A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o Tribunal Regional Federal da Terceira Região (TRF3) analise novamente ação civil pública contra três delegados da Polícia Civil de São Paulo por atos cometidos durante a ditadura militar no âmbito do Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).
Ao determinar o novo julgamento, a turma reformou acórdão do TRF3 que, entre outros pontos, entendeu ter havido a prescrição de alguns dos pedidos do Ministério Público Federal (MPF) e aplicou a Lei de Anistia para afastar os pleitos de reparação de caráter civil e administrativo.
Na ação civil pública contra os delegados, o MPF relata práticas de tortura, desaparecimento e homicídio de várias pessoas tidas como opositoras do regime militar. Uma das vítimas apontadas pelo MPF foi o jornalista Vladimir Herzog, morto na prisão em 1975.
O MPF pede que os agentes sejam condenados a indenizar os familiares das vítimas e tenham cassadas as aposentadorias, ou percam os cargos públicos que eventualmente exerçam, e ainda que fiquem impedidos de assumir quaisquer novas funções públicas. O MPF também requereu a condenação dos delegados ao pagamento de danos morais coletivos, e do Estado de São Paulo à publicação de pedidos formais de desculpas à sociedade brasileira, além do fornecimento dos dados de todos os funcionários envolvidos nas atividades do DOI-Codi.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância, com sentença mantida pelo TRF3. Para o tribunal, a Lei de Anistia alcançou todos os atos cometidos no período do regime militar, inviabilizando a pretensão de punição civil e administrativa dos agentes.
Além de considerar que os pedidos de indenização civil por atos de tortura estariam prescritos e que não seria possível aplicar retroativamente a Lei de Improbidade Administrativa – publicada em 1992 –, o TRF3 concluiu que as indenizações do Estatuto do Anistiado Político incluem reparações morais, não havendo margem para o reconhecimento da indenização por dano moral coletivo ou do pedido oficial de desculpas.
Lei inaplicável
O ministro Og Fernandes, relator do recurso do MPF, apontou precedente do STJ no sentido de que a Lei de Anistia não incide sobre as causas civis, de forma que o Judiciário não poderia estender a sua aplicação para alcançar hipótese não prevista pelo legislador.
O relator também lembrou que, nos termos da Súmula 624, é possível cumular a indenização por dano moral com a reparação econômica da Lei da Anistia Política. “Nada distingue, no ponto, os danos morais individuais dos coletivos, que podem ser livremente buscados, independentemente da previsão do Estatuto do Anistiado”, afirmou.
Além disso, Og Fernandes destacou que a Lei da Ação Civil Pública fixa expressamente que essa via processual pode ser utilizada para obter a reparação de danos. Segundo o ministro, a obrigação de pedido de desculpas também encontra amparo na legislação, diante dos princípios da reparação integral do dano e da tutela específica.
“Quanto à pretensão de fornecimento dos dados de servidores que prestaram serviços ao DOI-Codi, tampouco se mostra inviabilizada pela Lei de Anistia. Trata-se de registros públicos, de caráter funcional, cujo acesso é assegurado à sociedade, inclusive por via administrativa, nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011)”, disse o ministro.
Crimes imprescritíveis
Ainda de acordo com o relator, ao contrário do que entendeu o TRF3, a jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que são imprescritíveis as ações civis fundamentadas em atos de perseguição política, tortura, homicídio e outras violações de direitos fundamentais cometidas durante o regime militar, independentemente do que tenha entendido a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou do que estabeleçam os tratados internacionais de que o Brasil é parte.
Em relação à cassação de aposentadoria, Og Fernandes considerou descabido que o acórdão do TRF3 tenha invocado a Lei de Improbidade Administrativa – norma não suscitada pelo MPF –ؘpara negar o pedido pela impossibilidade de retroação e, dessa forma, deixar de discutir a incidência das normas estatutárias efetivamente apontadas pelo autor da ação.
“Portanto, não há nenhum óbice apriorístico quanto às pretensões da parte autora. Assim, devem os autos retornar à origem, para prosseguimento da instrução”, concluiu o ministro.