por Alexandre Libonati de Abreu, Ana Paula Vieira de Carvalho e Valéria Caldi Magalhães
Aqueles que militam na área do Direito sabem que o juiz não deve dar ouvidos a boatos, mas formar seu convencimento com base na prova dos autos. Somos doutrinados, desde os bancos escolares, a ignorar tudo que não está formalmente juntado ao processo e submetido ao exame criterioso das partes.
Tal postura, correta sob o aspecto processual, não deve, contudo, ser seguida como padrão de comportamento dos juízes fora das hipóteses de julgamento. Embora cega a Justiça, seus juízes têm olhos e ouvidos, e os boatos que hoje correm podem, se ignorados, servir a anseios que em nada servem ao bem comum.
Por essa razão ora se aborda, dada a gravidade de seus aspectos e nocividade de suas conseqüências, o ainda boato de criação, no âmbito nacional, de cadastro que imponha o registro de linhas telefônicas sob monitoramento autorizado judicialmente. Impõe-se mencionar que, em nenhum momento, cogita-se de restringir o controle sobre monitoramentos ilegais. Ao revés, o que causa espécie é que, sob tal mote — a suposta proliferação de monitoramentos ilegais — estabeleça-se um controle ilegal sobre monitoramentos legais.
A lei 9.296/96, que regulamenta a matéria, exige que os pedidos se submetam ao controle judicial, restringindo o acesso às informações unicamente aos envolvidos na execução e persecução penal. Tamanha a preocupação do legislador com as garantias individuais e o sigilo das pessoas monitoradas que impôs, no artigo 10º, pena de reclusão de dois a quatro anos e multa a quem quebrar o segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei.
Parece-nos que o pretendido “controle” sobre as linhas monitoradas legalmente e o compartilhamento de informações sigilosas com autoridades administrativas que tenham acesso ao citado cadastro violam, frontalmente, o citado artigo 10º da lei 9.296/96.
Mas a preocupação com os boatos não se resume ao aspecto legal. Numa percepção pragmática, questiona-se: qual a finalidade desse controle? Se o monitoramento ilegal, por óbvio, não poderia ser registrado nesse cadastro, quais seriam os destinatários dessa norma? Os juízes que, corretamente, deferem pedidos de monitoramento telefônico? E por qual motivo se deseja controlar os juízes que agem corretamente? Não seria mais razoável controlar aqueles que assim não procedem? Por outro lado, ainda sob o aspecto prático, seria desnecessário mencionar os enormes riscos — não só para as investigações em curso, mas para a intimidade das pessoas — que a indevida divulgação desse cadastro trará.
Se, com todas as cautelas que hoje são tomadas, não são raros os casos de vazamento de informações sigilosas, sobressai o risco sobre um cadastro único, que centralize todas as informações sobre pessoas legalmente monitoradas. O acesso a esse cadastro passaria a constituir bem valiosíssimo, passível de negociações políticas e ilícitas de todo tipo.
Não existem mecanismos capazes de assegurar o sigilo necessário a esse provável cadastro, mormente diante das fragilidades que a experiência demonstra. Assim, esperamos que a discussão se esvazie no campo que lhe é próprio — o dos boatos —e que o bom senso prevaleça.
[Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, desta sexta-feira, 13 de junho.]
Revista Consultor Jurídico