Em decisão proferida durante o plantão judicial, o Des. Sérgio Fernandes Martins, Corregedor-Geral de Justiça do TJMS, concedeu provimento ao agravo de instrumento interposto por uma mulher grávida, em face de seu plano de saúde, em razão deste ter negado o fornecimento de um medicamento essencial para a manutenção de sua gravidez de risco.
Conforme se depreende do processo, a agravante, uma dona de casa de 31 anos, que se encontra no primeiro trimestre de uma gestação, possui o diagnóstico de SAF, síndrome do anticorpo antifosfolipídeo, também conhecida por Síndrome de Hughes.
Essa doença autoimune é um mal crônico, em que o organismo passa a produzir anticorpos que afetam a coagulação sanguínea, levando à formação de coágulos que acabam obstruindo a passagem de sangue nas veias e artérias, tornando-se uma causa importante de trombofilia e abortos repetidos. Segundo a Sociedade Brasileira de Reumatologia, o risco de perda do feto em mulheres portadoras de SAF é de cerca de 80%, sendo considerada, portanto, uma gravidez de risco, tanto para a criança porvir, quanto para a futura mãe.
A bibliografia obstétrica atual determina, nestes casos, a administração diária, dentre outros remédios, de heparina sódica, uma molécula com ação anticoagulante. No entanto, segundo informações trazidas pela própria agravante, referido medicamento possui um alto custo, de forma que a dona de casa teria que desembolsar cerca de 20 mil reais para assegurar a saúde pessoal e de seu filho durante toda a gestação e estado puerperal (45 dias após o parto).
Deste modo, a mulher buscou, em primeiro lugar, os órgãos de saúde pública, para que fornecessem a heparina gratuitamente, porém teve sua solicitação negada. Em vista disso, ela fez requerimento similar ao plano de saúde do qual é beneficiária, contudo também recebeu uma negativa para o pedido.
A empresa alegou que o medicamento pretendido somente é fornecido para os usuários do plano em casos de internação e urgência, não sendo, portanto, possível a disponibilização do medicamento para a retirada pela paciente. Para se justificar, o plano ainda mencionou a existência de uma cláusula contratual expressa sobre a não-cobertura do fornecimento de medicamentos de qualquer natureza em âmbito domiciliar, como seria o caso da agravante.
Inconformada, a grávida ingressou com ação judicial contra o plano de saúde requerendo, liminarmente, a tutela de urgência para determinar o fornecimento imediato e obrigatório de medicamento a base de heparina para autoaplicação, conforme prescrito em laudo médico acostado aos autos.
Em primeiro grau, no entanto, o magistrado que analisou o pedido não o atendeu, justamente por conta da cláusula exclusiva do contrato celebrado entre as partes.
A mulher agravou da decisão durante o recesso forense e o desembargador de plantão, Sérgio Fernandes Martins, após analisar detidamente o caso, concedeu-lhe o direito. Segundo o desembargador, embora a cláusula ora em questão, de fato, esteja embasada na Lei Federal 9.656/98, que regula os planos de saúde, e seja permitido a estas empresas limitar a cobertura de determinadas doenças, não cabe a elas limitar procedimentos e insumos médicos terapêuticos indicados por um profissional habilitado e especializado na busca da cura da doença que acomete o usuário do plano.
Assim, em uma interpretação sistemática e compatível com o Código de Defesa do Consumidor, o desembargador entendeu abusiva a cláusula em litígio e afastou sua aplicação. “Defiro o pedido de tutela de urgência e determino seja fornecido à agravante, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, o medicamento até que seja prolatada sentença nos autos de origem, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00, limitada a 30 (trinta) dias”, decidiu a autoridade.
Após o fim do feriado forense, o agravo foi distribuído ao desembargador relator Luiz Tadeu Barbosa Silva, o qual ratificou a decisão anteriormente dada, mantendo a obrigação de fornecimento do medicamento.