Por reconhecer o contexto de violência psicológica no qual estava inserida uma mulher que negou as agressões cometidas pelo companheiro, o Juiz de Direito Juliano Venturella Fontana, da 1ª Vara Judicial da Comarca de Tapes/RS, rejeitou denúncia contra ela, por falso testemunho. Após sobreviver à tentativa de feminicídio, a vítima procurou o Ministério Público para negar o ocorrido e sustentar que não se sentia ameaçada. “Indiciar e denunciar a mulher vítima de tentativa de feminicídio e de violência psicológica é torná-la vítima pela terceira vez”, asseverou o magistrado.
Caso
Em 19/08/22, o casal discutia sobre o término do relacionamento, dentro do carro, na presença da filha de 6 anos. O homem, que não aceitava a separação, reagiu atingindo a mulher com golpes de estrangulamento e socos, trancando o veículo para que ela não conseguisse sair. A criança conseguiu abrir a porta e correr em direção à estrada, onde pediu socorro. Um casal passava pelo local e socorreu a vítima.
Em 13/09/22, a mulher foi levada ao Ministério Público pelo advogado do agressor. Na ocasião, ela afirmou que era a responsável pela agressão sofrida, porque “o tirou do sério”, que ele não representava ameaça à família e requereu que retificassem o registro policial que originou o inquérito que resultou no pedido de prisão dele.
Decisão
O MP denunciou os dois. A denúncia contra o homem foi aceita pelo magistrado, mas não contra a mulher, por considerar ser inegável a situação de violência doméstica vivida por ela. Para o Juiz, cabe aos órgãos públicos, em especial ao Poder Judiciário, ao analisar situações como essa, apurar quais são os sentimentos e pensamentos em torno da mulher que desiste de pedido de medida protetiva. “A conduta do companheiro da denunciada foi objeto de denúncia pelo Ministério Público, situação que indica a existência de indícios mínimos de autoria e materialidade. Não se trata de situação nuviosa sobre a tentativa de feminicídio, afirmou.
Ele destacou também a conduta do advogado que, além de acompanhar a vítima durante os depoimentos no MP, segundo relato de testemunha, teria dito a ela que o processo “não daria em nada”. “Dizer que o processo não dará em nada (sic) à vítima de tentativa de feminicídio é impor fragilidade ao relato da mulher vítima de violência, é impor limitação à autodeterminação da mulher, é ameaçar que em breve o agressor estará novamente em contato com a vítima, é fazer a vítima se tornar vítima psicológica por estigmatização comportamental”.
O magistrado destacou ainda parte de pesquisa (2005) na qual 28% das entrevistadas relataram que foram vítimas de violência apenas uma vez. Praticamente a metade delas indicou que foi agredida mais que uma vez, com a maioria das vezes (87%) em relação familiar.