O direito de se utilizar de transporte coletivo de forma gratuita, com a carteira de passe livre, deve ser assegurado à parte se ficar comprovado nos autos a condição de hipossuficiente, a enfermidade que dificulta gravemente a locomoção e a necessidade de realização de tratamento médico periódico, prestigiando-se, assim, o direito fundamental à saúde e o princípio da dignidade da pessoa humana. Esse foi o entendimento dos desembargadores da Primeira Câmara de Direito Público e Coletivo do Tribunal de Justiça de Mato Grosso na análise da Apelação/Remessa Necessária 111426/2016.
Em Primeira Instância, a ação foi proposta por dois portadores de esquizofrenia e da acompanhante deles contra o Município de Cuiabá e da Associação Mato-grossense dos Transportes Urbanos (MTU), mas apenas o município havia sido condenado na obrigação legal de fornecer, gratuitamente, o transporte coletivo urbano aos requerentes portadores de doença mental.
No TJMT, a sentença sob reexame foi retificada, em parte, para incluir a Associação Mato-grossense dos Transportadores Urbanos no polo passivo da ação; condenar, solidariamente, a MTU na obrigação de fornecer aos requerentes, gratuitamente, o transporte coletivo urbano; e excluir a condenação da verba honorária em favor da Defensoria Pública, mantendo-se incólume os seus demais termos.
Entenda o caso – Consta dos autos que a Associação Mato-grossense dos Transportadores Urbanos se negava a conceder o benefício da gratuidade do transporte e, por isso, os autores ajuizaram a ação, a fim de que tivessem direito ao transporte coletivo gratuito em Cuiabá.
Na reanálise do caso, a relatora do recurso, desembargadora Helena Maria Bezerra Ramos, explicou que a exclusão da Associação Mato-grossense dos Transportadores Urbanos (MTU) não se mostra adequada, visto que “sendo ela a responsável pelo cadastramento dos usuários e a emissão de bilhetes e cartões magnéticos, dentre outras medidas que possibilitam o uso do transporte público no âmbito municipal, evidente a sua relação subjetiva com o direito alegado nos autos e, consequentemente, a sua legitimidade para figurar no polo passivo da demanda cominatória, ainda que os efeitos financeiros de eventual manutenção do mérito venham a recair apenas sobre o poder público municipal”.
Quanto ao mérito da demanda, a magistrado salientou que a sentença deve ser confirmada, uma vez que da análise dos autos, observa-se que os requerentes sofrem de esquizofrenia, conforme atestados médicos, são hipossuficientes, já que representados pela Defensoria Pública, e o benefício pleiteado, qual seja, o acesso gratuito ao transporte coletivo urbano, visa garantir direito consagrado na Carta Política, que é o direito à saúde.
Além disso, a relatora explicou que, na esfera municipal, a Lei Orgânica do Município prevê, no art. 200 e 201, o transporte coletivo urbano como direito fundamental assegurado a todos, e a isenção aos idosos e portadores de deficiência física, sensorial ou mental.
“Assim, tenho que é dever do Município conceder o almejado benefício, uma vez que os requerentes demonstraram a necessidade da concessão da carteira de “passe livre” no transporte coletivo urbano, pois, sendo hipossuficientes, inclusive assistido pela Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso nestes autos, não possuem condições de arcar com os custos decorrentes de tal serviço público. Por todos esses motivos, a negativa do pleito inicial geraria grave ofensa aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, razão pela qual a manutenção da procedência é a medida que se impõe”, afirmou a relatora.
A decisão foi por unanimidade. Acompanharam o voto da relatora os desembargadores Márcio Vidal (primeiro vogal) e Maria Erotides Kneip (segunda vogal).
Veja o acórdão.