Em razão de empate no julgamento do Habeas Corpus (HC) 171438, realizado na sessão desta terça-feira (28) da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), foi garantido ao ex-presidente da Vale S.A. Fábio Schvartsman o direito de não comparecer à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada da Câmara dos Deputados para investigar as causas do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG). O depoimento de Schvartsman, convocado na condição de investigado, está marcado para o dia 4 de junho. Com o empate na votação, foi proferido resultado mais favorável ao investigado, conforme determina o artigo 146, parágrafo único, do Regimento Interno do STF.
No HC, a defesa alega que seu cliente prestou àquela Casa Legislativa todos os esclarecimentos a respeito do tema quando compareceu à audiência pública instalada para tal finalidade, tendo permanecido, na ocasião, à disposição dos parlamentares por cerca de seis horas. Sustenta haver ameaças concretas à sua liberdade de locomoção caso exerça o direito ao silêncio na sessão para a qual foi convocado. Diante disso, pediu que fosse reconhecido o direito de não comparecer à sessão.
Condução coercitiva
O relator do habeas corpus, ministro Gilmar Mendes, explicou que, de acordo com a jurisprudência do STF, tal como ocorre em depoimentos prestados perante órgãos do Poder Judiciário, é assegurado o direito do investigado não se incriminar perante as CPIs. O direito à não autoincriminação, explicou o ministro, é derivado da união de enunciados constitucionais tais como a dignidade humana, o devido processo legal, a ampla defesa e a presunção de inocência. “O princípio da vedação à autoincriminação determina que o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silencio quando do interrogatório”.
Diante disso, o ministro considerou que se aplica ao caso o entendimento da Corte acerca da não recepção pela Constituição Federal da condução coercitiva de réu ou investigado para interrogatório, firmado no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 395. Na ocasião, o Plenário concluiu que a condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado ou o réu não é obrigado a comparecer. “Por sua qualidade de investigado, não pode o paciente ser convocado a comparecimento compulsório, menos ainda sob ameaça de responsabilização penal”, destacou.
Além disso, para o ministro, se o investigado não é obrigado a falar, não faz sentido que seja obrigado a comparecer ao ato. Segundo Mendes, o comparecimento do investigado, nesses casos, serviria apenas como “instrumento de constrangimento e de intimidação”. Portanto, ele votou pela concessão do habeas corpus para tornar facultativo o comparecimento do ex-presidente perante a CPI na Câmara dos Deputados. Observou, no entanto, que, caso decida comparecer ao ato, fica assegurado o seu direito ao silêncio, à assistência por advogado durante a audiência, o direito de não ser submetido ao compromisso de dizer à verdade ou de subscrever termos com esse conteúdo, e o direito de não sofrer constrangimentos físicos ou morais decorrentes do exercício desses direitos.
O ministro Celso de Mello acompanhou o voto do relator. Segundo o decano, as CPIs não podem valer-se do instrumento da condução coercitiva. “As autoridades públicas não podem constranger qualquer pessoa a comparecer para responder a interrogatório e a produzir provas contra si própria. A observância dos direitos e das garantias fundamentais constitui fator de legitimação da própria atividade estatal, da persecução estatal e da investigação parlamentar”, destacou.
Divergência
O ministro Edson Fachin abriu parcial divergência em relação ao voto do relator e concedeu o habeas corpus em menor extensão para garantir ao investigado o direito ao silêncio, o direito de ser assistido por advogado, de não ser compelido a dizer a verdade e de não sofrer constrangimento físico ou moral decorrente do exercício desses direitos. Apesar de não deferir o direito ao não comparecimento, o ministro enfatizou que, em caso de violação de qualquer direito, o investigado pode, inclusive, se retirar da sessão.
A ministra Cármen Lúcia votou no mesmo sentido. Para a ministra, não é facultado ao investigado o não comparecimento. Uma vez convocado pela CPI, este deve comparecer.
Processo relacionado: HC 171438