Os desembargadores da 2ª Câmara Criminal do TJMS acataram, por unanimidade, o pedido de uma empresa de Fundição e de sua administradora para inocentá-las do crime de poluição sonora de qualquer natureza. A decisão considerou que os ruídos de 65 decibéis, constatados na empresa, apesar de serem infração administrativa, por lei municipal, não causa dano à saúde, como prevê a Legislação Ambiental. Em primeiro grau, a empresa foi condenada a pagar 30 salários-mínimos e sua administradora à pena de 1 ano e 6 meses de reclusão, em regime semiaberto, e 15 dias-multa, ambas pela prática do crime previsto no art. 54, da Lei n. 9.605/1998.
Com esta decisão, ingressou com recurso de Apelação Criminal, sustentando, preliminarmente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa e violação aos princípios do contraditório e o devido processo legal e, no mérito, pugnando a absolvição por ausência de provas da materialidade delitiva e atipicidade da conduta ou, subsidiariamente, a desclassificação da conduta para contravenção penal e a fixação da pena-base da administradora da empresa no mínimo legal e a substituição da pena privativa de liberdade desta por restritivas de direito.
Para o relator do recurso, Des. Ruy Celso Barbosa Florence, a condenação foi embasada no fato de a Lei Municipal n. 2.909/92, em seu art. 88, e a Lei Complementar n. 08/96, em seu art. 9º, inc. II, estabelecerem para a zona onde se encontrava instalada a empresa da apelante o volume de emissão sonora para o horário da medição em, no máximo, 59 db(A). Ocorre que o art. 54 da Lei de Crimes Ambientais, Lei 9.605/98, não estabelece ser crime contrariar os limites sonoros estabelecidos pela Lei Municipal, configurando-se em norma penal em branco.
Para buscar estabelecer qual seria a situação que ensejasse insalubridade, o relator se baseou nas normas trabalhistas, que estabelecem como insalubre o nível de ruído acima de 85dB(A), com exposição de 8 horas diárias (Norma Regulamentadora 15 – Atividades e Operações Insalubres – Anexo I – da Portaria n. 3.214/78, do Ministério do Trabalho).
“Ou seja, o nível de ruído medido na empresa apelante, mesmo se fosse considerado apto o laudo de fiscalização, estava muito abaixo do que é considerado produtor de mal à saúde (insalubre)”, explicou Florence.
Segundo o desembargador, os elementos normativos da Lei de Crimes Ambientais, que asseveram sobre o dano à saúde humana, não restaram demonstrados, o que caracteriza uma situação de ausência de tipicidade, encaixando-se na conhecida doutrina da tipicidade conglobante do jurista argentino Eugenio Raúl Zaffaroni.
Para essa teoria, aceita tanto pela doutrina como pela jurisprudência do Brasil, o Estado não pode considerar como típica uma conduta que é fomentada ou tolerada pelo próprio Estado. Isso quer dizer que a tipicidade deve ser concretizada de acordo com o sistema normativo examinado em sua globalidade. Se uma norma permite, fomenta ou determina uma conduta, não pode estar proibida por outra.
“Em tal linha, quando o Estado incentiva a instalação de indústrias, autoriza o funcionamento das mesmas, e estabelece regras e parâmetros para que permaneçam em atividade, esses mesmos parâmetros devem ser considerados para a incidência ou não de outras normas do sistema”, disse Ruy Celso.
Também, no voto, restou segmentado que, existindo legislação estabelecendo ser insalubre apenas os barulhos ou ruídos produzidos pelas empresas, acima de 85 dB(A), esse é o parâmetro que o julgador deve utilizar para complementar a norma penal em branco contida na proposição jurídica do art. 54 da Lei Ambiental, e não os valores de lei municipal que trata apenas de aspectos de convivência social e sossego público, nada trazendo sobre insalubridade.
O desembargador analisou, ainda, o pedido de a conduta configurar-se em contravenção penal, cuja pena máxima cominada é de três meses, e a prescrição, conforme redação do art. 109, VI, do Código Penal, ocorre em três anos.