A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o proprietário de imóvel desapropriado não responde mais pelo dano histórico-cultural causado no bem. Para o colegiado, o valor desembolsado pelo Estado na aquisição do imóvel já leva em consideração o passivo ambiental cultural.
Com esse entendimento, os ministros negaram o pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) para manter a responsabilidade de uma empresa pelo dano histórico-cultural causado em imóvel desapropriado pelo município do Rio de Janeiro.
Tanto a empresa quanto o ente federativo foram alvos de ação civil pública devido aos danos causados pela falta de conservação do imóvel de importância histórico-cultural. O MPRJ pediu que ambos fossem condenados a executar um projeto de recuperação do bem e a pagar indenização a título de danos morais coletivos.
No curso da ação, o município desapropriou o imóvel para implementar um programa de habitação de interesse social. O juízo de primeiro grau determinou à empresa e, de forma subsidiária, ao município que restaurassem o imóvel em até 12 meses, conforme projeto elaborado pelo órgão de defesa do patrimônio cultural.
No julgamento da apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) concluiu pela ilegitimidade passiva do expropriado, direcionando a condenação apenas ao município, e afastou o dano moral coletivo, por ausência de abalo à coletividade.
Ônus de reparação de bem expropriado já é considerado na indenização
O relator do recurso do MPRJ, ministro Gurgel de Faria, explicou que o artigo 31 do Decreto-Lei 3.365/1941 estabelece a sub-rogação no preço de quaisquer ônus ou direitos que recaiam sobre o bem expropriado.
“Isso implica dizer que o ônus (de reparação) que recaía sobre o bem expropriado já foi considerado no preço (justa indenização) desembolsado pelo município para a aquisição do imóvel. Ou seja, a fazenda municipal já descontou o passivo ambiental do valor pago”, disse.
Para o ministro, a condenação da parte expropriada no dever de pagar pela reparação do imóvel viola o postulado non bis in idem, uma vez que a empresa teria duplo prejuízo pelo mesmo fato: receberia indenização já descontada em razão do passivo ambiental e ainda teria de pagar esse passivo novamente na ação.
Natureza propter rem da obrigação ambiental
Apesar do teor da Súmula 623 do STJ e da tese firmada no Tema 1.204 sobre a natureza propter rem da obrigação ambiental, o relator entendeu que o caso em análise se distingue dos processos que originaram a orientação do tribunal quanto à possibilidade de cobrar a reparação do dano tanto do proprietário atual quanto do anterior.
O ministro destacou que os recursos julgados no Tema 1.204 tratavam de transferência voluntária da propriedade; no caso em julgamento, houve desapropriação, que se distingue especialmente na fixação do preço.
“Embora a obrigação de reparação ambiental permaneça de natureza propter rem, competirá ao ente expropriante atendê-la (a obrigação), pois o valor relativo ao passivo ambiental já deve ter sido excluído da indenização”, ressaltou.
No entanto, Gurgel de Faria ponderou que permanece a legitimidade passiva da empresa em relação ao dever (em tese) de reparar o (suposto) dano moral coletivo – obrigação que não está relacionada ao próprio bem, inexistindo sub-rogação no preço.
De acordo com o relator, o dano moral, nessa modalidade, “é experimentado pela coletividade em caráter difuso, de modo que o dever de indenizar é completamente independente do destino do imóvel expropriado”.
Veja o acórdão.
Processo: AREsp 1886951