O Supremo Tribunal Federal começou a debater, na quinta-feira (13/3), se o dispositivo da Repercussão Geral, criado em 2004 com a Emenda Constitucional 45, pode ser aplicado a Recursos Extraordinários que discutem matérias já pacificadas da Corte.
O Recurso Extraordinário é um instrumento jurídico em que se contesta decisão de outros tribunais que, em tese, feriram a Constituição. A Repercussão Geral possibilita que o Supremo deixe de apreciar recursos que não tenham maiores implicações para a sociedade.
Além disso, no caso de processos com Repercussão Geral para a sociedade, o dispositivo permite que a decisão da mais alta Corte do país seja aplicada a todos o processos que discutem a mesma questão. Conforme o Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário, o Recurso Extraordinário e o Agravo de Instrumento (usado para confrontar decisões de tribunais que impedem o envio de Recursos Extraordinários ao STF) representam mais de 90% do número de processos distribuídos aos ministros do Supremo.
Esta semana, os ministros começaram a decidir se a Presidência do STF pode ou não levar ao Plenário, sem prévia distribuição para um relator, os recursos que tratem de questões que já tenham jurisprudência pacificada da Corte.
A proposta de que o recurso não seja distribuído, para ser levado ao Pleno pela Presidência da Corte, foi da ministra Ellen Gracie, presidente do STF. Para ela, é adequado atribuir os efeitos da Repercussão Geral para as questões constitucionais já decididas pelo Plenário.
Segundo a ministra, a adoção desse procedimento permitirá que o Plenário reafirme a jurisprudência ou, se for o caso, revise seu próprio entendimento, só que de uma forma mais célere.
Se a decisão da Corte for reafirmada, ela passará a ser aplicada pelos tribunais brasileiros a todos os demais recursos que tratem da mesma matéria. “Com isso se evita uma série de atos burocráticos para renovar, eventualmente, o julgamento de centenas de questões já pacificadas pelo Tribunal”, justificou a ministra.
Mesmo sem consignar seu voto, o ministro Menezes Direito afirmou que a solução proposta por Ellen Gracie é “prática”, sem impedir que as matérias sejam examinadas pelos ministros. “O fato de trazer ao Plenário chancela a idéia da Repercussão Geral.”
Divergência
O ministro Marco Aurélio adiantou seu voto contra a proposta da ministra. Para ele, a base para aplicação da Repercussão Geral é o pronunciamento do Plenário. Por isso, os recursos devem ser distribuídos regularmente e ir a julgamento para a aplicação ou não do princípio da Repercussão Geral. “Sem o crivo do Tribunal, sob o ângulo da Repercussão Geral, não há a conseqüência do instituto, ou seja, a eficácia vinculante [da Repercussão Geral para decisões colegiadas do STF]”, ressaltou.
O julgamento não continuou porque a ministra Cármen Lúcia pediu vista. Ela prometeu reabrir a votação em 15 dias, na semana subseqüente à Semana Santa.
Caso concreto
A discussão acontece em um Recurso Extraordinário ingressado no Supremo pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A instituição contesta decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que determinou a incidência de juros em precatório no período entre a data da liquidação e da inclusão dos valores na lista de precatórios.
O Supremo já decidiu na linha contrária, determinando que não há incidência de juros quando o Estado expedir um precatório (RE 298.616). Os juros podem ser aplicados se o governo deixar de pagar a dívida para o credor até o fim do exercício financeiro seguinte.
Segundo informações do ministro Marco Aurélio, o credor em questão terá uma subtração de 9% no valor do precatório que lhe é devido pela UFSM, caso o precedente do Supremo seja aplicado.
Números
A aplicação da Repercussão Geral pelo Supremo Tribunal Federal, quase um ano depois de sua regulamentação, revela que era infundado o receio de que o instituto cercearia o acesso à Justiça. É o que se conclui da análise dos 38 primeiros casos em que a repercussão foi analisada. Um levantamento divulgado pela revista Consultor Jurídicomostra que em 74% dos casos (29 recursos), os ministros entenderam que o tema merece atenção do tribunal — ou seja, o interesse da matéria transcende o interesse das partes. Somente 26% dos recursos (nove casos) receberam a negativa dos ministros
Das matérias que mais receberam o carimbo da Repercussão Geral, destacam-se as de Direito Tributário. Elas somam 12 casos. Depois vêm as de Direito Administrativo, com nove processos. Direito Civil e Constitucional aparecem em terceiro e quarto lugares no ranking, respectivamente. Os ministros se debruçaram sobre apenas uma matéria de Direito Trabalhista e avaliaram que nela havia Repercussão Geral.
RE 579.431
Revista Consultor Ju