por Priscyla Costa
Uso de algema no Tribunal do Júri anula sentença condenatória por colocar o réu em situação de inferioridade? Essa deve ser a questão discutida na primeira sessão plenária do Supremo Tribunal Federal do segundo semestre desse ano. O caso será definido no dia 6 de agosto, no julgamento do pedido de Habeas Corpus 91.952. Nele, a defesa de um condenado por homicídio qualificado pede que seja declarado a nulo o Júri porque o réu, que foi condenado, passou todo o julgamento com as mãos algemadas.
O Habeas Corpus é relatado pelo ministro Marco Aurélio, que considerou a questão relevante a ponto de submetê-la diretamente ao Pleno do STF. O principal argumento da defesa do condenado, que deve ser acolhido pelo ministro, é de que o então acusado já estava em situação de inferioridade porque o uso de algemas impressiona os jurados, principalmente os leigos.
O pedido foi negado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que indeferiu também a subida do Recurso Especial. No Superior Tribunal de Justiça, foi negado um Agravo de Instrumento. Por isso o Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal.
Em 1995, no julgamento do HC 71.195, o STF afirmou que o uso de algemas durante o julgamento não constitui constrangimento ilegal se essencial à ordem dos trabalhos e à segurança dos presentes. Atualmente, o uso de algemas é uma prática comum. Não só das algemas. É praxe o réu, quando preso, chegar para o Júri com o uniforme de presidiário e com sandálias de dedo. Para quem não está acostumado com a situação, a cena pode ser deprimente.
Nesse novo pedido, a orientação deve ser outra. Isso porque o julgamento pelo Supremo está marcado para três dias antes de entrar em vigor a Lei 11.689/2008, que disciplina procedimentos relativos ao Tribunal do Júri.
A lei, que passa a vigorar em 9 de agosto, dá a seguinte redação ao artigo 474, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal: “não se permitirá o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes”. Ou seja, algema deixa de ser regra e passa a exceção.
O criminalista Luiz Flávio Gomes explica que as algemas são usadas no Plenário do Júri por não existir lei regulamentando a matéria. Com a nova regra, a orientação será diferente e o juiz terá de seguir. “Só se coloca algema em réu que tenta fugir ou agredir os presentes na sessão do Júri. Se não existem essas situações, o uso caracteriza sim constrangimento ilegal”, diz.
Para o advogado Jair Jaloreto Junior, o uso das algemas no Júri não é ilegal e serve para garantir a segurança das pessoas que estão com o réu naquele momento. “O que acontece como regra é que os réus em liberdade são julgados sem algema e os presos com algemas. Nem por isso, o que não está algemado é absolvido. Por isso, não acredito que o uso vá influir no resultado do julgamento. Ao contrário, os jurados podem até se compadecer da situação. Não pode ser tido como regra o fato de estar algemado pender para um lado ou para outro”, defende.
Uso moderado
Teoricamente, nem no momento da prisão o suspeito de um crime pode ser algemado. É que a regra é clara: só vai algemado quem oferecer resistência à autoridade, ou quem não tem diploma universitário. O que significa que toda vez a televisão mostrar uma cena espetacular da polícia prendendo e arrebentando, na qual o uso das algemas é visto como sinônimo da eficiência, de duas uma: ou o preso é um zé ninguém, ou a operação está coberta de ilegalidade.
A regra do uso de algema está no Decreto-Lei de 1969, que criou o Código de Processo Penal Militar. A norma diz que quem tem diploma universitário não pode ser algemado. A regra já dava para livrar juízes e autoridades da incômoda pulseira, mas o Decreto-Lei de 1969 faz questão de ser explícito. Não podem ser algemados de forma alguma juízes e também governadores, presidentes, ministros, secretários, deputados, senadores, padres e pastores e qualquer pessoa que tenha algum privilégio econômico ou social.
Não só por causa da proteção prevista na norma militar. A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) no artigo 199, prevê que “o emprego da algema será disciplinado por decreto federal”. Como ainda não foi efetuada tal regulamentação, o uso das argolas é no mínimo controvertido e deve ser evitado.
Revista Consultor Jurídico