Por Mario Malato
A declaração de rendimentos da pessoa física está baseada na iniciativa do contribuinte em informar seus rendimentos e sobre os mesmos calcular o imposto devido, tudo de acordo com a lei. Em caso de omissão, o contribuinte é taxado sobre rendimentos omitidos, com o acréscimo de pesadas penalidades pecuniárias e até com a imputação de crime tributário.
Para monitorar tais possíveis omissões, além de outras fontes, o fisco valia-se na informação da CPMF. A extinção desta contribuição privou o fisco de uma importante ferramenta de fiscalização.
Porém, o fisco parece que não se ressentiu desta perda e acena com a armação de um jurássico esquema, baseado num sistema onde o hardware é chamado de T-Rex e o software de Harpia, nomes de aterradora evocação.
Tal sistema, baseado nas informações das fontes pagadoras de rendimentos, mais aquelas fornecidas pelas instituições do sistema financeiro, companhias de cartões de crédito, cartórios de imóveis, e outras, daria ao fisco condições de inferir a renda de cada contribuinte inscrito no CPF, bastando apenas comparar esta renda inferida com a renda declarada e, daí, concluir pela exatidão, ou não, desta última.
Chega-se até a dizer que, futuramente, o fisco enviaria ao contribuinte uma declaração de rendimentos previamente preenchida, para que este tomasse conhecimento dos rendimentos tributáveis que lhe estariam sendo… adjudicados, e a homologasse, ou não. Um verdadeiro Big Brother tributário!
Por conta destas perspectivas, o fisco até dispensou a declaração anual dos isentos, necessária para manter em vigor as inscrições no CPF.
Enfim, estamos diante de uma radical virada na filosofia do IRPF: em lugar de o contribuinte declarar seus rendimentos, será o fisco que lhe dirá quais foram seus rendimentos. Graças a Deus, o contribuinte ainda teria a chance de discordar.
Mas, esta contestação vai dar pano pra manga.
Por exemplo, a soma dos depósitos efetuados na conta bancária de um contribuinte não é necessariamente parte de seus rendimentos. Podem ser apenas fundos de propriedade de terceiros, administrados pelo contribuinte. Gastos com cartões de crédito podem não ser suportados apenas pela renda do contribuinte, mas também pela de um terceiro, reembolsando esse ao titular do cartão. E assim por diante.
Não é absolutamente correto assumir que recebimentos sejam necessariamente provenientes rendimentos, nem que pagamentos sejam a destinação dada a supostos rendimentos. Os mecanismos que regulam o rendimento e o patrimônio do contribuinte são muito mais complexos.
Conclusões só poderão ser tiradas após a resposta “sim/não” a uma árvore de perguntas formuladas em níveis de detalhe cada vez maiores.
O que irá acontecer é que o fisco irá inquirir os contribuintes perguntando, por exemplo, “Por que os depósitos feitos em sua conta bancária são superiores aos seus rendimentos declarados?”; “Como pôde adquirir um imóvel pelo valor “x” se seus rendimentos declarados não o permitem?”; e outras inquirições do tipo.
Tais inquirições, entretanto, aconteceriam em volume tão grande que perderiam seu efeito objetivo, qual seja o de individualizar omissões ou incorreções nas declarações dos contribuintes, passando a ser apenas um caótico encadeamento de perguntas e respostas, sem conclusões proativas.
Se os rendimentos declarados forem inferiores ao incremento do ativo patrimonial do contribuinte, haveria, sim, uma suspeita de omissão de rendimentos, não se podendo concluir, entretanto, que tal omissão houvesse efetivamente acontecido. A aparente falta de recursos poderia ter sido suprida , por exemplo, por um empréstimo de um terceiro.
Em lugar da lógica fiscal ser regida pela razão [rendimento declarado = rendimento inferido], seria mais eficaz que o fosse pela fórmula [rendimento ≥ acréscimo patrimonial] que, apesar de permitir algumas… imprecisões, ainda é a mais confiável para conferir a exatidão da declaração de rendimentos do Contribuinte.
Enfim, achamos que, apesar da sofisticação tecnológica do sistema, esta tendência de o fisco “tirar suas próprias conclusões” sobre a renda do contribuinte, partindo do princípio de que este é um grande mentiroso, é um retrocesso, pelo menos, cultural.
Mas, o que fazer? Afinal, a tal “necessidade de arrecadação” está sendo usada para justificar muitas das despóticas atitudes no relacionamento fisco-contribuinte.
E nem mencionamos o papel do propagado sistema de emissão de Nota Fiscal Eletrônica, que, na verdade, irá afetar mais as pessoas jurídicas. Mas não apenas estas.
O que resta ao contribuinte é planejar cuidadosamente suas atividades econômicas, movimentando-se neste novo tabuleiro de xadrez, de forma a utilizar todos os recursos legais que lhe permitam manter a taxação em seus níveis mínimos.
A quem não se dá conta disso, podemos assegurar que existe mais de uma forma legal para se realizar um mesmo negócio e que vale a pena conhecê-las.
Mesmo assim, para nosso espanto, em nosso dia-a-dia, notamos que, frequentemente, os contribuintes preferem pagar impostos a mais a enveredar por formas jurídicas legais, mas não convencionais. Vamos ver…