São 14 casos investigados de venda de sentenças em Mato Grosso

A Polícia Federal apontou 14 casos de intermediação de venda de sentenças, que envolvem advogados investigados por exploração de prestígio, corrupção ativa e passiva e formação de quadrilha, em Mato Grosso. Foi com base nos relatos desses casos que o Ministério Público Federal pediu a prisão de advogados ao STJ.

Como revelado na última terça-feira (18), em atualização feita às 13h30 pelo Espaço Vital, a PF cumpriu mandados de prisão e de buscas e apreensão e até agora, há oito presos. Destes, cinco são advogados. Uma nona pessoa (advogado) está foragida.

O inquérito nº 669 – que resultou na prisão de advogados e contou com uso de grampos telefônicos autorizados – foi originalmente instaurado na 2ª Vara Federal de Cuiabá para apurar denúncias “de que advogados e terceiros estariam manipulando decisões no âmbito da Justiça Eleitoral de Mato Grosso”, de acordo com os autos.

Mas no decorrer das investigações, surgiram indícios de envolvimento do presidente do TRE-MT, desembargador Evandro Stábile, em atividades ilícitas. Por causa da prerrogativa de foro, a competência foi deslocada para o STJ. Esta informação foi revelada ontem (19) pelo saite Consultor Jurídico, em texto da jornalista Débora Pinho.

Segundo ela, “as investigações apontaram o possível envolvimento de juízes e desembargadores do TJ-MT e membros atuais e antigos do TRE-MT”. Conforme o MPF, são eles o juiz Círio Miotto e os desembargadores Evandro Stábile, José Luiz Carvalho e Donato Fortunato Ojeda, que já se aposentou.

O MPF pediu o afastamento do desembargador Evandro Stábile da presidência do TRE-MT e do cargo de desembargador do TJ-MT. O pedido de afastamento, no entanto, foi negado pela ministra Nancy Andrighi.

Ela entendeu que “o afastamento do desembargador de seu cargo se mostra, ao menos nesse momento, medida prematura e temerária, dada a insuficiência das provas coletadas”. Para a ministra, “mostra-se apropriado aguardar, ao menos, o desenrolar das diligências ora deferidas, que poderão trazer subsídios mais consistentes ao inquérito”.

O MPF apontou “fortes indícios quanto à existência de um grupo de pessoas associado em torno de uma estrutura organizada, perene e com predisposição comum de meios objetivando a prática criminosa, notadamente a suposta manipulação de decisões judiciais, mediante exploração de prestígio e corrupção ativa e passiva”.

De acordo com o MPF, os “contatos diários dos integrantes do grupo, sempre a tratar da possibilidade de influenciar em decisões judiciais, demonstra a regularidade e a constância das atividades empreendidas”.

Para o MPF, a associação tem como principais articuladoras a advogada Célia Cury, mulher do desembargador José Tadeu Cury, aposentado compulsoriamente pelo CNJ, e Ivone Reis de Siqueira, mulher de um servidor aposentado do TJ-MT.

As escutas telefônicas sugerem proximidade entre a advogada Célia Cury e desembargadores, segundo o MPF. A advogada “atuaria como principal elo de ligação entre interessados/intermediadores e juízes/desembargadores, tendo sido identificada aparente participação ativa em negociações relativas a alguns casos de pedido de habeas corpus”.

Na peça inicial do inquérito, o MPF aponta o papel de cada um dos investigados e afirma que “há pessoas que, apesar de não serem responsáveis pela suposta negociação frente aos desembargadores e juízes, atuam com regularidade e contumácia nos ajustes, de modo a viabilizar a aproximação das partes e garantir a manipulação das decisões judiciais”.

Apesar de detalhar a participação dos investigados, o MPF esclarece que “até o momento não foi possível estabelecer com exatidão todas as ramificações do pretenso bando, especialmente em que medida se dá — se é que de fato existe — a participação de desembargadores e juízes”.

Segundo o MPF, “grande parte das provas obtidas apenas induz à participação dessas autoridades nas negociações. Seus nomes são constantemente mencionados, mas não se define claramente se o grupo se limita a explorar o prestígio alheio (sem, no entanto, envolver esses desembargadores e juízes), ou se há efetiva corrupção ativa e passiva”.

Mais detalhes

* Em seu depoimento prestado à PF, na terça-feira (18), a advogada Célia Cury, negou a intermediação de sentenças. Disse que conhece os desembargadores Donato Ojeda Fortunato e José Luiz de Carvalho porque frequentam os mesmos eventos sociais. Os dois últimos foram mencionados no depoimento prestado à Polícia Federal porque o advogado Rodrigo Vieira, genro de Célia Cury, impetrou dois HCs em favor de um réu nos plantões de domingo.

* Outros advogados mencionados nos autos são André Castrillo, Eduardo Gomes, Alcenor Alves de Souza (ex-prefeito de Alto Paraguai), Alessandro Jacarandá, Santos de Souza Ribeiro e Max Weize Mendonça, que está foragido. Todos são investigados por venda de sentenças. Castrillo e Eduardo Gomes prestaram depoimento na PF e foram liberados na terça-feira.

* Castrilho e Eduardo Gomes, segundo o MPF, tiveram atuação no caso de Alto Paraguai quando a candidata Diane Vieira teve decisão favorável em primeira instância. Ela ficou em 2º lugar e pleiteava assumir o cargo porque o adversário não prestou contas.

* Castrillo contou que ele e Eduardo Gomes, seu genro, pegaram o processo em andamento a partir da audiência de instrução. Ele lembrou que há jurisprudência no sentido de que o segundo colocado assume o cargo quando o candidato deixa de prestar contas. E, com base nesse fundamento, ela saiu vencedora na primeira instância. Castrillo e o genro saíram do caso antes da decisão de segunda instância, que reverteu o posicionamento, “por falta de pagamento de honorários”, segundo ele.

* O marido de Diane, Alcenor Alves de Souza (ex-prefeito de Alto Paraguai), também prestou depoimento na PF. Ele negou que tenha tido qualquer tipo de atuação para negociar sentença em favor da mulher. Alcenor está preso. Castrillo e Eduardo Gomes apenas prestaram depoimento e foram liberados.

Como foi a decisão

Com base nos pedidos do MPF, a ministra Nancy Andrighi, ordenou nove mandados de prisão e 30 de busca e apreensão. Ela determinou, ainda, nova interceptação das comunicações telefônicas de 17 investigados “pelo prazo de quatro dias, imediatamente anteriores ao cumprimento dos mandados de busca e apreensão e de prisão temporária”.

Assim, os grampos foram cumpridos antes das prisões. A ministra determinou, também, a quebra de sigilo bancário e fiscal do presidente do TRE-MT, Evandro Stábile e da ex-juiza eleitoral Maria Abadia Pereira de Souza Aguiar.

Da sociedade Castrillo Advogados houve quebra de sigilo bancário. Nos escritórios dos advogados
André Castrillo, Eduardo Gomes e Renato Viana, que apenas prestaram depoimentos à PF, foram cumpridos mandados de busca e apreensão. (Inquérito nº 669 – com informações do Consultor Jurídico e da redação do Espaço Vital).

Nominata dos presos

* A advogada Célia Cury, mulher do desembargador aposentado compulsoriamente pelo CNJ, José Tadeu Cury;

* O advogado Rodrigo Vieira, genro de Célia e Tadeu Cury;

* O advogado e ex-prefeito de Alto Paraguai, Alcenor Alves de Souza;

* O advogado Alessandro Jacarandá (ex-sócio de Célia Cury);

* O ex-serventuário da Justiça Jarbas Nascimento, que foi chefe de gabinete do desembargador
aposentado José Tadeu Cury;

* O empresário e estudante de Direito Cláudio Camargo (genro de Célia Cury e Tadeu Cury);

* O advogado Santos de Souza Ribeiro;

* Ivone Reis Siqueira, mulher de um servidor aposentado do TJ-MT; ela já foi posta em liberdade, em função de revogação de prisão, determinada ontem (19) pela ministra Andrighi.

* O advogado Max Weize Mendonça está foragido.

Também foram apreendidos documentos com a ex-servidora do TJ de Mato Grosso, Rosana Ramires, ex-assessora do gabinete de José Tadeu Cury.

Contrapontos

* Em nota à imprensa, o presidente do TRE de Mato Grosso, Evandro Stábile, informou “que não irá se pronunciar sobre as denúncias envolvendo o TRE-MT por não ter sido notificado até o momento, motivo pelo qual desconhece as mesmas”.

* O desembargador Ojeda – que passou mal, durante busca e apreensão em sua casa, e foi parar na UTI, saiu ontem (19) do hospital nesta quarta-feira. Ele foi procurado pelo Consultor Jurídico. Mas Fernando Ojeda, filho do desembargador, disse que ele não poderia falar com a reportagem porque está em “repouso absoluto”.

* O advogado André Castrillo disse que não houve venda de sentença no caso em que atuou, ao lado do advogado Eduardo Gomes, na defesa de uma candidata em Alto Paraguai. “Compra e venda de sentença virou folclore em Mato Grosso. Isso não existe. Existe quem ganha a ação e quem perde. Quem ganha diz: ´eu sou bom´. E quando perde, diz: ´o juiz se vendeu. Essa frase é leviana, mas advogado não é capaz de admitir que perdeu”.

A ficha de informações processuais no STJ

PROCESSO : Inq 669 UF: MT REGISTRO: 2010/0007876-9

NÚMERO ÚNICO : 0007876-68-2010.3.00.0000
INQUÉRITO VOLUMES: 1 APENSOS: 3

AUTUAÇÃO : 19/01/2010
REQUERENTE : JUSTIÇA PÚBLICA
REQUERIDO : E A
RELATOR(A) : Min. NANCY ANDRIGHI – CORTE ESPECIAL
ASSUNTO : DIREITO PENAL
LOCALIZAÇÃO : Saída para COORDENADORIA DA CORTE ESPECIAL em 13/05/2010
TIPO : Processo Físico

NÚMEROS DE ORIGEM
200936000121676
200936000134103
558
6002009

PARTES E ADVOGADOS
REQUERENTE :JUSTIÇA PÚBLICA
REQUERIDO :E A

FASES
04/05/2010 – 15:31 – PETIÇÃO Nº 108831/2010 VIS/PR – PEDIDO DE VISTA COM PROCURAÇÃO PROTOCOLADA EM 04/05/2010.

29/03/2010 – 20:07 – CONCLUSÃO À MINISTRA RELATORA (PARECER MINISTERIAL DE FLS. 20)

03/02/2010 – 16:06 – VISTA AO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA PARECER

20/01/2010 – 15:53 – CONCLUSÃO AO(À) MINISTRO(A) RELATOR(A)

20/01/2010 – 15:43 – PROCESSO RECEBIDO DA PRESIDÊNCIA

19/01/2010 – 18:07 – PROCESSO DISTRIBUÍDO POR PREVENÇÃO DO PROCESSO 2007/0094391-9 EM 19/01/2010 – MINISTRA NANCY ANDRIGHI – CORTE ESPECIAL

19/01/2010 – 13:08 – CONCLUSÃO AO MINISTRO PRESIDENTE

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