O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa concedeu liminar parcial na Reclamação (RCL) 9835, suspendendo temporariamente uma ação de cobrança em curso na Justiça do Rio de Janeiro em que se discute a constitucionalidade do artigo 38 da Lei nº 8880, de 27 de maio de 1994, que estabelece a regra de conversão do cruzeiro real para a URV (Unidade Real de Valor), instituída na fase de implantação do Plano Real, entre julho e agosto de 1994.
Segundo tal artigo, a correção monetária mencionada “tomará por base preços em Real, o equivalente em URV dos preços em cruzeiros reais, e os preços nominados ou convertidos em URV dos meses imediatamente anteriores, segundo critérios estabelecidos em lei”. Estabeleceu, assim, a correção pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M).
Cobrança
Na ação em curso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), objeto da Reclamação proposta ao STF, a Corella Consultoria e Serviços Limitada cobra R$ 12,403 milhões pela recompra de participação no empreendimento Shopping Iguatemi Rio, anteriormente pertencente ao América Football Club. Tal participação foi adquirida pela Iguatemi Empresa de Shopping Centers S/A, antiga La Fonte Empresa de Shopping Centers S.A.; pela Icatu Holding S.A. e por Carlos Francisco Ribeiro Jereissati, Luis Antônio Nabuco de Almeida Braga e Luciana Moura de Almeida.
A Corella reclama a correção do débito com base nos expurgos inflacionários do Plano Real (julho e agosto de 1994 – 40% e 7,56%, respectivamente). Já os autores da RCL sustentam a ilegalidade da metodologia de cálculo proposta pela Corella, defendendo a correção pelo artigo 38 da Lei 8.880.
Na transposição para a nova moeda, o governo procurou corrigir problemas que costumam ocorrer em mudanças de padrões monetários, qual seja a conjugação da defasagem dos índices de correção com uma brusca desaceleração da inflação na ocasião da mudança do regime. Isto porque tal conjunção poderia resultar em uma superestimativa da reposição do valor da moeda e, portanto, em desequilíbrio das obrigações.
Reclamação
Na Reclamação, a Iguatemi Empresa de Shoppings e os demais autores alegam que uma decisão de 29 de setembro do ano passado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), que determinou o prosseguimento da ação de cobrança, descumpriu liminar concedida em agosto de 2006 pelo ministro Sepúlveda Pertence (aposentado) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 77, ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif).
Naquela oportunidade, o ministro, tendo em vista a existência de decisões divergentes sobre a validade da regra de conversão da URP para o Real, suspendeu a tramitação de todos os processos no país que versassem sobre o assunto.
Lembrou, nesse contexto, que a matéria envolve “pendências judiciais vultosas” e alertou para o risco de surgimento de um novo “esqueleto” de dimensões imprevisíveis. Na época, a Advocacia Geral da União (AGU) estimou tal montante em aproximadamente R$ 26,5 bilhões caso a regra de conversão, instituída pelo artigo 38 da Lei 8.880/94, seja considerada inconstitucional.
Suspensão
A Corella obteve sentença favorável na Justiça do Rio de Janeiro, pela procedência do seu pedido. O Iguatemi e os demais envolvidos na recompra apelaram ao TJ-RJ, mas este o rejeitou. Dessa decisão, eles interpuseram Recursos Especial (RESP) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Extraordinário (RE) ao STF. Foi quando sobreveio a liminar concedida pelo ministro Sepúlveda Pertence na ADPF 77.
Em um primeiro momento, o TJ-RJ atendeu ao requerimento para suspensão do processo, em respeito à decisão tomada. Entretanto, em setembro passado, determinou o prosseguimento do feito. É esta decisão que está sendo atacada pela RCL agora em curso no STF.
A ADPF 77 ainda está em discussão no STF. Em outubro de 2007, foi iniciado seu julgamento em Plenário, mas um pedido de vista do ministro Cezar Peluso determinou a sua suspensão.
Decisão
Embora ressaltasse reservar-se o direito a uma nova apreciação em tempo oportuno, o ministro Joaquim Barbosa observou que, à primeira vista, parece-lhe que a decisão do TJ-RJ choca-se com o que ficou decidido na liminar deferida pelo ministro Sepúlveda Pertence na ADPF 77. Assim, disse concedê-la para preservar “o quadro fático-jurídico atual”.
Ao decidir, o ministro ressaltou que “medidas liminares são precárias e efêmeras e podem ser reexaminadas a qualquer momento pelo órgão jurisdicional, se houver modificação das circunstâncias que deram ensejo à tutela de emergência”.
Portanto, segundo ele, “a medida liminar que ora se concede não pode ser interpretada de modo a estabilizar quaisquer expectativas ou a consolidar situações fáticas ou jurídicas”. Segundo o ministro, a decisão se limita tão somente à fixação do índice de correção da dívida à luz do artigo 38 da Lei 8.880/1994.