Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), é válida como prova a captação ambiental clandestina quando o direito a ser protegido tiver valor superior à privacidade e à intimidade do autor do crime. Segundo o colegiado, as gravações podem ser consideradas lícitas especialmente quando se mostram como o único meio de comprovação do delito e envolvem direitos fundamentais mais relevantes do que a garantia de inviolabilidade da imagem do ofensor.
O entendimento foi estabelecido pela turma ao negar o pedido de trancamento de uma ação penal por estupro de vulnerável, no qual a defesa alegou que a gravação das imagens que embasaram a denúncia foi feita sem o conhecimento da vítima e do ofensor e sem prévia autorização da polícia ou do Ministério Público – o que configuraria uma violação à Lei 9.296/1996.
Ainda segundo a defesa, o local onde foi feita a gravação clandestina não era um ambiente público, e a captação das imagens se deu por meio de dispositivo privado.
Proteção constitucional da imagem admite quebra em situações excepcionais
Relator do habeas corpus, o ministro Ribeiro Dantas lembrou que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, estabeleceu como direitos fundamentais o sigilo e a proteção da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas. Contudo, ponderou o ministro, esses direitos não são absolutos, permitindo-se excepcionalmente a sua quebra.
Entre essas hipóteses excepcionais, o relator apontou que a Lei 13.964/2019 inseriu na Lei 9.296/1996 o artigo 8º-A, cujo parágrafo 4º estabelece que a captação ambiental de sons ou imagens feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento da polícia ou do Ministério Público, poderá ser utilizada como prova de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação.
Já o artigo 10-A da Lei 9.296/1996 – também acrescentado pelo Pacote Anticrime – diz que a captação ambiental sem autorização judicial (nos casos em que ela for exigida) constitui crime, mas não quando a gravação é feita por um dos interlocutores.
Ribeiro Dantas comentou que, após as alterações trazidas pelo Pacote Anticrime, tem havido debates sobre a fixação de novos parâmetros para a admissão da gravação ambiental clandestina, especialmente quando se pretende usá-la como prova de acusação.
“Não obstante a redação do artigo 8º-A, parágrafo 4º, a doutrina majoritária se posiciona no sentido da licitude da referida prova tanto para a acusação quanto para a defesa, sob pena de ofensa ao princípio da paridade das armas, da lealdade, da boa-fé objetiva e da cooperação entre os sujeitos processuais. A nova regulamentação, portanto, não alcança apenas o direito de defesa, mas também as vítimas de crimes”, completou.
Vítima estava desacordada no momento do crime
Segundo o ministro, no caso analisado pela Quinta Turma, não haveria meio menos grave para os direitos do ofensor do que a captação ambiental, tendo em vista que os elementos do processo indicaram a tentativa do réu de esconder os crimes.
Além disso, para o relator, a gravação também se mostrou proporcional porque, analisando os valores envolvidos no caso, “não há como afirmar que o sigilo da conduta do paciente, ou sua intimidade e privacidade, sejam mais importantes do que a dignidade sexual da ofendida, possível vítima de violência presumida” – sobretudo, considerando que, conforme registrado nos autos, ela estava desacordada no momento do crime.
De acordo com Ribeiro Dantas, embora a gravação clandestina pudesse ser enquadrada inicialmente como o delito do artigo 10-A da Lei 9.296/1996, no contexto dos autos, ela é alcançada pela excludente de antijuridicidade, pois a conduta de quem gravou as imagens, embora cause danos à privacidade e à intimidade da pessoa gravada, foi utilizada contra agressão injusta, atual e iminente.
“Sendo assim, não há ilicitude a ser reconhecida, devendo a ação penal ter o seu normal prosseguimento, a fim de elucidar os fatos adequadamente narrados pela acusação”, concluiu o ministro.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.