A publicação de conteúdo protegido, em blog na internet sem autorização, gera a obrigação de indenizar o dono do material. E quando o prejuízo material não puder ser contabilizado de acordo com o número de acessos ao site, por omissão do portal, a Justiça pode determinar o critério a ser utilizado. Foi o que entendeu a 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. A segunda instância determinou que a empresa Google Brasil pagar 3 mil vezes o valor de cada video multiplicado por cada curso disponibilizado. Eles foram publicados sem autorização. Cabe recurso.
A Telejur, de razão social Botelho Indústria Distribuição Cinematográfica, produz e vende vídeos aula na área de educação à distância para interessados em prestar concursos públicos e fazer o Exame da Ordem dos Advogados. Porém, a empresa viu seus vídeos serem publicados no blog Rei dos Concursos sem o crédito. A empresa então notificou a Google, dona do serviço de blogs “blogspot”. O conteúdo não foi removido.
Em primeira instância, o pedido da Telejur para condenar a Google foi julgado improcedente. Na segunda instância, os desembargadores entenderam que há a necessidade de indenizar sim por danos materiais. A Telejur foi defendida pelos advogados Adriano Marteletto Godinho, Wilson Furtado Roberto e Paulo Gontijo.
No acórdão, o relator Saldanha da Fonseca destacou que, pelo artigo 22, da Lei nº 9.610/98 (Direitos Autorais), o autor tem os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. Além do inciso XXVII, do artigo 5º, da Constituição de 88, que assegura ao autor o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras.
“Assim, restando clara a reprodução do material didático de autoria do recorrente, sem que lhe fosse atribuído o devido crédito, inafastável se mostra não só o dano patrimonial como também o dano moral sofrido, restando-nos apenas, o exame da responsabilidade indenizatória”.
“Registre-se ainda, que no caso dos autos, a empresa apelante sequer informou os dados cadastrais e o número do IP (Internet Protocol) do computador que identificaria os criadores da página atacada”, diz trecho do acórdão.
O TJ mineiro também mandou a empresa indenizar a instituição educacional no valor de R$ 10 mil, corrigidos monetariamente a partir desta decisão, acrescidos de juros de mora desde o evento danoso, em 1% (um por cento) ao mês.
Leia a decisão:
EMENTA: INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS – DISPONIBILIZAÇÃO NA INTERNET DE MATERIAIS DE AUTORIA DO REQUERENTE E COMERCIALIZADOS POR ELE – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – TEORIA DO RISCO – DEVER DE INDENIZAR – QUANTUM INDENIZATÓRIO – FIXAÇÃO. – O parágrafo único do art. 927 do Código Civil, adota a teoria do risco, estabelecendo que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar risco para os direitos de outrem. – O provedor de serviço de internet, ao disponibilizar espaço em sites de relacionamento virtual (blogs), em que seus usuários podem postar e disponibilizar qualquer tipo de texto, sem prévia fiscalização, e muitas vezes, com procedência desconhecida, assume o risco de gerar danos a outrem, sendo de se aplicar a eles a teoria do risco. – Ao fixar o valor da indenização, deve-se ter em conta as condições do ofendido, do ofensor e do bem jurídico lesado.
APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.08.037843-3/005 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): BOTELHO IND DISTRIBUICAO CINEMATOGRAFICA LTDA – APELADO(A)(S): GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA – RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 12ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador SALDANHA DA FONSECA , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM REJEITAR PRELIMINAR E DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 10 de novembro de 2010.
DES. ALVIMAR DE ÁVILA – Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA:
VOTO
Trata-se de recurso de apelação interposto por Botelho Indústria Distribuição Cinematográfica Ltda., nos autos da ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos materiais e morais com pedido liminar”, movida em face de Google Brasil Internet Ltda., contra decisão que julgou improcedente o pedido inicial (f. 267).
Em suas razões, o apelante suscita preliminar de nulidade da sentença, por ausência de fundamentação. No mérito, alega ser dever da apelada averiguar a existência de eventuais ilícitos ocorridos em seu espaço virtual, principalmente depois de ser notificada para tanto. Defende que faz parte do risco do negócio da apelada o mau uso dos seus serviços disponibilizados na internet. Sustenta que a responsabilidade dos fornecedores de serviços é objetiva. Afirma que houve prejuízo econômico imensurável, haja vista que as aulas e cursos ministrados ficaram à disposição de milhões de usuários da internet. Salienta ser inegável o dano moral sofrido, em razão da reprodução indevida dos materiais didáticos. Por fim, pugna pelo provimento do recurso, com a conseqüente procedência do pedido inicial (f. 268/277).
A apelada apresentou contrarrazões (f.310/335), pugnando pelo desprovimento do recurso.
Conhece-se do recurso por estarem presentes os pressupostos de admissibilidade.
Inicialmente, passa-se ao exame da preliminar de ausência de fundamentação legal, suscitada pelo apelante.
Constitui entendimento pacífico nos tribunais que o juiz não está adstrito a responder, uma a uma, todas as alegações da parte, bastando que apresente os motivos fáticos e jurídicos que justifiquem a decisão prolatada, sendo que, se assim procede, afigura-se impossível falar em nulidade da sentença ao argumento de que teria ocorrido omissão na tutela jurisdicional.
Contendo a decisão:
“suficiente fundamento para justificar a conclusão adotada, na análise do ponto do litígio, não cabe falar em omissão. Não basta a omissão sobre o argumento da parte, eis que este pode ser rejeitado implicitamente” (Embargos 281/89, TJMGS, rel. Des. Castro Alvim).
Ressalta-se que somente ocorre o vício de nulidade da sentença que se encontra ausente do mínimo de motivação necessária à apreciação da matéria, sendo inadmissível falar-se em invalidade do decisum se o juiz expôs sucintamente as razões que o levaram a formar a sua convicção, como ocorre na hipótese sub judice.
Nesse sentido, o entendimento adotado nos tribunais:
“A sentença parca de fundamentação não pode ser tida como nula, mesmo porque não se pode confundir falta de fundamentação com fundamentação sucinta” (JM, vol. 69/119).
“O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade de motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-se ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade” (Ap. Cível n. 11.286-TJSC, rel. Des. Reynaldo Rodrigues Alves).
Nessa mesma linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 77.792 deixou assentado que:
“Somente a sentença não motivada é nula; não a sentença com motivação sucinta ou deficiente. a motivação, que constitui preceito de ordem pública, é que põe a administração da justiça a coberto da suspeita dos dois piores vícios que possam manchá-la: o arbítrio e a parcialidade.” (in Revista dos Tribunais, v. 479, p. 235)
Vale consignar que a discordância da parte em relação à fundamentação adotada pelo juiz não tem o condão de tornar nula a decisão.
Portanto, vê-se que, definitivamente, não há qualquer vício na r. sentença, motivo pelo qual, rejeita-se a preliminar, e passa-se ao exame do mérito recursal.
Trata a espécie de ação indenizatória ajuizada por Botelho Indústria Distribuição Cinematográfica Ltda. contra a Google Brasil Internet Ltda, na qual se discute a responsabilidade civil desta empresa, pela divulgação desautorizada de materiais de aula de autoria do apelante, disponibilizados por servidores de hospedagem da recorrida em sites da internet (www.reidosconcursos.blogspot.com).
A impressão da página da internet referente ao aludido sítio virtual (f.37/84) comprova satisfatoriamente que o material de aula de autoria do curso Telejur vem sendo disponibilizado gratuitamente por servidores de hospedagem da recorrida, sendo o dano, a nosso aviso, incontroverso, tendo em vista a reprodução e divulgação desautorizada da obra do autor, mormente considerando que o material foi disponibilizado em famoso site de concursos públicos, amplamente difundido e de livre acesso na rede mundial de computadores.
Ora, a Lei n.º 9.610/98, que trata da legislação referente aos direitos autorais e conexos, assegura ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou, em seu artigo 22.
Ainda, há que ser destacado o inciso XXVII, do artigo 5º, da CF/88, que assegura ao autor o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras.
Assim, restando clara a reprodução do material didático de autoria do recorrente, sem que lhe fosse atribuído o devido crédito, inafastável se mostra não só o dano patrimonial como também o dano moral sofrido, restando-nos apenas, o exame da responsabilidade indenizatória.
De início, deve ser ressaltado que não se olvida da preliminar de ilegitimidade passiva suscita pela ré, em sua contestação, todavia por estarem os argumentados defendidos diretamente afetos ao mérito, mas especificamente à configuração ou não da responsabilidade, com ele será analisado.
Convém desde logo enfatizar que, ainda não existem leis adequadas às características do universo virtual, no entanto, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil, adota, em termos genéricos de conduta, a teoria do risco, estabelecendo que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assim, tenho que a empresa apelada ao disponibilizar espaço em sites de relacionamento virtual (blogs), em que seus usuários podem postar e disponibilizar qualquer tipo de texto, sem prévia fiscalização, e muitas vezes, com procedência desconhecida, assume o risco de gerar danos a outrem, sendo de se aplicar ao caso sub judicie, portanto, a referida teoria do risco, a qual defende a responsabilidade objetiva daquele que extrai lucro com o exercício da atividade que gera margem ao dano.
Sobre o tema, a propósito, colhe-se o escólio de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, em sua obra “Responsabilidade Civil”, preleciona:
“A meu ver, o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco criado”.
E continua:
“Fazendo abstração da idéia de culpa, mas atentando apenas no fato danoso, responde civilmente aquele que, por sua atividade ou por sua profissão, expõe alguém ao risco de sofrer um dano” (ob.cit., p. 288).
Nesse contexto, entendo que há responsabilidade objetiva dos provedores de serviços de internet que devem responder por possíveis danos gerados pelos conteúdos que disponibilizam na rede.
Nesse sentido:
“INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. ORKUT.
O prestador do serviço orkut responde de forma objetiva pela criação de página ofensiva honra e imagem da pessoa, porquanto abrangido pela doutrina do risco criado; decerto que, identificado o autor da obra maligna, contra ele pode se voltar, para reaver o que despendeu.(TJMG.Apel. Cível nº 1.0701.08.221685-7/001. Relator: Des. Saldanha da Fonseca. J. 05/08/2009).”
Registre-se ainda, que no caso dos autos, a empresa apelante sequer informou os dados cadastrais e o número do IP (Internet Protocol) do computador que identificaria os criadores da página atacada.
Assim, concluiu-se que, não se dispondo a apelada de criar meios de identificação precisa do usuário, quando se predispõe a criar novas páginas no site, entendo que ela assume, integralmente, o ônus por eventual dano, não havendo como eximir sua responsabilidade pelos danos ocasionados ao autor, merecendo reforma, portanto, a r. sentença vergastada.
Com relação à fixação dos danos morais, não existe forma objetiva de aferir e quantificar o constrangimento e o abalo psíquico decorrentes de infundada acusação da prática de ato juridicamente condenável. É por isso que, em casos desta natureza, recomenda-se que o julgador se paute pelo juízo da eqüidade, levando em conta as circunstâncias de cada caso, devendo o quantum da indenização corresponder à lesão e não a ela ser equivalente, porquanto impossível, materialmente, nesta seara, alcançar essa equivalência.
Esse numerário deve proporcionar à vítima satisfação na justa medida do abalo sofrido, produzindo, nos causadores do mal, impacto bastante para dissuadi-los de igual procedimento, forçando-os a adotar uma cautela maior, diante de situações como a descrita nestes autos.
Neste sentido o Superior Tribunal de Justiça:
“DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. SÚMULA 07.
Em recurso especial somente é possível revisar a indenização por danos morais, quando o valor fixado nas instâncias locais for exageradamente alto, ou baixo, a ponto de maltratar o Art. 159 do Código Beviláqua. Fora desses casos, incide a Súmula 7, a impedir o conhecimento do recurso.
“A indenização deve ter conteúdo didático, de modo a coibir reincidência do causador do dano sem enriquecer a vítima.” (STJ – AgRg no AG 603097 / RS(2004/0052805-8) – T3 – Terceira Turma – Rel. Ministro Humberto Gomes de Barros – DJ. 08/03/2005)
Portanto, o ressarcimento pelo dano moral decorrente de ato ilícito é uma forma de compensar o mal causado, e não deve ser usado como fonte de enriquecimento ou abusos. Sua fixação deve levar em conta o estado de quem o recebe e as condições de quem paga.
Considerando os parâmetros acima destacados, conclui-se que é razoável a indenização no importe de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que implica em uma quantia proporcional à lesão causada.
No que concerne aos danos patrimoniais, estes são assegurados pelos artigos 102, 103 e 106 da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), sem prejuízo dos danos morais.
É evidente que a divulgação gratuita dos materiais comercializados pelo recorrente trouxe-lhe imenso prejuízo financeiro, tendo havido a apresentação de documentação suficiente para comprovar o valor de cada material disponibilizado na internet (f. 85/88).
Em contestação a ré não impugnou especificamente os documentos apresentados, devendo, portanto, serem considerados incontroversos os valores neles descritos.
Contudo, tem-se que os documentos de f.85/88, por si só, não permitem apurar o prejuízo efetivamente sofrido pelo autor, pois não descreve quantas pessoas tiveram acesso aos arquivos eletrônicos.
Logo, a apuração do quantum debeatur dos lucros cessantes deverá ser realizada na fase seguinte por um perito, em liquidação de sentença por arbitramento, ante a ausência de elementos a ensejar sua fixação na presente oportunidade, ou caso a perícia não consiga determinar a quantidade exata de exemplares disponibilizados, seja aplicada a norma descrita no art. 103, parágrafo único da Lei 9.610/98.
Pelo exposto, da-se provimento ao recurso para reformar a r. sentença vergastada e julgar procedente o pedido inicial. Reconhece-se a responsabilidade da requerida para condená-la ao pagamento de indenização por danos morais e materiais ao autor, nos seguintes termos:
a) danos morais, arbitrados na quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos monetariamente a partir desta decisão, observada a tabela da douta Corregedoria-Geral de Justiça, e acrescidos de juros de mora desde o evento danoso, em 1% (um por cento) ao mês.
b) danos materiais a serem apurados em sede liquidação de sentença por arbitramento. Caso seja impossível a quantificação exata de quantas pessoas tiveram acesso aos arquivos eletrônicos, seja a requerida condenada a pagar o valor equivalente a 3.000 (três mil) exemplares de cada exemplar disponibilizado na internet (art. 103, parágrafo único da Lei 9.610/98).
c) a requerida deverá suportar, ainda, as custas e despesas processuais, bem como os honorários advocatícios de sucumbência, devidos em favor do patrono do autor, no importe de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação.
Custas recursais pela apelada.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): SALDANHA DA FONSECA e DOMINGOS COELHO.
SÚMULA : REJEITARAM PRELIMINAR E DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.