O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, atendeu pedido da empresa Borborema Energética S.A. para sustar a cobrança, pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), de mais de R$ 3,6 milhões relativos ao período em que vigorou uma liminar que impedia a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de exercer o poder de polícia administrativa em contrato de geração de energia.
A liminar, concedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), foi suspensa pelo próprio ministro Noronha em dezembro de 2019, a pedido da Aneel.
O processo analisado pelo STJ teve origem em ação ajuizada pela Borborema Energética contra a agência reguladora com o objetivo de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, celebrado após leilão de geração de energia em 2007.
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, mas o TRF1 anulou a sentença e determinou o retorno dos autos à origem para a realização de perícia. Além disso, o tribunal concedeu liminar para impedir que penalidades relacionadas aos fatos discutidos nos autos fossem impostas à Borborema.
Todavia, o ministro Noronha entendeu que a decisão do TRF1 afetava diretamente o exercício do poder de polícia da Aneel, com graves repercussões no interesse público e com possibilidade de efeito multiplicador em outras empresas do setor, o que poderia causar perigoso desequilíbrio do sistema de fornecimento de energia. Por isso, na decisão de dezembro, o ministro sustou os efeitos do acórdão em relação à concessão da liminar.
Prudência
Em petição ao STJ, a Borborema alegou que a CCEE está aplicando aquela decisão do ministro Noronha de forma retroativa e, após apurar o débito milionário, informou à empresa geradora que passaria a abater a dívida de sua receita fixa mensal.
De acordo com o presidente do STJ, a liminar concedida à Borborema pelo TRF1 “não tinha por efeito a remissão ou liberação de dívidas porventura existentes em razão do contrato em debate”.
“Sem adentrar a questão relativa à modulação de efeitos no âmbito de suspensão de segurança ou de suspensão de liminar e de sentença – já que a decisão por mim proferida se limitou a estabelecer que a Aneel pode exercer seu poder de polícia –, é prudente que a CCEE não exerça a cobrança do montante discutido – decorrente de ajustes relativos aos meses em que a liminar suspensa estava vigente – até ulterior deliberação sobre essa questão”, afirmou.
João Otávio de Noronha ressaltou que a questão relativa à viabilidade e à pertinência da modulação dos efeitos será analisada em momento oportuno e que “está assegurado o poder de polícia da Aneel”.
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Dívida atribuída à Termelétrica Pernambuco III é suspensa até que Aneel preste informações ao STJ
Até que sejam prestadas informações pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha, determinou a suspensão da cobrança de uma dívida de mais de R$ 35 milhões atribuída à Termelétrica Pernambuco III por geração de energia em montante inferior ao solicitado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
A termelétrica ajuizou ação contra a Aneel para promover o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de geração de energia. Afirmou que, apesar de ter sido contratada para gerar energia termelétrica sob a modalidade disponibilidade (na qual o gerador assume a obrigação jurídica de manter sua usina disponível para acionamento, a qualquer tempo, pelo ONS), teria sido demandada em número de horas muito superior ao supostamente estipulado no edital de contratação de energia.
O juízo de primeiro grau julgou improcedente a demanda, extinguindo o feito com resolução do mérito. Contra essa decisão, a termelétrica interpôs apelação e formulou pedido de tutela cautelar antecedente, que foi deferida por desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para atribuir efeito suspensivo ao recurso, impedindo a imposição de penalidades à usina até o julgamento da questão em segunda instância.
No julgamento da apelação, o TRF1, por unanimidade, anulou a sentença e determinou o retorno dos autos à origem para a realização de perícia, mantendo a liminar concedida nos autos da tutela cautelar.
Contrato por disponibilidade
A Aneel pediu ao STJ a suspensão da liminar, alegando, entre outros pontos, que em um sistema predominantemente hidrelétrico, como o brasileiro, a capacidade de geração de energia varia bastante durante o ano e, também, ao longo dos anos, dependendo das condições hidrológicas.
Segundo ela, o contrato por disponibilidade celebrado com termelétricas busca conferir segurança e garantia de suprimento, já que a energia fornecida por essas usinas é mais cara do que a de fonte hidráulica, sendo que seu acionamento ocorre quando as fontes energéticas mais baratas não são suficientes para o atendimento do mercado consumidor.
A Aneel argumentou que a decisão que impede a aplicação de qualquer penalidade à Termelétrica Pernambuco III afronta não só disposições contratuais, mas, também, um grande conjunto de regras regulatórias que buscam preservar a segurança e a confiabilidade do sistema elétrico brasileiro. Essa situação, afirmou a agência reguladora, gera prejuízo ao exercício de suas competências legais e à própria segurança do sistema, o que configura grave lesão à ordem administrativa.
Em outubro de 2019, o presidente do STJ entendeu que a decisão causava embaraço desproporcional ao exercício da atividade administrativa da Aneel e deferiu pedido para sustar os efeitos do acórdão do TRF1, tão somente na parte em que manteve a liminar que impedia a aplicação de penalidades à termelétrica.
Efeitos retroativos
A Termelétrica Pernambuco III peticionou ao STJ alegando que a decisão suspensiva está sendo aplicada de forma retroativa pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), a qual computou contra ela débito de R$ 35.933.881,41.
Segundo a petição, a CCEE passou a glosar a receita fixa mensal devida a ela, de forma que, até que todo o valor seja quitado, a usina não vai receber a receita mensal de cerca de R$ 11,5 milhões. Ela afirmou que possui em caixa aproximadamente R$ 100 mil, montante insuficiente para o exercício das suas atividades, e que, com a cobrança do débito, as operações ficarão inviabilizadas.
O presidente do STJ explicou que a questão relativa à cobrança pela CCEE de eventuais débitos oriundos do tempo em que vigorou a liminar impeditiva refoge ao objeto e às partes do pedido em análise, pois não se trata do exercício de polícia em si, já que não é a Aneel que efetua os descontos, mas sim a CCEE, pessoa jurídica de direito privado.
Ao sustar a cobrança até que a Aneel apresente resposta às alegações da termelétrica, o ministro destacou que sua decisão de outubro “não tinha por efeito a remissão ou liberação de dívidas porventura existentes em razão do contrato”. Noronha ressaltou que a decisão por ele proferida se limitou a estabelecer que a Aneel pode exercer o seu poder de polícia, não adentrando a questão relativa à modulação de efeitos da suspensão de liminar.
Processos: SLS 2572 e SLS 2625