A Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso manteve a decisão determinando que um réu seja levado a júri popular, por ter causado a morte de um motociclista. O réu foi denunciado porque estaria dirigindo embriagado, trafegando pela contramão e colidido com um motociclista, causando-lhe a morte.
Entenda o caso: o caso aconteceu no dia 6 de fevereiro de 2021, por volta das 21h45, na avenida Dr. Meireles, na Capital. A vítima trafegava pela avenida Dr. Meireles (sentido rotatória da avenida das Torres, bairro Tijucal), quando foi atingida pela caminhonete do réu, que estaria em velocidade superior à permitida e em ultrapassagem perigosa. Com o impacto, a vítima foi arremessada e seu corpo ficou preso no suporte de carga que havia na caçamba da caminhonete.
Mesmo assim, e apesar de ter sido alertado por testemunhas de que a vítima estaria presa na carroceria, o réu empreendeu fuga, por aproximadamente 49 km, causando sofrimento intenso e desnecessário na vítima.
Ao interceptarem o réu, os policiais constataram que ele estaria visivelmente embriagado, uma vez que houve a recusa em fazer o teste do bafômetro.
Decisão de primeiro grau: diante dos fatos, o réu foi pronunciado (decisão que determina que o réu seja julgado pelo Tribunal do Júri), por homicídio doloso, qualificado pelo meio cruel.
No processo consta que o réu estava embriagado e trafegava pela contramão de direção, demonstrando sua indiferença ao resultado, tendo assumido de forma livre e consciente o risco de produzir a morte da vítima.
Inconformado com a sentença de pronúncia, o réu interpôs Recurso em sentido estrito no Tribunal de Justiça. O caso foi julgado pela Primeira Câmara Criminal.
Tese da defesa: no recurso, a defesa do réu alegou que o crime não foi doloso, por isso não deveria ir a júri popular. Pediu a desclassificação do crime para homicídio culposo na direção de veículo automotor, ou ainda a exclusão da qualificadora.
A respeito da embriaguez, o réu alegou que não ingeriu bebida alcoólica e teve um “apagão” (mau súbito, escureceu as vistas) no momento do acidente, em razão da diabetes e pressão alta que possui. Alega que deixou o local porque ouviu pessoas gritando (assustou, não sabia o que estava acontecendo e ficou com medo) e quando retornou foi preso.
Decisão em segundo grau: ao julgar o recurso em sentido estrito, os desembargadores da Primeira Câmara Criminal não acataram os argumentos da defesa e mantiveram, por unanimidade, a decisão de submter o réu a júri popular.
O relator do caso, desembargador Marcos Machado, argumentou no processo que a constatação de embriaguez por agentes policiais e as declarações de testemunhas mostram-se suficientes para atestar alteração da capacidade psicomotora do condutor pela influência de álcool. Na esfera penal, a culpa concorrente da vítima não exclui a responsabilidade do agente, não sendo admitida a compensação de culpas. A embriaguez voluntária, a alta velocidade, a condução de veículo na contramão e fuga sem prestar socorro à vítima após colisão, somados, indicam que o recorrente assumiu o risco de matar, de modo que o julgamento acerca da ocorrência de dolo eventual compete ao Tribunal do Júri, na qualidade de juiz natural da causa. O dolo eventual e as qualificadoras objetivas são compatíveis. O meio cruel subsiste quando a conduta do agente aumenta o sofrimento da vítima, notadamente porque teria percorrido longa distância com o corpo da vítima preso ao veículo, potencializando a reprovação da conduta.
Veja o processo nº 1002484-27.2021.8.11.0042
Diário de Justiça Eletrônico Nacional – CNJ – MT
TJMT – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO MATO GROSSO – DJEN
Processo: 1002484 – 27.2021.8.11.0042 . REPRESENTANTE: POLÍCIA JUDICIÁRIA CIVIL DO ESTADO DE MATO GROSSO
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO
REU: JOSÉ EDUARDO DE OLIVEIRA
Vistos. Cuida-se de ação penal instaurada em face de JOSE EDUARDO DE OLIVEIRA por denúncia pelo cometimento do crime capitulado no artigo 121, §2º, inciso , III do Código Penal. Em síntese, narra à peça inaugural que no dia 06 de fevereiro de 2021 o denunciado ao dirigir seu veículo embriagado, na contramão de direção, colidiu com o motocicleta que a vitima pilotava e fugiu do local sem prestar assistência. Assim, resta evidente que além de sua indiferença ao resultado, ele assumiu de forma livre e consciente o risco de produzir a morte de Fábio Pereira de Andrade. A denúncia foi recebida no dia 12/03/2021, oportunidade na qual reconheceu este como o juízo competente para apreciação e determinou a citação do réu (id. 50860054). Devidamente citado, o denunciado JOSE EDUARDO DE OLIVEIRA apresentou resposta a acusação, id. 53336115. Pugna ainda o acusado, pela desqualificação do tipo penal imputado para que o agente responda pelo crime tipificado como HOMICIDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. Termo de audiência instrutória assentado juntado nos autos, movimento n°61425287. Em sede de memoriais finais, pleiteou o Ministério Público pela pronuncia do denunciado nos integrais termos pleiteados na inicial acusatória. Id. 50446269 Ao seu passo, em sede de memoriais finais, a defesa de (i) – seja rejeitado a qualificadora meio cruel;(ii) seja reconhecida a ausência de nexo causal entre a conduta imputada e o resultado morte, em virtude da culpa exclusiva da vítima, para absolver sumariamente ou impronunciar o acusado;(iii) seja reconhecida a inexistência de provas da alteração da capacidade psicomotora pelo consumo de álcool, assim como de qualquer comportamento indiferente do acusado, a autorizar a absolvição sumária ou a impronúncia do acusado;- seja reconhecida a inexistência de elementos mínimos do alegado dolo eventual, com a consequente desclassificação da imputação principal para aquela do artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, remetendo-se o feito ao juízo competente. Vieram os autos conclusos. É o relato do essencial. Fundamento e decido. Infere-se do Capítulo II do Título I do Livro II do Código de Processo Penal, que o procedimento relativo aos processos da competência do Tribunal do Júri rege-se de forma escalonada: na primeira fase, há apenas intervenção do juiz togado, hipótese em que pode ser reconhecido ao Estado o direito de submeter o acusado a julgamento perante o Tribunal do Júri; na segunda fase, dá-se início propriamente à preparação do processo para julgamento em plenário. Ao final da primeira fase, o juiz disporá de quatro distintas decisões: (i) pronuncia o réu, determinando o seu julgamento em plenário do Tribunal do Júri perante o Conselho de Sentença, porque conclui existir prova convincente do crime e indícios suficientes da autoria ou da participação; (ii) impronuncia o réu, porque não se convence da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação; (iii) absolve-o sumariamente, porque conclui provada a inexistência do fato ou de não ser o acusado o autor ou partícipe do fato, bem como quando conclui que o fato não constitui infração penal ou quando resta demonstrada causa de isenção de pena ou exclusão do crime; e (iv) desclassifica os fatos, porque está convencido da existência de crime diverso dos crimes dolosos contra a vida, com a consequente remessa dos autos ao juízo competente. Pois bem. A materialidade do crime de homicídio encontra-se assentada no boletim de ocorrência N°2021.34752 (id.48996894), auto de prisão em flagrante delito(id. 48996895 ),auto de constatação de embriagues(id.48996907), laudo de necropsia (id. 50446274), relatório policial (id. 48996902) e áudios de ligações realizadas junto ao Centro Integrado de Operações de Segurança- CIOSP.( id.49605318) Os indícios de autoria, de igual modo, encontram-se delineados nos autos. A testemunha FABIO DE PAULA BORGES FILHO (Nome Social SOLDADO FABIO FILHO, policial militar, narrou que a PM foi acionada via CIOSP para se deslocar tendo em vista que havia caminhonete S10 de cor Branca, transitando pela Fernando Correia da Costa , com corpo de um homem sendo carregado no capô da caminhonete, todavia, ao encontrar o acusado, o corpo já se encontrava na carroceria do veiculo. Informa ainda que no momento da abordagem indagaram o motorista sobre o que havia ocorrido, e o mesmo respondeu que não sabia o que tinha acontecido. Narra ainda que neste momento, o acusado apresentava visível estado de embriagues, fala desconexa, forte odor etílico, olhos avermelhados e cambaleando. Sendo ofertado ao condutor da caminhonete a realizar o teste do bafômetro, o mesmo recusou , neste momento sendo realizado o auto de contestação. A testemunha EMERSON GUIMARAES DE LIMA, policial militar, narrou que a PM foi acionada via CIOSP para se deslocar tendo em vista que havia caminhonete S10 de cor Branca, transitando pela Fernando Correia da Costa , com corpo de um homem sendo carregado no capô da caminhonete, todavia, ao encontrar o acusado, o corpo já se encontrava na carroceria do veiculo. Informa ainda que no momento da abordagem indagaram o motorista sobre o que havia ocorrido, e o mesmo respondeu que não sabia o que tinha acontecido. Narra ainda que neste momento, o acusado apresentava visível estado de embriaguez, fala desconexa, forte odor etílico, olhos avermelhados e cambaleando. Sendo ofertado ao condutor da caminhonete a realizar o teste do bafômetro, o mesmo se recusou, neste momento sendo realizado o auto de contestação. A testemunha WAGNER MARQUES RIZALDE, morador do residencial Esplanada, local do acidente, narra que estava na frente do prédio quando escutou a aceleração e viu quando a caminhonete S10 invadiu a contramão e colidiu com a vítima, momento que o corpo do motoqueiro foi arremessada e caiu em cima do veículo. Narra ainda, que gritou para o motorista “SEU LOUCO, O CORPO ESTA EM CIMA DA CARROCERIA”, e mesmo assim o acusado fugiu do local. As testemunhas MAURO SERGIO DE PAULA e SIMONE BATISTA DOS SANTOS, esclarecem em sede de depoimento que estavam em seu veículo marca TOYOTA COROLLA, quando a cerca de 100 metros da rotatória uma caminhonete S10 , em alto velocidade, os ultrapassou e colidiu de frente com uma motocicleta, que vinha em sentido contrário, sendo o motoqueiro jogado para cima da caminhonete. O depoente informa que seguiu o motorista, porém o mesmo começou a acelerar passando por bairros como: Costa Marques, São Sebastião, Pascoal Ramos. Afirma ainda, que durante o trajeto a depoente SIMONE, ligou para o CIOSP e noticiou a fatalidade. Informaram ainda que o motorista passou em frente à unidade médica “UPA DO PASCOAL RAMOS”, mas não parou para que vítima fosse socorrida, e ainda que o acusado apesentava visível estado de embriagues. Outrossim, no momento da abordagem, o acusado JOSE EDUARDO DE OLIVEIRA, afirma que não sabia o que havia ocorrido, todavia, no momento do depoimento junto a delegacia, id. 48996900, optou por exercer o direito de permanecer calado. Em sede de interrogatório judicial, as testemunhas FABIO DE PAULA BORGES FILHO, EMERSON GUIMARAES DE LIMA e WAGNER MARQUES RIZALDE, ratificaram os fatos informados anteriormente em sede de depoimento, na data da fatalidade. Em sede de interrogatório judicial, o denunciado JOSE EDUARDO DE OLIVEIRA, apresentou declaração diversa as versões anteriores. Neste momento, informa que não sabia que havia ocorrido o acidente. Contudo, relata que na verdade “teve mau (sic) súbito, em detrimento aos problemas de saúde que possui, como diabetes e pressão alta, e que diante da gritaria que ocorreu no momento do ato, passou mau (sic) ficando “fora de si”. Neste mesmo ato, o promotor pergunta: “o senhor continuou dirigindo mesmo desmaiado?” O acusado respondeu: foi por pouco tempo, eu voltei excelência. Pois bem, todo esse acervo probatório inserto nos autos, pelo menos nesta fase processual, conflui para a existência de indícios suficientes de autoria do acusado no crime doloso contra a vida descrito na denúncia de modo que indevido o acolhimento da tese do denunciados, qual seja, a negativa de autoria, tampouco a desclassificação dos fatos, para a conversão de existência de crime culposo e consequente remessa dos autos ao juízo competente. Ressalte-se que, havendo dúvidas, deve ser invocado o “in dubio pro societate”. Nesse sentido, é o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Mato Grosso: “RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – TRIBUNAL DO JÚRI – HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E ASFIXIA, E OCULTAÇÃO DE CADÁVER – DECISÃO DE PRONÚNCIA – IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA – PRELIMINAR – NULIDADE DA DECISÃO POR EXCESSO DE LINGUAGEM – INOCORRÊNCIA – DECISÃO FUNDAMENTADA SEM ADENTRAR NO MÉRITO DA CAUSA – MÉRITO – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA OU DESCLASSIFICAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – AUSÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 415 DO CPP E PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS DO ART. 413, §1.º, DO CPP — IN DUBIO PRO REO NÃO CABÍVEL – PREVALÊNCIA DO IN DUBIO PRO SOCIETATE – ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO QUE DEVE SER ANALISADO PELO JUIZ NATURAL – DECISÃO DE PRONÚNCIA RATIFICADA – RECURSO DEFENSIVO DESPROVIDO. 1. Tendo a decisão sido exarada sem emitir juízo valorativo sobre a responsabilidade do acusado, descabe falar em eloquência acusatória.2. Presentes os requisitos do art. 413, §1.º, do CPP, a decisão sobre ocorrência ou não dos fatos descritos na denúncia deverá ser submetida a julgamento pela Corte Popular, em afirmação ao princípio do in dubio pro societate e à soberania dos veredictos [art. 5.º, XXXVIII, “c”, da CF]. Incabível, portanto, a desclassificação do crime, bem como a absolvição sumária, cabendo destacar que compete ao Tribunal do Júri analisar a presença ou não do elemento subjetivo do tipo. Precedentes do STJ.Decisão de pronúncia mantida. Recurso desprovido.”(RSE 39392/2017, DES. GILBERTO GIRALDELLI, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 18/10/2017, Publicado no DJE 07/11/2017). A pronúncia do acusado, portanto, é de rigor, porquanto comprovados os requisitos legais inscritos no artigo 413, do Código de Processo Penal: “Art. 413. O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.” Quanto à especificação da qualificadora, consolidou-se no cotidiano forense o entendimento de que o afastamento de tais circunstâncias somente podem ser feito em caso de manifesta improcedência ou inconsistência, com flagrante desamparo nas provas colhidas. É dizer: a exclusão de qualificadoras por ocasião da pronúncia (desqualificação) somente é possível em hipóteses excepcionalíssimas, quando manifesta a inconsistência e o excesso da acusação. Deste modo, entendo pela impossibilidade de reconhecimento do tipo penal previsto no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, visto que o acusado fugiu do local, e ainda, se deslocou por cerca de 49 (quarenta e nove) km, em alta velocidade. Destaca-se ainda que o mesmo transitou em frente a UPA do Pascoal Ramos, entretanto, não prestou qualquer tipo de socorro à vítima, logo, a conduta ora praticada pelo acusado, ultrapassou a esfera do homicídio culposo, e se amolda ao tipo penal denunciado. Assim, mantenho a qualificadora do meio cruel [art. 121 § 2°, III do Código Penal], uma vez que as mesmas só poderiam ser excluídas quando manifestamente improcedente e de todo descabida, o que não é o caso, diante das provas constantes dos autos. Ante o exposto, com fundamento no artigo 413, do Código de Processo Penal, PRONUNCIO o denunciado JOSE EDUARDO DE OLIVEIRA, já qualificado, para ser submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, como incurso nas penas do crime previsto no art. 121, § 2°, III do Código Penal. Outrossim, ACOLHO o pedido de restituição do veiculo automotor (id. 132826536) GM/S10 2.4 D, ANO e MODELO 2001, PLACA HRZ3531, CHASSI 9BG138AX01C422789, RENAVAM 00761144153, COR BRANCA, em favor do acusado. Deste modo, proceda-se senhor(a) gestor(a) as medidas necessárias para a devolução do veículo. Destaco ainda, que havendo encargos a ser pago para a devida liberação, este será de ônus exclusivo do acusado. INTIMEM-SE, o réu pessoalmente, devendo o Sr. Oficial de Justiça indagar ao acusado se deseja recorrer desta sentença. Cientifiquem-se os representantes do Ministério Público e a defesa técnica. Certificado o trânsito em julgado, encaminhem-se os autos ao juízo competente. Cumpra-se. Marina Carlos França Juíza de Direito- Designada para o NAE