Após aproximadamente 20 horas de análise, foi concluído com o voto do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, o julgamento do inquérito do chamado “mensalão mineiro” (Inq 2280) que resultou no recebimento da denúncia da Procuradoria Geral da República contra o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro. Recebida a denúncia, será instaurada a ação penal contra o ex-governador mineiro.
Ao final da leitura do voto-vista do ministro Dias Toffoli na sessão de hoje (03), que abriu a divergência, o relator do inquérito do mensalão mineiro (Inq 2280), ministro Joaquim Barbosa pediu a palavra para reafirmar seu voto, no sentido de acolher a denúncia da Procuradoria Geral da República contra o ex-governador de Minas Gerais e atual senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) quanto aos crimes de peculato e lavagem.
Segundo Barbosa, nesta fase de inquérito é necessário verificar somente os seguintes dados: se a denúncia descreve um fato criminoso praticado dolosamente e se a descrição feita na denúncia está baseada em elementos probatórios mínimos constantes dos autos do inquérito, permitindo o exercício da ampla defesa do acusado no curso da ação penal.
“Quanto a isso, não tenho a menor dúvida. Os desvios das estatais estão plenamente documentados. Não há a menor dúvida de que houve aparentemente uma lavagem de dinheiro. Somas expressivas transitaram por essas contas e foram utilizadas para pagar os operadores da campanha por ninguém menos que Marcos Valério”, afirmou o relator.
Ricardo Lewandowski
Após a intervenção do relator, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou seu voto. Ele afirmou que a denúncia do Ministério Público deve observar os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal (CPP): a exposição dos fatos criminosos com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado, a classificação do crime e finalmente o rol dos acusados, se for o caso.
O ministro acrescentou que a denúncia só pode ser rejeitada, de acordo com o artigo 395 do CPP, se for inepta, se ausente algum dos pressupostos da ação ou se faltar justa causa para a sua instauração.
“A denúncia aqui examinada, a meu ver, não é inepta: descreve pormenorizadamente os fatos e explicita a possível participação do acusado neles, de forma individualizada, aludindo a uma série de indícios que formam um quadro lógico e coerente. A par da inequívoca prova da materialidade dos delitos, há vários indícios de autoria”, concluiu Lewandowski.
Eros Grau
O ministro Eros Grau foi o segundo a divergir do relator, ministro Joaquim Barbosa, votando pela rejeição total da denúncia. Não vejo vínculo do acusado com os crimes de que se cuida, disse. Grau lembrou que no julgamento do inquérito que deu origem à Ação Penal 470 – chamado de processo do mensalão, também votou pela rejeição de alguns pontos daquela denúncia porque se baseavam apenas em ilações. Ele concluiu seu voto revelando que, na dúvida, tem preferido seguir a tendência de privilegiar o estado de direito, e não o estado policial.
Ayres Britto
O ministro Carlos Ayres Britto decidiu receber a denúncia, acompanhando o voto do relator. Ele destacou a qualidade técnica de três peças essenciais submetidas à apreciação: o inquérito policial, a denúncia em si e o relatório do ministro Joaquim Barbosa. “São três peças de grande qualidade e que até seqüenciam do ponto de vista mais lógico possível o tracejamento de fatos que, em tese, são criminosos, como o peculato e a lavagem de dinheiro”, disse.
Ayres Britto entendeu também, pelo menos nesse juízo primeiro, que se montou mesmo no estado de Minas Gerais um esquema de caixa dois. “Caixa dois costuma ser o início de toda corrupção administrativa no Brasil”. Ele afirmou que o esquema parece até reprise de um filme, que já foi visto e cujo modelo fez escola, ao que parece. “Os protagonistas, o modus operandi, o tipo de benefício, um agente central nesse processo do ponto de vista da operacionalização que não entendia nada de publicidade, mas entendia tudo de finanças e de como obter com extrema facilidade recursos financeiros para campanhas eleitorais”, declarou.
Cezar Peluso
Também acompanhou o voto do relator, pelo recebimento da denúncia, o ministro Cezar Peluso, ao entender que a acusação é apta. “Há fortes indícios de participação do denunciado, para efeitos de recebimento da denúncia”, disse o ministro, com base, em particular, nos longos depoimentos como o de Carlos Henrique Martins Teixeira, Vera Lúcia Mourão de Carvalho Veloso, Nilton Antônio Monteiro. Para Peluso, essas declarações têm em comum a afirmação de que Eduardo Azeredo teria conhecimento da origem ilícita dos recursos empregados em sua campanha à reeleição ao governo de Minas Gerais.
Marco Aurélio
Quinto ministro a votar pelo recebimento do inquérito, o ministro Marco Aurélio afirmou que a denúncia é uma “peça minuciosa”, que se reporta a depoimentos, elementos e entrelaçamentos de fatos que viabilizam a defesa. “Fica difícil sustentar-se que, na espécie, não se tem dados capazes de conduzir ao recebimento da denúncia”, afirmou.
“O Supremo não é cemitério de inquéritos e ações penais contra quem quer que seja. O Supremo atua a partir dos elementos coligidos nos autos; a partir dos elementos do processo, se já instaurada a ação penal, e chega, num ambiente democrático revelado pelo colegiado, a uma conclusão a respeito, tornando prevalecente a ordem jurídica, especialmente a ordem jurídica constitucional”, disse o ministro.
Gilmar Mendes
Ao votar contra a abertura da ação penal, o ministro Gilmar Mendes alertou que, mais que uma peça processual que deve cumprir os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal, a denúncia é um instrumento por meio do qual o órgão julgador pode avaliar a efetiva necessidade de submeter o indivíduo às agruras do processo penal, daí a necessidade de rigor e de prudência por parte não só daqueles que têm o poder de iniciativa nas ações penais, mas também daqueles que podem decidir sobre o seu curso.
“A análise de uma denúncia deve ser revestida dos maiores cuidados por parte de todos nós, julgadores, sempre tendo em vista a imposição constitucional de resguardo dos direitos e garantias individuais. Quando se fazem imputações incabíveis, dando ensejo à persecução criminal injusta, viola-se também o princípio da dignidade da pessoa humana”, concluiu o presidente do STF.
A ministra Cármen Lúcia, por impedimento, não participou da votação.
Questão de ordem
Depois de colhidos os votos, o relator, ministro Joaquim Barbosa, suscitou questão de ordem no sentido de que houvesse início imediato da instrução da ação penal, independentemente da publicação do acórdão. O ministro Marco Aurélio abriu divergência, não concordando com a proposição, tendo sido seguido pelos demais ministros. A questão de ordem foi rejeitada pelo Tribunal, ficando vencido o relator.
Assim, para ser iniciada a ação penal (ouvir testemunhas, interrogatório do réu e produção de provas), deverá aguardar-se a publicação do acórdão e o julgamento de eventual recurso a ser oposto contra o recebimento da denúncia.