os materiais; que o reclamante utilizava velas, colares, chapéu, defumações e não lembra mais; que o trabalho acabou por volta das 23:00 ou 23:30h (fls. 22-verso e 23)”.
Seu depoimento comprova a realização do trabalho do reclamante, destinado à limpeza espiritual da empresa da reclamada, localizada em Macapá, Distrito de Fazendinha, em noite do mês de outubro/2007.
Ademais, confirma o constatado no depoimento da reclamada quanto à proximidade desta com o reclamante, a qual freqüentava, habitualmente, seu local de trabalho, o que é totalmente contrário à tese da defesa.
No que se refere às contradições mencionadas pela reclamada no depoimento da testemunha, atinentes à freqüência de utilização do carro do reclamante, não se evidenciam relevantes a ponto de evidenciar tendenciosidade da prova testemunhal e falta de isenção de ânimo. Resultam, pois, da falibilidade humana em retratar detalhada e perfeitamente os fatos ocorridos há quase 1 ano atrás.
As declarações quanto à utilização do veículo dirigido pela testemunha não se referem à forma de prestação do serviço pelo reclamante à reclamada, não havendo ingerência na procedência ou improcedência dos pedidos formulados na inicial.
Além disso, o fato de o reclamante relatar à testemunha fatos ocorridos com seus clientes não evidencia a existência de amizade íntima, uma vez que ficou claro que a testemunha freqüentava, diariamente, o local de trabalho do demandante, como sua admiradora e não como amigo íntimo.
A própria testemunha informa, em seu depoimento, que levou o reclamante à sede da empresa da reclamada, sem prévio ajuste, mas apenas pelo fato de o reclamante não haver obtido a carona esperada.
Assim, seu depoimento não se revela tendencioso a favorecer o reclamante, por não informar nenhum fato ou atributo a mais na prestação de serviço do demandante à demandada. Constitui, pois, prova idônea do serviço realizado pelo reclamante na empresa da reclamada, sediada em Macapá.
Ressalta-se, ainda, que a reclamada, ao alegar que não houve efeito dos supostos serviços realizados pelo reclamante, inclusive, destacando, em razões finais, que a empresa da reclamada continua em péssimas condições financeiras, com passivo de R$1.500.000,00, admite a possibilidade dos serviços do reclamante terem sido contratados e realizados. Caso contrário, nem ao menos se referia à existência de efeito ou não dos trabalhos do reclamante.
De outro lado, quanto à prestação de serviços nos Municípios de Calçoene e Oiapoque, o reclamante, entretanto, não produziu qualquer prova a evidenciar que, efetivamente, concretizaram-se.
O fato de a testemunha arrolada pelo reclamante ter ouvido conversa da reclamada, na qual solicita a realização de trabalhos nas empresas localizadas em Calçoene e Oiapoque, não prova que foram realizados, uma vez que não presenciou a efetivação de tais serviços.
O mesmo ocorre em relação aos materiais utilizados pelo reclamante. Na exordial, não consta qualquer discriminação dos materiais cobrados pelo demandante, pelo que não há como serem considerados os relatados pela testemunha, em observância aos Princípios do Contraditório e da Estabilidade da Lide, conforme previsto nos art. 5º, LV, CF e art. 264 CPC c/c art. 769 CLT.
Cabia ao reclamante, na reclamatória, a especificação dos materiais utilizados nas sessões, bem como a indicação do seu valor de mercado, com vistas à verificação da procedência do pedido formulado. Não o fazendo, não há como ser concedido e identificado com os narrados pela testemunha arrolada.
Por conseguinte, improcedem os pleitos de pagamento dos serviços realizados nas cidades de Oiapoque e Calçoene, assim como dos materiais utilizados nas sessões do reclamante.
Julga-se procedente, todavia, o pedido de pagamento de prestação do serviço de “limpeza espiritual” da empresa da reclamada, estabelecida na cidade de Macapá, arbitrando-se o valor de R$5.000,00, em consideração ao valor total cobrado de R$15.000,00 pelos trabalhos na sede de três empresas da reclamada.
2.1.2 – DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Requer a reclamada a aplicação da pena de litigância de má-fé ao reclamante.
Entretanto, não se verifica nos autos a incidência de quaisquer das hipóteses do art. 17 CPC c/c art. 769 CLT, não havendo de se restringir o amplo acesso ao Judiciário.
Constitui direito fundamental a Inafastabilidade da Jurisdição, nos termos do art. 5º, XXXV CF, que não pode ter sua observância restringida.
Improcede, pois.
2.1.3 – DA JUSTIÇA GRATUITA
Estabelece o Parágrafo 3° do art. 790 da CLT: “É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.”.
Assim, basta uma declaração de hipossuficiência econômica do reclamante, não havendo necessidade de prova. O fato de o reclamante haver informado, em depoimento, que trabalha para Deputados, empresários e políticos, não significa, necessariamente, que receba, certa e freqüentemente, vultosos valores.
Assim, concede-se a justiça gratuita, por estarem preenchidos os requisitos do art. 790, §3º CLT.
2.1.4 – DOS JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA:
São devidos por imposição legal, nos termos da Lei nº 8.177/91.
2.1.5 – DOS ENCARGOS PREVIDENCIÁRIOS E DE IMPOSTO DE RENDA
Deverá o setor de cálculos apurar os valores relativos às contribuições previdenciárias e de imposto de renda incidentes sobre a condenação, observando a legislação previdenciária quanto às parcelas de natureza remuneratórias e indenizatórias, assim como a responsabilidade de cada uma das partes por tais recolhimentos. É remuneratória a parcela de pagamento dos serviços prestados.
C O N C L U S Ã O
ANTE O EXPOSTO, DECIDE A MM. 3ª VARA DO TRABALHO DE MACAPÁ NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA PROPOSTA POR ANTONIO ROMÃO BATISTA EM FACE DE OLGA SUELI PRADO SANTANA: I – JULGAR PROCEDENTES EM PARTE OS PEDIDOS DA INICIAL PARA CONDENAR A RECLAMADA A PAGAR AO RECLAMANTE, A SEGUINTE PARCELA, NO PRAZO DE 15 DIAS, A CONTAR DO TRÂNSITO EM JULGADO, SOB PENA DE MULTA DE 10% [1]: PAGAMENTO DE SERVIÇOS DE UMBANDA PRESTADOS NA EMPRESA DA RECLAMADA, LOCALIZADA NA CIDADE DE MACAPÁ R$5.000,00. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. TUDO NOS TERMOS E LIMITES DA FUNDAMENTAÇÃO. DEFERE-SE A JUSTIÇA GRATUITA. IMPROCEDEM AS DEMAIS PARCELAS. DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS. CUSTAS PELA RECLAMADA NO VALOR DE R$100,00, CALCULADAS NO VALOR DA CONDENAÇÃO DE R$5.000,00. NOTIFICAR AS PARTES DA ANTECIPAÇÃO DA SENTENÇA. NADA MAIS.
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BIANCA LIBONATI GALÚCIO
JUÍZA FEDERAL DO TRABALHO SUBSTITUTA
Nota
[1] Art. 832 CLT e art. 475-J CPC c/c art. 769 CLT, em consonância ao Princípio do Caráter Alimentar dos Salários, do valor social do trabalho e primado do trabalho (arts. 1º, IV e art. 193 CF).
Revista Consultor Jurídico