O colegiado manteve decisão monocrática que anulou instauração de processo disciplinar contra desembargadora do TRF-1. Por maioria, os ministros assentaram que a atuação do CNJ no caso configurou juízo recursal, hipótese não admitida no âmbito da revisão disciplinar.
Por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) manteve decisão do ministro Gilmar Mendes que anulou a instauração de processo administrativo disciplinar (PAD) pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a desembargadora Ângela Maria Catão Alves, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). Ao julgar procedente pedido de revisão, o CNJ havia determinado a instauração do PAD para apurar a ocorrência de faltas funcionais supostamente cometidas quando a magistrada era titular da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais.
Na sessão desta terça-feira (4), a Turma negou provimento a agravo regimental da Procuradoria-Geral da República (PGR) no Mandado de Segurança (MS) 30072 e confirmou entendimento do ministro Gilmar Mendes de que a revisão disciplinar no CNJ não tem natureza recursal. Ficou vencido o ministro Edson Fachin, que dava provimento ao agravo regimental da PGR. A ministra Cármen Lúcia declarou-se suspeita de participar do julgamento.
No caso, o CNJ acolheu pedido da Procuradoria Regional da República da 1ª Região para rever decisão do Órgão Especial do TRF-1 que, por unanimidade, arquivou procedimento avulso contra a magistrada. Por maioria de votos, os conselheiros do CNJ entenderam que o procedimento tinha indícios de que a juíza teria proferido decisões favoráveis à liberação de valores do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) retidos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) a algumas localidades mineiras, em afronta aos preceitos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, o que, em tese, caracterizaria falta funcional.
No mandado de segurança impetrado no Supremo, a magistrada alegou que o CNJ não poderia ter determinado a abertura do PAD, atuando como juízo recursal, uma vez que o procedimento no TRF-1 para apurar os fatos havia sido arquivado. O argumento foi acolhido pelo ministro Gilmar Mendes, em sua decisão monocrática, após pedido de reconsideração. Para ele, a decisão de arquivamento não foi contrária às evidências dos autos. “Cada fato foi descrito, cotejado e avaliado de forma individualizada pelo TRF da 1ª Região”, observou o relator em seu voto pelo desprovimento do recurso. Ele apontou que atuação do CNJ no caso configurou juízo recursal, hipótese não admitida no âmbito da revisão disciplinar.
O ministro Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do ministro Gilmar Mendes. Para ele, é sempre importante esclarecer o âmbito de atuação do CNJ como órgão administrativo. O ministro explicou que o procedimento de revisão de PAD tem natureza excepcional, não podendo ser utilizado como sucedâneo recursal. Prova disso é que o artigo 83 do Regimento Interno do CNJ, ao regulamentar o artigo 103-B, parágrafo 4º, inciso V da Constituição Federal, limita o cabimento de revisão de processos disciplinares apenas aos casos em que a decisão proferida for flagrantemente contrária à lei ou à evidência dos autos, quando se basear em provas visivelmente falsas e quando surgirem fatos novos que justifiquem a alteração da decisão.
Segundo o ministro Lewandowski, tais limitações (aplicáveis ao cabimento da ação rescisória e da revisão criminal) foram estabelecidas para evitar que a revisão disciplinar fosse utilizada como instrumento para transformar o CNJ em “mera instância recursal” pelo interessado que discordar da decisão proferida no processo originário. “Não cabe ao CNJ apreciar livremente a prova produzida pelo tribunal de origem, mas apenas verificar se o julgamento proferido está ou não de acordo com a lei e com a evidência dos autos. As revisões disciplinares não se prestam a realizar o reexame de todo o conjunto probatório do PAD de origem, se a decisão lá proferida tem por base razoável interpretação das provas”, salientou.
Divergência
O ministro Edson Fachin votou no sentido de dar provimento ao agravo da PGR para permitir ao CNJ apurar os fatos. Segundo observou, o CNJ tem competência para rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de Tribunais julgados há menos de um ano. Fachin salientou que a decisão do CNJ, ao determinar a instauração de processo disciplinar contra a desembargadora Ângela Catão, afirmou expressamente que o arquivamento pelo TRF-1 teria contrariado evidência dos autos.
O ministro ressaltou que, embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha rejeitado a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF), na qual imputou à magistrada o cometimento, em tese, dos delitos de corrupção passiva majorada e prevaricação, a conclusão não se deu por negativa de autoria ou inexistência dos fatos. Fachin citou precedente (MS 32759) em que o STF decidiu que a abertura de PAD não exige a existência de conclusão definitiva quanto à culpa dos envolvidos, sendo necessária apenas a existência de indícios mínimos quanto ao ilícito e sua autoria.