Inocência ficou comprovada quando o verdadeiro estuprador foi reconhecido em 2012.
O juiz da 5ª Vara da Fazenda Estadual, Rogério Santos Araújo Abreu, condenou o Estado de Minas Gerais a indenizar em R$ 3 milhões o artista plástico E.F.Q, atualmente com 69 anos, como reparação por tê-lo condenado injustamente – sob acusação de cinco crimes de estupro – e tê-lo mantido preso por 18 anos.
E.F.Q. ficou preso enquanto o verdadeiro estuprador, Pedro Meyer Ferreira Guimarães, estava solto. Somente em 2012, Pedro Meyer foi preso ao ser reconhecido pelas vítimas como verdadeiro autor dos crimes.
A decisão, publicada quarta-feira (9/10), condena o Estado a pagar uma indenização de R$ 2 milhões, em parcela única, a título de indenização por dano moral e mais R$ 1 milhão, por danos existenciais. Os valores deverão ser corrigidos monetariamente e os juros contados desde a data em que foi preso injustamente, em agosto de 1995.
O juiz ainda ratificou a decisão antecipada, confirmando o pagamento vitalício ao artista plástico de 5 salários mínimos mensais, como complementação de renda. E.F.Q. ainda terá direito aos valores retroativos, a contar da data em que foi preso.
Prisão no lugar de outro
De acordo com a ação de reparação de danos movida por E.F.Q., ele foi preso e algemado em agosto de 1995, quando conversava com sua namorada em uma praça do bairro Colégio Batista, sem mandado de prisão, sob a alegação de ter sido reconhecido por uma das vítimas de uma série de estupros ocorridos naquela época.
Levado à delegacia, outras vitimas o apontaram como autor de outros estupros. Isso motivou seu indiciamento e posterior condenação em cinco processos. E.F.Q. alegou ainda que confessou os crimes mediante tortura, física e psicológica.
O artista plástico disse também que, durante o período em que esteve detido, depois preso preventivamente, e posteriormente cumprindo a pena, passando por diversas unidades prisionais, foi submetido a diversas situações que o levaram à perda da honra, imagem, dignidade.
Afirmou que tais adversidades provocaram uma vulnerabilidade no estado emocional, que só não o levou ao auto-extermínio porque foi apaziguada quando ele começou a fazer artesanato, pintar, ler, escrever cartas para os outros presos e a trabalhar na prisão, atitudes pessoais às quais ele atribui a sua “salvação”.
Ele citou ainda que, durante o período em que esteve preso, perdeu o contato com a família, em especial com o filho. Descobriu também, depois que saiu da prisão, que sua mãe e cinco de seus irmãos haviam morrido.
Revisão criminal
Somente em 2012, após a prisão e o reconhecimento pelas vítimas do verdadeiro autor dos crimes, Pedro Meyer Ferreira Guimarães, é que o autor pôde pedir a revisão criminal de suas cinco condenações e ver reconhecida sua inocência, o que, no entanto, não foi suficiente para lhe devolver o que considera ter perdido nos 18 anos em que esteve preso.
A imputação da prática de um crime de alta rejeição social como o estupro causou, segundo E.F.Q., além da perda de liberdade, a dor de carregar um estigma e ter sua imagem totalmente transfigurada, da noite para o dia.
Defesa
Em sua defesa, o Estado alegou não ter responsabilidade objetiva, e sim haver responsabilidade subjetiva, que deve ser baseada na culpa ou dolo do agente estatal. Porém argumentou que, em relação aos processos pelos quais o réu foi condenado a um total de 37 anos de prisão, o conjunto de servidores públicos agiu no estrito cumprimento do dever legal. Portanto, o Estado não deveria ser responsabilizado pelos danos que o autor alega ter sofrido.
O Estado ainda discordou dos pedidos do artista plástico, que requereu duas indenizações, por danos morais e existenciais pelo mesmo fato, alegando inclusive que o dano existencial não é reconhecido pelo ordenamento jurídico do Brasil.
Decisão
Ao analisar a ação, o juiz Rogério Santos Araújo observou que o Estado também está subordinado à lei e é não só um sujeito de direitos, mas também de obrigações. O magistrado considerou que as revisões criminais reconheceram o equívoco das condenações e que o Estado tem o dever de indenizar todo aquele que sofreu prejuízos em decorrência das decisões judiciais manifestamente equivocadas.
O juiz considerou ainda serem devidas as indenizações por ambos os danos alegados pelo artista plástico. Rogério Santos Araújo explicou que o dano moral consiste na lesão sofrida pela pessoa no tocante à sua personalidade, em um aspecto não econômico, não patrimonial. Citou que o dano moral lesiona a esfera subjetiva de um indivíduo, atingindo os valores personalíssimos inerentes à sua qualidade de pessoa humana, tal qual a honra, a imagem, a integridade física e psíquica, a saúde, etc., e provoca dor, angústia, sofrimento, vergonha.
Já o dano existencial não diz respeito à esfera íntima do ofendido, mas sim, trata-se de um dano que decorre de uma frustração ou de uma projeção, que impede a realização pessoal do trabalhador, com perda da qualidade de vida e, por conseguinte, prejudica sua personalidade modificando para pior o modo de o indivíduo relacionar-se no contexto social.
A ação tramita sob o número 5054558-63.2016.8.13.0024.