Durante o plantão judiciário noturno desta quinta-feira (9), o desembargador Amílcar Maia deferiu liminar ao Carrefour Comércio e Indústria LTDA para autorizar o funcionamento das suas unidades localizadas no Município de Natal, nos dias e horários estabelecidos pelo Poder Público Municipal, eximindo a empresa de atender às prescrições dos §§ 1º e 3º do artigo 13 do Decreto Estadual nº 29.583/2020, acrescidos pelo Decreto Estadual nº 29.600/2020. Entre outros pontos, o normativo estabeleceu novas restrições ao funcionamento de supermercados durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
A medida judicial determina ainda que a Administração Pública Estadual se abstenha, por quaisquer órgãos ou agentes, de tomar quaisquer medidas, constritivas ou restritivas de direitos, às atividades do Carrefour considerando a situação fática objeto do Mandado de Segurança.
O caso
O Carrefour ingressou com Mandado de Segurança contra ato da governadora do Estado do Rio Grande do Norte, que por meio do Decreto Estadual nº 29.600/2020, determinou novas restrições de funcionamento ao comércio varejista de alimentos, “que, inexplicavelmente, vão em sentido diametralmente oposto a tudo que vem sendo praticado”, diz a petição. A empresa cita a suspensão do funcionamento dos supermercados das 19h às 6h a partir desta sexta-feira (10); e a suspensão, a partir do dia 14 de abril, do funcionamento aos domingos e feriados dos supermercados que utilizem ares-condicionados ou ventiladores.
A empresa aponta que, segundo o que foi divulgado pela imprensa, a intenção da governadora com o novo decreto foi evitar aglomerações nos horários de maior movimento, sendo certo, porém, que tal medida subverte a lógica do fluxo de pessoas, “porque, com a redução dos horários e dias de funcionamento, ao invés de evitar aglomerações, o Decreto acaba por concentrar o movimento no reduzido período de tempo em que a atividade econômica está permitida”.
O Carrefour alega que “a determinação de suspensão do funcionamento da Impetrante aos domingos e feriados, e com limitação de horário, se mostra flagrantemente ilegal e desprovida de sustentação técnica” e ressalta que vem adotando padrão de segurança para seus funcionários e clientes até mais rigoroso do que o que consta no Decreto.
Afirma ainda que as determinações vão de encontro ao princípio constitucional do exercício da livre iniciativa e ao que prescreve o Decreto Federal nº 10.282/2020, de 20 de março, que trata o comércio de alimentos como atividade essencial.
Decisão
Ao analisar o pleito da empresa, o desembargador Amílcar Maia entendeu estarem presentes os requisitos para a concessão de medida liminar em sede de Mandado de Segurança, ou seja, “a plausibilidade ou a relevância dos motivos em que se assenta o pedido e a possibilidade de lesão irreparável à parte impetrante, se do ato impugnado resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida apenas ao final”.
O magistrado aponta que a Constituição Federal, em seu artigo 30, I, vaticina competir aos municípios legislar sobre assuntos de interesse local, e que o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 38, que diz ser “competente o Município para fixar o horário de funcionamento de estabelecimento comercial”.
Amílcar Maia ressalta que esta súmula vinculante, em verdade, veio apenas reforçar, e tornar obrigatório para a Administração Pública e os demais juízes e tribunais, o que já restara sumulado pelo STF no Enunciado nº 645.
O desembargador do TJRN citou ainda o julgamento da ADI nº 3.691 pelo STF – que discutiu a constitucionalidade de uma portaria do Estado do Maranhão que alterava e fixava o horário de funcionamento dos estabelecimentos que vendiam bebidas alcoólicas. No julgamento foi indicado que “deve-se entender como interesse local, no presente contexto, aquele inerente às necessidades imediatas do Município, mesmo que possua reflexos no interesse regional ou geral. Dessa forma, não compete aos Estados a disciplina do horário das atividades de estabelecimento comercial, pois se trata de interesse local”.
Assim, o desembargador plantonista entendeu que, a priori, o Estado do Rio Grande do Norte não detém competência para fixar o horário de funcionamento dos estabelecimentos comerciais, como os operados pela impetrante, sendo tal atribuição do poder público municipal, “de sorte que, a um primeiro olhar, próprio deste momento processual, se revelam inconstitucionais as determinações estaduais”.
O magistrado da Corte de Justiça potiguar também fez referência a uma nota oficial lançada pelo Município de Natal após as mudanças promovidas pelo Decreto Estadual, na qual afirma a sua competência para disciplinar assuntos de interesse local e informando já haver regulamento os horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais neste período excepcional de pandemia do coronavírus.
O desembargador registrou que pode constatar in loco as alegações do Carrefour, “no sentido de que a alteração legislativa teve efeito contrário ao pretendido pela autoridade impetrada, provocando aglomerações nos estabelecimentos que comercializam alimentos e produtos de higiene e limpeza (notadamente nos supermercados) ao invés de evitá-las, posto que a população, temendo o fechamento de tais lojas durante o feriado Pascal, a elas se dirigiu em grande número no dia de hoje”.
(Mandado de Segurança nº 0800188-29.2020.8.20.5400)