por Alberto Germano
Um ponto comum nas ações judiciais de danos morais é a intrínseca tese de dor moral intensa sofrida pelo autor, resultando em pedidos de valores indenizatórios considerados absurdos para a realidade brasileira. Como conseqüência, profissionais desatentos, ao simples observar de tais “valores absurdos”, passam expressamente a defender a tese da “indústria do dano moral”, “indústria das indenizações” ou “vitimização do dano moral”. Não se fixando em nenhum momento sobre a natureza e a fundamentação jurídica do pedido, perpetuando ou até mesmo contribuindo para a existência no mundo jurídico de decisões judiciais que efetivamente recepcionam a tese da indústria do dano moral em solo brasileiro, ao arrepio da nossa legislação.
Sem prejuízo do casuísmo que revele a veracidade deste tipo de tese, o fato é que na verdade ela encobre algo muito mais grave que o desejo de “enriquecer” às custas dos danos perpetrados, a saber, algo que podemos chamar de “indústria da irresponsabilidade”, que não é fenômeno recente, menos ainda oportunista, e poderia ser chamado também simplesmente de “cultura da irresponsabilidade”.
Em outras palavras, ao renunciar ao direito de polemizar processualmente acerca da constitucionalidade das decisões judiciais ou dos “pedidos de valores absurdos”, o profissional ataca o “pedido absurdo” em si, questiona se o valor é ou não expressivo, quase que implorando ao juiz que não permita que a “indústria das indenizações” se instale no país, como ocorre nos Estados Unidos. Trata-se de equívoco infantil, desconhecimento da lei e até mesmo desapego à constitucionalidade.
É preciso ver que o bem moral integra aquilo que se denomina patrimônio jurídico de uma pessoa, sendo muito mais valioso que os bens materiais. Assim não fosse, o direito não protegeria os direitos da pessoa, o direito à intimidade, ao nome, entre outros exemplos de direitos não materiais.
O direito impõe o dever de reparar o dano. A indenização pecuniária é uma forma de se minimizar o sofrimento causado à vítima de ato culposo ou doloso. Quando não minimiza, por já ser tarde demais, compensa o sofrimento. O certo é que não é consoante o ordenamento jurídico, nem com o senso de justiça, permitir-se dano sem reparação.
Não há o mínimo receio em se admitir que o dano moral é reparável mediante pecúnia. O que não se admite, sob hipótese alguma, é que os pedidos e as decisões judiciais assumam caráter punitivo ao réu, uma vez que a punição é matéria eminentemente criminal e não prevista em nossa legislação, que deva o suposto ofensor ser punido pedagogicamente ou exemplarmente ante sua ação ou omissão, no sentido de que não venha mais a praticar o ato.
E é daí que decorre o equívoco dos profissionais ao abordar, em suas defesas, a tese de que os autores balizam seus pedidos na “milionária indústria de indenização norte-americana ou européia”, argumento falacioso que, data venia, tem levado a Justiça brasileira a se equivocar no momento de estabelecer o quantum indenizatório.
Nos Estados Unidos a legislação é totalmente diversa da indenização estabelecida em nossa Constituição Federal. Lá na América do Norte, é previsto o punitive damages (danos punitivos), que apregoa a “teoria do valor do desestímulo”, segundo a qual, na fixação da indenização pelos danos morais sofridos, deve o magistrado estabelecer um valor capaz de impedir/dissuadir práticas semelhantes, assumindo forma de verdadeira punição criminal no âmbito cível.
A repercussão da teoria do valor do desestímulo em nosso país é de tal envergadura que o Projeto de Lei 6.960, de 12 de junho de 2002, que pretende alterar o Novo Código Civil, atualmente em tramitação perante a Câmara dos Deputados, prevê expressamente a possibilidade de se estabelecer uma indenização a título de danos morais de caráter punitivo. Ora, se há projeto em trâmite, há que se reconhecer que ainda não há lei que permita ao magistrado decidir sobre caráter punitivo em ações que versem sobre danos morais.
Cumpre ressaltar, contudo, que o instituto dos danos punitivos dos Estados Unidos não guarda qualquer semelhança com o instituto da indenização por danos morais do Direito brasileiro. Os danos punitivos dos EUA não se referem à indenização devida em função dos danos materiais e morais sofridos. Os danos punitivos, também chamados de “danos exemplares” ou “danos vingativos” (exemplary or vindictive damages), não são estipulados para ressarcir/compensar um dano.
Sobre a definição de danos punitivos, confira-se a tradução livre do verbete exemplary or punitive damages, presente no respeitável dicionário jurídico Black’s Law Dictionary: Danos exemplares referem-se a uma indenização em escala elevada, concedida ao autor em patamar superior ao valor necessário para compensá-lo pela perda patrimonial. Destinam-se a punir o réu por sua conduta perniciosa ou para servir de exemplo, razão pela qual são também denominados danos “punitivos” ou “vingativos”.
Os danos punitivos são geralmente estipulados em casos extremos, envolvendo dolo e culpa grave por parte do ofensor/agente, constituindo-se em valor muito superior ao estipulado a título de danos materiais e morais, como no caso Grefer vs. Alpha Technical Services Inc., Nº 97-15003, da Corte Distrital de Los Angeles, onde a indenização pelos danos materiais e morais foi fixada em US$ 250 mil e a indenização pelos danos punitivos chegou à casa do US$ 1 bilhão (citado em “Top Plaintiff’s Verdicts”, publicado no site www.law.com em 11/02/2002).
O sistema americano, de forma diferente da brasileira, garante o direito do cidadão em ter um caso cível julgado por um júri popular. Nesse sentido, grande parte das condenações em danos punitivos nos EUA é estipulada por estes juizes leigos, que são previamente orientados pelo juiz togado acerca da natureza independente dos danos punitivos em relação aos danos compensatórios (materiais e morais).
Por todo o mencionado, principalmente pela verossimilhança das argumentações aqui exposadas, entendemos ressarcíveis tão somente a devolução do valor do dano material (se comprovados por perícia que efetivamente não se prestavam ao fim a que se destinavam), lucros cessantes (se comprovados nos autos) e, quanto ao dano moral, contrapor-se à tese do “caráter punitivo” que não está albergado na legislação pátria.
Revista Consultor Jurídico