Um morador de Rafael Godeiro, município da Região Oeste do RN e distante mais de 300 quilômetros de Natal, terá de ressarcir as despesas de uma organização não governamental que resgatou um cachorro de rua, ferido após disparo de arma de fogo feito pelo acusado. A decisão da 1ª Câmara Cível do TJRN reforma sentença sobre o caso, com entendimento pela existência de responsabilidade civil por ilícito (maus tratos de animal), em virtude do disparo contra o cão ter ocorrido porque o animal ter bebeu no reservatório de água do cavalo pertencente a este homem. Prevaleceu na análise do fato, o dever de custeio, pelo acusado, dos gastos assumidos pelo instituto sem fins lucrativos que socorreu o cachorro.
A sentença inicial havia negado o pedido, por entender que a entidade escolheu, por livre e espontânea vontade, acolher o cachorro de nome “Dustin” e que não havia obrigação legal ou judicial da ONG em arcar com o tratamento do animal, mas assim o fez. Contudo, esse não foi o entendimento em 2ª instância, por meio da 1ª Câmara, presidida pelo desembargador Claudio Santos e que teve a relatoria do processo a cargo do desembargador Cornélio Alves. “Com efeito, dispõe o artigo 186 do Código Civil: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, explica o relator.
Responsabilidade Civil
O órgão julgador acatou os argumentos da ONG de que há “desarrazoabilidade e a desconexão social e jurídico” do fundamento do julgado de origem no sentido de que a autora aceitou uma obrigação que não era sua, por mera vontade, para afastar a responsabilização de quem perpetrou um ato lesivo.
A entidade também rebateu as bases da sentença inicial de que o resgate de animal em situação de abandono e maus tratos constitui o propósito da própria atuação do instituto, que atua sem fins econômicos com doações e trabalhos voluntários, não se confundindo com a responsabilidade civil quantos aos gastos decorrentes de conduta lesiva imputada ao acusado.
A organização não governamental também contra-argumentou que, embora tenha sido incluída como destinatária de repasse de emenda impositiva ao custeio de sua atividade, até o momento não as recebeu e que a existência dos elementos de responsabilização civil contra o denunciado, quais sejam, a conduta lesiva, o dano, o consequente nexo de causalidade, comprovados pelos documentos acostados aos autos, corroboram pela aplicação dos efeitos da revelia ao demandado.
Decisão pedagógica
O julgamento destacou que, nesse contexto, é desnecessária “elevada erudição” para ciência de que, se são escassos os recursos do Estado para enfrentamento da causa animal, a despeito da relevância constitucional que ostenta a temática (artigo 225, inciso VII, da Constituição Federal), menores são os das ONGs que, sobrevivendo de doações de terceiros e trabalhos voluntários, acumulam dívidas e convivem com a insegurança de não poderem tratar, manter ou alimentar os animais sob seus cuidados, tudo isso no contexto de crescente demanda.
“A pouca sorte de “Dustin”, cão em situação de rua, foi por deveras minorada pelo simples fato de ter tentado saciar a sede em região de clima semiárido. Nesse sentir, tenho por suficientemente demonstrada a responsabilidade do demandado pelo ilícito, devendo, em consequência, arcar com todos valores relacionados as intervenções clínicas esmiuçadas no relatório médico-veterinário acostado, com a devida atualização monetária”, enfatiza o relator.