Duas fabricantes e uma concessionária, responsáveis pela montagem e venda de um veículo com defeito, terão que indenizar um cliente por danos morais e materiais. A decisão é do juiz André Luís de Medeiros, da 16ª Vara Cível da Comarca de Natal.
Em 7 de outubro de 2022, o homem comprou um carro híbrido zero km no valor de R$ 282.990 para uso restrito de sua família, realizando o transporte dos filhos para suas atividades diárias e pequenas viagens. Ele informou que sempre observou atentamente todas as indicações de uso do veículo fornecido pelas empresas rés, incluindo a realização das revisões periódicas.
Contou que, ainda foi informado que foi contratada uma garantia de três anos do veículo, bem como cinco anos do motor e câmbio. Apesar de utilizar o bem dentro dos padrões indicados, no dia 20 de janeiro de 2024, o automóvel passou a apresentar uma perda de potência exagerada. A esposa do autor conduzia o carro no momento, e constatou, no painel de instrumentos, o aviso de que o tanque de combustível estaria vazio.
Disse ela estranhou o alerta, pois tinha certeza de que o reservatório estava com três quartos de sua capacidade preenchida. Mesmo assim, a mulher abasteceu o carro, porém, ao ligar novamente o veículo, o aviso permaneceu. Diante da situação, ela solicitou o reboque da seguradora para transportar o veículo até sua residência. No dia 22 de janeiro, o automóvel ainda apresentava os mesmos problemas, sendo então guinchado para a sede de uma das montadoras, que negou o fornecimento de carro reserva pelo acionamento da garantia.
A empresa diagnosticou o veículo com uma pane na bomba de combustível e informou ao cliente a necessidade de aguardar a chegada de uma peça da fábrica. Entretanto, antes do fim do prazo legal de 30 dias, a ré avisou que o conserto do produto ia extrapolar o período em mais de 20 dias, ou seja, o cliente só teria seu automóvel de volta em, no mínimo, 50 dias. Durante este intervalo, o homem precisou alugar um veículo no valor mensal de R$ 4.544,79.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor
Quinze dias após o prazo legal para conserto do veículo, o cliente encaminhou uma notificação extrajudicial às empresas, onde foi comunicado o uso do direito garantido pelo art. 18, parágrafo 1º, inciso II, do CDC, que garante o direito de “requerer a devolução do veículo, bem como de cobrar as perdas e danos”. As empresas, entretanto, não se manifestaram.
Portanto, baseado no Código de Defesa do Consumidor, o cliente entrou com ação contra as empresas solicitando a restituição do valor pago pelo veículo, além da quantia gasta com a locação de veículo reserva e a indenização por danos morais.
As montadoras, por outro lado, contestaram o pedido argumentando a insuficiência de provas e a inexistência de ato ilícito indenizável. Já a revendedora alegou caso fortuito (evento imprevisível e inevitável) e força maior, defendendo, ainda, que o veículo possui condições de uso. Por fim, foi defendida a restituição pela tabela Fipe e a inexistência de danos morais indenizáveis.
Em sua análise, o magistrado reforçou o art. 18 do CDC, classificando como “incontroverso” o fato do veículo defeituoso permanecer em poder das empresas para manutenção e reparos mesmo fora do prazo legal de 30 dias, sem que houvesse a adoção de alternativas asseguradas pelo Código de Defesa do Consumidor. Ainda foi tida como evidente o vício defeituoso presente no automóvel.
“Entendo evidente a caracterização de vício de produto durável, na forma do art. 18, caput, do CDC, diante da inviabilização do uso do veículo pelo autor durante quase 2 meses, devidamente documentada no processo, em claro descompasso com a justa expectativa de uso regular do carro, adquirido novo para as atividades diuturnas da família”, pontuou o juiz André Luís de Medeiros.
Condenação pela Justiça
Além do exposto nos autos, foi levada em consideração precedente judicial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para condenação das empresas rés. Sendo assim, o magistrado ordenou a restituição integral do valor pago pelo veículo, fixado na época em R$ 282.990,00.
Diante de “vício notoriamente atípico e incompatível com o tempo de uso desde a compra” e da negativa em ceder um carro reserva, o Poder Judiciário entendeu, também, pela obrigatoriedade de reparação financeira referente à locação de outro carro no período compreendendo o envio do produto defeituoso para o conserto e a notificação formulada pelo autor.
Referente ao pedido de indenização por danos morais, perante “os transtornos relacionados com a privação do seu veículo tão precocemente”, o caso se encaixa nos princípios do Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável a responsabilidade dos fornecedores de serviços ou produtos, independente de culpa. Considerando, ainda, todos os pontos levantados pelo autor, foi determinado o pagamento de R$ 5 mil.
Veja o processo:
TJRN – TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE – DJEN
Processo: 0805452 – 86.2024.8.20.0000 Órgão: Gab. Des. Dilermando Mota na Câmara Cível Data de disponibilização: 16/05/2024 Classe: AGRAVO DE INSTRUMENTO Tipo de comunicação: Intimação Meio: Diário Eletrônico de Justiça Nacional Parte(s): AMAURY AMARANTE MAIA CAOA MONTADORA DE VEICULOS LTDA; YELLOW MOUNTAIN DISTRIBUIDORA DE VEICULOS LTDA LTDA Advogado(s): JOSE GUILHERME CARNEIRO QUEIROZ OAB 149515 MG JOSE LOPES DA SILVA NETO OAB 5979 RN GRACILIANO DE SOUZA FREITAS BARRETO OAB 6648 RN Conteúdo: PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gab. Des. Dilermando Mota na Câmara Cível AGRAVO DE INSTRUMENTO (202) 0805452 – 86.2024.8.20.0000 AGRAVANTE: AMAURY AMARANTE MAIA ADVOGADO(A): GRACILIANO DE SOUZA FREITAS BARRETO, JOSE LOPES DA SILVA NETO AGRAVADO: YELLOW MOUNTAIN DISTRIBUIDORA DE VEICULOS LTDA, CHERY BRASIL IMPORTACAO, FABRICACAO E DISTRIBUICAO DE VEICULOS LTDA., CAOA MONTADORA DE VEICULOS LTDA ADVOGADO(A): Relator: Desembargador Dilermando Mota D E C I S Ã O Vistos em exame. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por Amaury Amarante Maia em face de decisão proferida pelo Juízo da 16ª Vara Cível da Comarca de Natal que, nos autos da ação ordinária n.º 0817341-69.2024.8.20.5001, movida pelo Agravante em desfavor de Yellow Mountain Distribuidora de Veículos Ltda. e outros, deferiu “o pedido de antecipação de tutela para DETERMINAR que seja obstado aos réus a cobrança de qualquer valor pelo depósito, e pela permanência do veículo em seus pátios”, bem como revogou “em parte, a tutela de urgência de id 117186946, por perda do objeto, somente quanto ao pedido para que os réus disponibilizem um veículo semelhante ao do autor para sua utilização.” Em suas razões recursais, o Agravante narra ter comprado um veículo CAOA Cherry Tiggo 8, 2022/2023, Placa RQA7C77, zero quilômetro, no valor de R$ 282.990,00, o qual apresentou defeito dentro do período de garantia do bem, razão pela qual procedeu a entrega do veículo à concessionária, em 22/01/2024, para reparo e buscou receber um carro reserva durante o conserto do seu veículo, o que lhe foi negado, razão pela qual realizou a locação de um veículo ao custo mensal de R$ 4.544,79. Alega ter recebido a informação de que o conserto teria prazo mínimo de 50 dias, superando o prazo legal, e que, em 07/03/2024, os Agravados foram notificados extrajudicialmente a respeito do fato de que o Agravante exerceria o direito de requerer a devolução do veículo, cobrando perdas e danos. Afirma que o prazo da notificação extrajudicial transcorreu in albis, motivando o ajuizamento da ação objeto do processo de origem, no qual obteve parcial deferimento da tutela de urgência requerida, posteriormente revogada quanto à obrigação de disponibilizar veículo semelhante, em razão de a Agravada ter informado o reparo do veículo e a possibilidade de retirada deste, em 15/03/2024. Aduz que o reparo do veículo durou 53 dias, fato incontroverso, o que lhe garante a imediata devolução da quantia paga, nos termos do art. 18, § 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor, bem como do art. 311, IV, do CPC. Defende estarem presentes os requisitos para a concessão de antecipação da tutela recursal, requerendo-a, a fim de obter a restituição do valor pago pelo veículo. No mérito, pugna pela confirmação da tutela de urgência. É o relatório. Decido. A teor do disposto nos artigos 1.019, I, e 932, II, do Código de Processo Civil, o relator poderá deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, uma vez atendidos os requisitos do art. 300, daquele diploma legal. Nesse contexto, cingese a análise do presente recurso à presença ou não dos requisitos necessários à concessão de tutela antecipada, indeferida em Primeira Instância, consubstanciada na restituição do valor pago pelo veículo. Mister ressaltar, por oportuno, que em se tratando de Agravo de Instrumento, a sua análise limitar-se-á, apenas e tão somente, acerca dos requisitos aptos à concessão da medida, sem, contudo, adentrar à questão de fundo da matéria. Desse modo, em uma análise perfunctória, própria desse momento de cognição sumária, entendo que o pedido não comporta acolhimento, não tendo a parte agravante logrado êxito em evidenciar o preenchimento dos requisitos legais. Ainda que presente a probabilidade do direito do autor, relativa ao direito de restituição previsto no art. 18, § 1º, II, do CDC, evidenciada a partir dos documentos juntados com a inicial do processo de origem, inexiste perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo capaz de justificar a antecipação da tutela recursal. A respeito do periculum in mora, o Agravante se limita a argumentar que ficará privado de adquirir um novo veículo que apresente condições de ser utilizado para suprir as suas necessidades e de sua família, do que se extrai, inclusive, a irreversibilidade do eventual deferimento do pleito, pois o montante seria usado na compra de outro automóvel. Em todo caso, tendo sido disponibilizado o veículo reparado ao Agravante, inexiste risco iminente de dano a ele ou à sua família, que não está desprovida de automóvel para as suas necessidades. Ademais, em sede de tutela de evidência, disciplinada pelo art. 311 do CPC, na hipótese prevista no inciso IV, além de “prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor”, é necessário “que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Assim, para a concessão do pleito, enquanto tutela de evidência, impõe-se, no mínimo, a instalação do contraditório, o que afasta o deferimento do pleito neste momento, sem contestação dos réus e sem que aos Agravados se tenha oportunizado manifestação. Assim, em se tratando de juízo precário, mostra-se acertado o entendimento adotado em primeiro grau de jurisdição, o qual deve ser mantido. Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação de tutela recursal. Intime-se os agravados para, querendo, oferecer resposta ao presente recurso, sendo-lhe facultado juntar as cópias que entender convenientes. Em seguida, encaminhem-se os autos à Procuradoria de Justiça, para os devidos fins. Cumpridas as diligências, à conclusão. Publique-se. Desembargador Dilermando Mota Relator