Por considerar inadequada a incidência da qualificadora de homicídio mediante pagamento ou promessa de recompensa (artigo 121, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal), a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (6) redimensionar as penas de três réus condenados pela chamada Chacina de Unaí. No episódio, ocorrido em 2004, três auditores fiscais e um motorista do Ministério do Trabalho foram assassinados enquanto exerciam a fiscalização do trabalho rural no município de Unaí (MG).
Com a retirada da qualificadora, o colegiado fixou a pena do proprietário rural Norberto Mânica – acusado de ser o mandante do crime – em 56 anos e três meses de reclusão. Já para os réus José Alberto de Castro e Hugo Alves Pimenta – denunciados por contratarem os pistoleiros que executaram os disparos contra os servidores –, o colegiado fixou a pena em 41 anos e três meses e em 27 anos de reclusão, respectivamente.
De acordo com o Ministério Público Federal, os três auditores fiscais e o motorista do carro estavam próximos a uma fazenda quando foram vítimas de tiros disparados por assassinos profissionais. Os auditores morreram na hora, enquanto o motorista faleceu horas depois do crime.
Após a condenação do tribunal do júri, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) fixou a pena de reclusão de Norberto Mânica em 65 anos e sete meses; a de José Alberto de Castro em 58 anos e dez meses; e a de Hugo Alves Pimenta – corréu beneficiado por ter sido colaborador – em 31 anos e seis meses. No acórdão, o TRF1 manteve a qualificação do crime pelo pagamento de recompensa.
Qualificadora de paga não se aplica a mandantes do crime
Relator dos recursos especiais, o ministro Ribeiro Dantas explicou que, segundo a jurisprudência mais recente do STJ, a qualificadora de paga se aplica apenas aos executores diretos do homicídio, porque são eles que recebem, efetivamente, o pagamento ou a promessa de recompensa para executar o crime.
“Como consequência, o mandante do delito não incorre na referida qualificadora, já que sua contribuição para o cometimento do homicídio em concurso de pessoas, na forma de autoria mediata, é a própria contratação e pagamento do assassinato”, completou o ministro.
Apesar dessa posição, Ribeiro Dantas reconheceu a existência de julgados do STJ em sentido contrário, porém o magistrado se baseou em entendimento da doutrina no sentido de que a qualificadora é voltada para aquele que obtém a recompensa pela execução do crime, ou seja, não poderia ser aplicada àquele que a oferece, pois sua motivação é diferente da prevista na qualificadora.
A qualificadora do artigo 121, parágrafo 2º, inciso I, do CP, segundo o ministro, “diz respeito à motivação do agente, tendo a lei utilizado, ali, a técnica da interpretação analógica. Vale dizer: o homicídio é qualificado sempre que seu motivo for torpe, o que acontece exemplificativamente nas situações em que o crime é praticado mediante paga ou promessa de recompensa, ou por motivos assemelhados a estes”.
Qualificadora não poderia ser apresentada aos jurados, mas não há motivo para anulação
O relator lembrou que os executores diretos da chacina foram julgados em autos apartados, de modo que, no recurso analisado, está presente apenas o núcleo apontado pelo Ministério Público como mandante do crime. Por essa razão, para o ministro, a qualificadora de paga não poderia nem ter sido colocada como quesito para os jurados no julgamento desses réus.
Entretanto, Ribeiro Dantas considerou não ser necessária a anulação do júri como um todo, sendo suficiente a retirada da qualificadora ilicitamente considerada na dosimetria da pena.
“Sem a qualificadora da paga, a única circunstância que permanecerá a qualificar o homicídio será a do inciso V do artigo 121, parágrafo 2º, do CP, o que impõe seu decote na segunda fase da aplicação da pena. Para além desse impacto no cálculo do apenamento, nenhuma outra consequência advirá da exclusão da qualificadora da paga”, apontou.
Segundo o relator, situação distinta ocorreria se o vício tivesse ocorrido nos quesitos de autoria, de materialidade ou da absolvição, porque, nessas hipóteses, estaria prejudicada a compreensão da própria vontade popular quanto à condenação dos réus.
“Nesta ação penal, contrariamente, inexiste dúvida quanto à autoria e à materialidade do delito, estando clara, também, a opção dos jurados pela condenação. Como se não bastasse, permanece hígida uma das qualificadoras reconhecidas pelo júri (a do artigo 121, parágrafo 2º, inciso V, do CP), de maneira que tampouco se questiona o enquadramento das condutas dos recorrentes como homicídios qualificados”, concluiu o ministro.
Processo: REsp 1973397