Sete anos na fila – Juiz e advogado não se entendem sobre tempos da Justiça

por Priscyla Costa

Reclamar para o juiz que ele está demorando muito para julgar uma ação pode não ser a melhor forma de garantir a razoável duração do processo. Foi essa a conclusão a que chegou um advogado do Rio de Janeiro que ao fazer isso se meteu numa encrenca com o juiz federal Marcelo Pereira da Silva, convocado para atuar na 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. O advogado pediu ao juiz autorização para tirar cópia do processo e encaminhá-lo ao Conselho Nacional de Justiça por causa da demora (7 anos) da Turma em analisar seu recurso de apelação. Em resposta o juiz acusou o advogado de tentativa de coação.

O advogado representa um grupo de aposentados do Banco Central e contestava a decisão da 19ª Vara Federal do Rio de Janeiro que lhes negou o direito de receber complementos de aposentadoria. Contra essa decisão, a defesa recorreu ao TRF-2. A Apelação chegou ao tribunal em dezembro de 2001. Nessa data, foi distribuída à 1ª Turma.

Ao contrário do que se pode imaginar, não consta do andamento processual qualquer recurso da defesa ou da autarquia que justificasse o atraso no julgamento da ação — argumento usado por juízes para justificar a morosidade Judiciária. Ocorreu que a apelação ficou sete anos saltando de gabinete em gabinete (seis deles) até que, em 2005, foi distribuída à 8ª Turma.

Na 8ª Turma mudou duas vezes de relator. Em agosto de 2007 chegou às mãos do juiz federal convocado Marcelo Pereira da Silva. O juiz, em menos de um ano, resolveu o imbróglio, mas se irritou quando o advogado requereu cópia dos autos para encaminhar ao CNJ, com base no artigo 80 do Regimento Interno do Conselho. Segundo esse artigo, “a representação por excesso injustificado de prazo contra magistrado poderá ser formulada por qualquer interessado, pelo Ministério Público, pelos Presidentes de Tribunais ou, de ofício, pelos Conselheiros, nos termos dos artigos 198 e 199 do Código de Processo Civil”.

Desabafo

Marcelo Pereira da Silva negou os pedidos (tanto o de mandar o processo para o CNJ, quanto a questão de mérito), classificou a iniciativa do advogado como “exercício de indevida e perniciosa pressão” e afirmou que a intenção era “alcançar detrimento de outros feitos mais antigos ou mais urgentes e uma prestação jurisdicional mais célere do que a que lhe seria normalmente dispensada”.

“Impõe-se ressaltar que a injusta situação reclamaria, inclusive, a condução do caso à Presidência desta Corte, para as providências cabíveis, uma vez que, a disseminar-se a prática inaugurada pela parte autora destes autos, cairia por terra toda e qualquer iniciativa dos magistrados que compõem este Tribunal no sentido de adequar-se às metas de trabalho delineadas pela Presidência da Corte”, ressaltou.

O juiz explicou que quando entrou na 8ª Turma se comprometeu a privilegiar o julgamento dos processos com mais de 10 anos. Ele também disse que está na Turma desde agosto de 2007, “portanto há menos de um ano”. Por isso, não poderia ser considerado responsável pela demora na análise do processo.

“Foram encontrados neste gabinete processos sem julgamento com datas de autuação a partir de 1989, sendo que, deste acervo inicial, já foram julgados por este relator praticamente todos os autuados em 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, sendo que ainda se encontram alguns poucos exemplares de processos autuados em 1996 aguardando julgamento e que serão priorizados nos próximos meses”, afirmou.

“Ao longo desse período de convocação, após proceder à redistribuição de todos os feitos encontrados no gabinete para a sua relatoria e tomar conhecimento do acervo existente (quase quatro mil processos), venho procurando julgar com prioridade máxima os feitos com autuação antiga e aqueles que se encontram garantidos pelas preferências legais, sem embargo de, na medida do possível, atender às preferências solicitadas pelos advogados militantes e partes que diariamente peticionam ou pessoalmente acorrem a este gabinete”, disse o relator no voto.

O juiz convocado ainda ressaltou que o mérito da causa já tem jurisprudência pacificada na Corte e que as partes interessadas têm mais de 60 anos. Logo, uma hora o processo seria julgado sem que o juiz precisasse ser pressionado pelo advogado. “Dos processos classificados pela administração deste Gabinete como ‘Preferência Idosos’ (hoje totalizando 123 processos pendentes de julgamento) apenas existem dois processos autuados em 1999 e dois processos autuados em 2000, sendo os demais tão antigos quanto este feito”, disse. Portanto, caberia à parte se satisfazer com a prestação jurisdicional oferecida.

Os advogados responsáveis pelo caso recorreram da decisão, mas para questionar o mérito da demanda.

Leia a decisão

IV – APELACAO CIVEL 2001.02.01.044730-1 – TRF2ª Região

RELATOR: JUIZ FEDERAL CONVOCADO MARCELO PEREIRA/NO AFAST. RELATOR

APELANTE: XXXX XXXXXXXX XXXXX XXX XXXXXX E OUTRO

ADVOGADO: XXXXXX XXXXX XXXXX

APELADO: BANCO CENTRAL DO BRASIL

PROCURADOR: ADRIANA GOMES DA SILVA VALENTIM

ORIGEM: DÉCIMA NONA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200051010218206)

D E C I S Ã O

Relatório

Trata-se de apelação interposta por Xxxx Xxxxxxxx Xxxxx xxx Xxxxxx às fls. 95/106 contra a sentença proferida pelo MM. Juízo da 19ª Vara Federal/RJ (fls. 85/92), que julgou improcedente o pedido de restabelecimento do valor nominal dos proventos de aposentadoria considerando-se o valor pago em maio de 1997, bem como a devolução das diferenças descontadas de seus proventos, relativamente ao período de dezembro/96 a junho/97, sob o fundamento de que inexistiria direito adquirido com base em dispositivo legal declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, tendo os proventos dos autores sido recalculados de acordo com as determinações da Lei 8.112/90, sendo devida a devolução dos valores recebidos a maior, antes do reenquadramento, a partir de quando o mesmo teria passado a produzir seus efeitos.

Inconformados, os Autores pleitearam a reforma da sentença recorrida, ao argumento de que teriam se aposentado pelo regime celetista e que, em 22.11.96, decorridos mais de cinco anos da lei que instituiu o Regime Jurídico Único, após já estarem em gozo de suas aposentadorias, o STF teria declarado a inconstitucionalidade do art. 251 da Lei 8.112/90, enquadrando os Apelantes no regime estatutário, com efeitos ex tunc. Aduziram que até 1996 os funcionários aposentados pelo regime celetista teriam recebido complementações de aposentadorias através de fundos de Previdência Complementar (CENTRUS e PREVI), aos quais teriam se filiado desde o início de suas atividades laborativas, sendo que, após o julgamento da ADIn 449-2/DF, teria sido editada a Medida Provisória n.º 1.535/96, posteriormente convolada na Lei 9.650/98, que teria determinado o rompimento dos contratos dos funcionários aposentados posteriormente a 31.12.90 com as Entidades de Previdência Privada, o que seria inconstitucional, por violação ao ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI da CRFB/88). Sustentaram ainda que, em razão do novo enquadramento efetuado em junho de 1997, seus proventos teriam sido reduzidos em 30%, bem como teriam sido descontadas as diferenças referentes ao período de dezembro/96 a junho/97, malferindo o disposto nos artigos 5º, XXXVI, 37, XV e 40, §3º da CRFB/88.

O recurso foi recebido em seus regulares efeitos (fls. 107), tendo sido oferecidas contra-razões às fls. 108/117.

Remetidos os presentes autos a este Tribunal para apreciar e julgar o recurso, foram encaminhados ao Ministério Público Federal (fls. 124).

Peticionaram os Autores (petição nº 2008041809, datada de 18.06.2008), requerendo vista dos autos para extração de cópias, com vistas à apresentação de reclamação por excesso de prazo junto ao Conselho Nacional de Justiça, nos termos do art. 80 do Regimento Interno daquele Conselho.

Fundamentação

Antes de mais nada merece ser registrado que a iniciativa da parte autora, consistente em protocolizar petição pleiteando vista dos autos para fins de “apresentar reclamação por excesso de prazo junto ao Conselho Nacional de Justiça, conforme autoriza o art. 80, do Regimento Interno daquele Eg. Conselho”, foi recebida, por parte deste Relator – e não poderia ter sido de outra forma – , como exercício de indevida e perniciosa pressão sobre a administração deste Gabinete, objetivando alcançar, em detrimento de outros feitos mais antigos ou mais urgentes, uma prestação jurisdicional mais célere do que a que lhe seria normalmente dispensada.

Impõe-se ressaltar que a injusta situação reclamaria, inclusive, a condução do caso à Presidência desta Corte, para as providências cabíveis, uma vez que, a disseminar-se a prática inaugurada pela parte autora destes autos, cairia por terra toda e qualquer iniciativa dos magistrados que compõem este Tribunal no sentido de adequar-se às metas de trabalho delineadas pela própria Presidência da Corte e com as quais, diga-se de passagem, expressamente se comprometeu este Relator, dentre as quais destaca-se a de privilegiar o julgamento de feitos que tramitam há mais de 10 (dez) anos, considerada a posição de maio de 2007, até o prazo de dezembro de 2008 (confiram-se as Diretrizes Estratégicas da Presidência deste Tribunal para promover melhorias, inovação, organização, racionalização e celeridade de procedimentos na área judiciária e respectivas Metas para o Biênio 2007/2008, elaboradas pela COINGE – Coordenadoria de Informações Gerenciais deste TRF/2.ª Região), o que significa privilegiar o julgamento dos feitos autuados até maio de 1997, dentre os quais não se inclui o processo sob exame, cuja autuação neste Tribunal ocorreu em 03.12.2001.

Não é demais relembrar que este Magistrado se encontra convocado para compor a Oitava Turma deste Tribunal desde agosto de 2007, portanto há menos de um ano, sendo que, ao longo desse período de convocação, após proceder à reatribuição de todos os feitos encontrados no Gabinete para a sua relatoria e tomar conhecimento do acervo existente (quase quatro- mil processos), vem procurando julgar com prioridade máxima os feitos com autuação antiga e aqueles que se encontram garantidos pelas preferências legais (processos envolvendo idosos e deficientes físicos, além de mandados de segurança e ações coletivas), sem embargo de, na medida do possível, atender às preferências solicitadas pelos advogados militantes e partes que diariamente peticionam ou pessoalmente acorrem a este Gabinete.

Ressalte-se que foram encontrados neste Gabinete processos sem julgamento com datas de autuação a partir de 1989, sendo que, deste acervo inicial, já foram julgados por este Relator praticamente todos os autuados em 1989, 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, sendo que ainda se encontram alguns poucos exemplares de processos autuados em 1996 aguardando julgamento e que serão priorizados nos próximos meses.

Não obstante todos esses fatos, verificando que os litisconsortes ativos desta demanda – XXXX XXXXXXXX XXXXX XXX XXXXXX e YYYYYYY YYYYYYYYY YYYYYY – cujas datas de nascimento encontram-se comprovadas às fls. 15 e 22 – , ostentam, hoje, mais de 60 anos de idade e, portanto, acham-se abrangidos pela Lei nº 10.741, de 01.10.2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, e considerando que, dos processos classificados pela administração deste Gabinete como “Preferência Idosos” (hoje totalizando 123 processos pendentes de julgamento) apenas existem 02 processos autuados em 1999 e 02 processos autuados em 2000, sendo os demais tão antigos quanto este feito, mostra-se recomendável julgar logo esta demanda, inclusive porque, consultando a jurisprudência dos Tribunais, constata-se que a matéria versada nestes autos já se encontra pacificada.

Neste sentido, com as considerações acima, passa-se ao julgamento do feito.

Não merece acolhida a irresignação dos Apelantes, porquanto a pretensão deduzida no presente feito encontra-se fulminada pela decadência.

Com efeito, quando do advento do Regime Jurídico Único, os empregados públicos do BACEN mantiveram esse status e permaneceram submetidos ao regime jurídico celetista, enquanto os demais empregados públicos assumiram o status de servidores públicos e passaram a estar submetidos ao novo regime, conforme disposto nos artigos 243 e 251 da Lei n.º 8.112/90, in verbis:

“Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952 – Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1o de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.

§ 1º Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação.

(…)

Art. 251. Enquanto não for editada a Lei Complementar de que trata o art. 192 da Constituição Federal, os servidores do Banco Central do Brasil continuarão regidos pela legislação em vigor à data da publicação desta lei.”

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em novembro de 1996, no julgamento da ADIn 449-2/DF, entendeu que “o Banco Central do Brasil é uma autarquia que exerce, substancialmente, atividades públicas, assim prestadora de serviços públicos, pelo que é uma autêntica autarquia de personalidade jurídica de direito público – aos seus servidores aplica-se o regime da Lei 8.112, de 1990, pelo que é inconstitucional o seu art. 251” (STF, Pleno, ADI 449/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, DJU 22.11.96, p. 45.683)

Em razão de tal declaração de inconstitucionalidade, a Administração elaborou o Plano de Cargos e Salários para os Servidores do BACEN, consubstanciado na Medida Provisória n.º 1.535/96, sucessivamente reeditada e posteriormente convertida na Lei 9.650/98.

Com a sexta reedição da referida Medida Provisória (n.º 1.535-6, de 13 de junho de 1997), restou determinado que “as aposentadorias e pensões concedidas aos servidores do Banco Central do Brasil e a seus dependentes, respectivamente, pelo Regime Geral de Previdência Social, a partir de 1º de janeiro de 1991, ficam transformadas em benefícios previstos no regime instituído pela Lei nº 8.112, de 1990, considerando-se o tempo de serviço computado pelo INSS no ato da concessão(…)” (art. 25, §1º), sendo que “o Banco Central do Brasil procederá ao enquadramento dos servidores inativos e das pensões de que trata este parágrafo nas disposições desta Medida Provisória, com efeitos financeiros a partir de 1º de dezembro de 1996” (art. 25, §1º, b).

Assim, os Autores passaram, a partir de julho de 1997, à condição de aposentados estatutários, conforme se infere dos documentos de fls. 16/19 e 23, sendo certo que contra tal enquadramento ajuizaram a presente demanda.

Todavia, a supracitada medida provisória estabeleceu, no §2º do art. 25, que os aposentados e pensionistas do Banco Central do Brasil tinham o prazo decadencial de 30 (trinta) dias contados da data de publicação dos respectivos enquadramentos, para requererem a revisão dos valores recebidos no período de 1º de janeiro de 1991 até 30 de novembro de 1996, a partir de quando seus pagamentos, direitos e obrigações seriam revistos segundo a tabela de vencimentos aplicada aos servidores do PCC – Plano de Classificação de Cargos de que trata a Lei 5.645/70.

Compulsando os autos, constata-se que anteriormente ao ajuizamento desta ação (31.08.2000 – fls. 02) foi noticiada apenas a impetração do Mandado de Segurança n.º 98.0017161-4, versando sobre o mesmo objeto e que, de acordo com consulta efetuada junto ao Sistema Gerenciador de Dados da Justiça Federal, foi autuado em 27.07.1998.

Verifica-se, portanto, que os Autores decaíram do direito à revisão do enquadramento ora questionado, na medida em que não comprovaram ter exercido o direito de que trata o art. 25, §2º da Medida Provisória 1.535-6/97, no prazo assinalado.

Dispositivo

Do exposto, nos termos do art. 557, caput, do Código de Processo Civil, NEGO SEGUIMENTO à apelação interposta pelos Autores.

P.R.I. Preclusa a presente decisão, remetam-se os autos à Primeira Instância.

Rio de Janeiro, 21 de junho de 2008.

JUIZ CONVOC. MARCELO PEREIRA DA SILVA

NO AFAST. DO RELATOR

Revista Consultor Jurídico

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