A maioria dos ministros da Sexta Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu que não é possível a absolvição sumária de comerciante acusado de contrabando se há dúvida razoável quanto ao seu conhecimento acerca da procedência estrangeira das máquinas caça-níqueis apreendidas no estabelecimento e dos respectivos componentes.
O entendimento levou em consideração precedentes nos quais se afirma que é incabível a absolvição sumária quando não evidenciada nenhuma das hipóteses previstas nos incisos I a IV do artigo 397 do CPP (Código de Processo Penal).
De acordo com esses incisos, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar, por exemplo, a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato ou a extinção da punibilidade do agente. No caso, o colegiado entendeu que foi descabido o afastamento do dolo do agente, sem a devida instrução probatória, impondo-se, dessa forma, o prosseguimento da ação penal.
Conhecimento técnico
O Ministério Público Federal entrou com recurso especial contra decisão do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região) que, por maioria, manteve sentença que absolveu uma comerciante da prática do crime de contrabando.
“Não resta dúvida de que a parte ré tinha consciência de que praticava contravenção penal; entretanto, a questão, no presente feito, se cinge ao delito de contrabando e ao fato de o agente ter ou não ciência da origem estrangeira das máquinas ou de seus componentes eletrônicos”, afirmou a decisão do TRF-2.
Para o tribunal regional, é improvável que os comerciantes, em sua maioria, tenham o conhecimento técnico necessário para saber que alguns componentes eletrônicos das máquinas caça-níqueis (placa-mãe e coletor de cédulas) são de origem estrangeira e de importação proibida.
“Sob o fundamento de ocorrência de erro de tipo, com exclusão do dolo e consequentemente da tipicidade; e, com vistas ao atendimento da política criminal estabelecida com as inovações da Lei 11.719/08, entendo que a manutenção da sentença de absolvição sumária se configura como a solução mais adequada para o presente feito”, afirmou o relator do caso no TRF-2.
A comerciante foi denunciada porque mantinha em seu estabelecimento – e utilizava em proveito próprio e alheio – duas máquinas caça-níqueis de procedência estrangeira, sem documentação legal e que, teoricamente, sabia terem componentes introduzidos no país de forma clandestina.
Postura precipitada
No STJ, o Ministério Público alegou que “presumir, de plano, antes da devida instrução processual, que houve erro de tipo, afastando o dolo, tal qual fizeram o juízo de piso e a turma do TRF-2, é postura precipitada e que não encontra qualquer amparo na legislação de regência”.
Sustentou, ainda, que a conclusão da sentença sobre a atipicidade da conduta, em função da ocorrência do erro de tipo, foi tomada com base em uma impressão subjetiva do magistrado, que entendeu não ser perceptível ao homem médio o fato de que o Brasil não produz placas-mãe e outros componentes eletrônicos existentes nas máquinas eletronicamente programadas.
Dúvida
Em seu voto, o relator do caso, ministro Og Fernandes, entendeu que não se pode afirmar, de antemão, que a acusada não tinha conhecimento acerca da origem estrangeira dos componentes eletrônicos das máquinas. “A existência da dúvida é manifesta, mostrando-se descabido o afastamento do dolo da agente sem a devida instrução probatória, impondo-se o prosseguimento da ação penal”, disse ele.
A ministra Assusete Magalhães seguiu o entendimento do ministro Og Fernandes, no sentido de que “as possibilidades de absolvição sumária por ausência de dolo não se amoldam a qualquer das hipóteses do artigo 397 do CPP”. Por isso, o processo deveria retornar ao primeiro grau para o prosseguimento da ação penal.
Súmula 7
Já o ministro Sebastião Reis Júnior considerou que a análise da existência de dúvida quanto ao não conhecimento, pela comerciante, acerca da origem estrangeira dos componentes leva, necessariamente, ao reexame fático-probatório, o que incabível devido à Súmula 7 do STJ.
A ministra Maria Thereza de Assis Moura acompanhou a divergência, ressaltando que há inúmeros casos semelhantes em que a Sexta Turma aplicou a Sumúla 7.
Desempate
Em seu voto de desempate, o ministro Rogerio Schietti acompanhou a posição do relator. Segundo ele, a probabilidade de que a maioria dos comerciantes não conheça a origem estrangeira dos componentes do equipamento ilegal nada mais significa do que a incerteza sobre qual seria, então, a minoria conhecedora de tal aspecto intrínseco ao tipo do crime de contrabando.
Segundo o ministro, a partir do que atesta a própria decisão do TRF-2, é insustentável decretar, na primeira fase da persecução criminal, a absolvição sumária da comerciante pela alegada ocorrência de erro de tipo, com fundamento no artigo 386, inciso III, do CPP.
Em decorrência da ida do ministro Og Fernandes para a Primeira Seção do STJ, a ministra Assusete Magalhães lavrará o acórdão.