A cláusula que estabelece o prazo de carência deve ser afastada em situações de urgência, tais como doença grave, pois o direito à vida se sobrepõe a qualquer outro interesse. Essa foi a tese defendida pela Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso ao analisar a Apelação Cível n. 0038465-50.2015.8.11.0041 e manter decisão favorável a uma paciente cardíaca.
Em Primeira Instância, uma cooperativa de trabalho médico foi condenada a autorizar um procedimento cirúrgico denominado “cirurgia para troca valvar, drenagem de pericárdio, instalação do circuito de instalação, dissecção de veia ou colocação de cateter, cateterismo da artéria radial, instalação de marca-passo, com acompanhamento de perfusionista” e diárias em enfermaria, em hospital disponibilizado pela rede credenciada, no prazo de 24 horas, bem como a pagar R$ 10 mil, atualizados com correção monetária a partir da sentença e com juros de mora de 1% ao mês a contar da data do evento danoso, a título de danos morais, além das custas e honorários advocatícios em 15% sobre o valor da condenação.
No recurso, a cooperativa de trabalho médico alegou inicialmente a legalidade da negativa em virtude do período de carência estabelecido para os casos de internação. Argumentou que a paciente adquiriu o plano em 01/07/2015, com término do prazo de carência para internação em 01/01/2016, conforme disposto claramente na cláusula XVII, qual seja, 180 dias. Sustentou a legalidade do ato praticado, em razão da cláusula IX e do art. 16, III, da Lei 9.656/98. Assinalou que o contrato faz lei entre as partes e deve ser respeitado por força do princípio do pacta sunt servanda. Salientou ainda que “o mero descumprimento de cláusula contratual controvertida não enseja a condenação por dano moral” e que não ficou demonstrado o prejuízo sofrido e, por isso, não há danos morais.
No processo, a paciente explicou que manteve plano de saúde com a ré por mais de 20 anos e que, em razão da inadimplência de algumas mensalidades, ele foi encerrado. Ela tentou reativá-lo, mas não conseguiu e acabou adquirindo novo plano, em julho de 2015. Um mês depois da inclusão, sofreu mal súbito no ambiente de trabalho, com fortes dores no peito, tontura, fraqueza, e desmaiou. Após consulta com especialistas, foi diagnosticada com obstrução na válvula aórtica – estenose aórtica (CID I 35), sendo-lhe indicada a cirurgia. O procedimento deveria ser realizado com urgência, sob pena de ter infarto ou acidente vascular cerebral (AVC). Ela obteve liminar favorável à cirurgia.
“Os documentos juntados aos autos, principalmente o de id. 23203466, demonstram a necessidade de imediata realização da intervenção cirúrgica indicada, pois há risco de morte. O STJ entende ser válida a cláusula que estabelece período de carência, contudo essa orientação deve ser afastada em situações excepcionais, quando a recusa na cobertura do atendimento comprometer a razão de ser do próprio negócio jurídico, que é a manutenção da vida”, ressaltou o relator do recurso, desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho.
O magistrado ressaltou que a Lei nº. 9.656/1998, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, preceitua no art. 12, inciso V, alínea “c”, com redação dada pela Medida Provisória nº. 2.177-44/2001, “prazo máximo de vinte e quatro horas para a cobertura dos casos de urgência e emergência”.
Em relação ao dano moral, o desembargador Rubens de Oliveira salientou que o abalo suportado pela paciente é evidente “ante a frustração e aflição a que foi submetida quando mais precisava ter retribuída a expectativa e boa-fé depositada na apelante para a qual contribui financeiramente. Para ver reconhecido seu direito teve de ingressar com demanda judicial, sendo indiscutível que o contexto extrapolou a esfera de meros aborrecimentos.” Ele entendeu ser adequado e razoável os R$ 10 mil fixados em Primeira Instância.
Na decisão, o magistrado majorou os honorários recursais para 18% sobre o valor da condenação.
Veja o acórdão.