A cena é quase surreal. Durante o casamento, na frente dos noivos e dos convidados, a cerimonialista enumera os defeitos do casal, esquece o nome deles, tropeça diversas vezes na língua portuguesa, dá lições de moral aparentemente sem sentido e, para arrematar, sugere que todos joguem no bicho.
Ela foi contratada para organizar e discursar na cerimônia, realizada em Florianópolis no dia 12 de setembro de 2015. Ao analisar o caso, o titular do 2º Juizado Especial Cível da comarca da Capital determinou que a empresa – da qual a cerimonialista é funcionária – pague indenização ao casal por danos morais.
Dias antes do matrimônio, os noivos preencheram um formulário detalhado com tudo o que gostariam que a profissional falasse durante o evento. No entanto, conforme os autos, ela ignorou a maior parte das informações, disse o que quis e como quis durante 35 minutos. O discurso foi gravado na íntegra.
Os noivos usaram o serviço “Reclame Aqui” para narrar o que aconteceu. A empresa não gostou das reclamações e acionou a Justiça de São Paulo. A ação foi julgada improcedente, mas teria custado aos recém-casados R$ 5 mil em deslocamento. Diante do desgaste, o casal ingressou na Justiça com pedido de indenização por danos morais e materiais.
“Este juízo escutou os áudios”, escreveu o magistrado responsável pelo caso, “e a cerimonialista, em vez de dizer Carta aos Coríntios, disse ‘Carta aos Corinthians’, agradeceu ‘aos convidado’ e falou: ‘as pessoas que gostam de bege são sensíveis e sonhadora'”, entre outras coisas que atentam contra a língua e a lógica.
Os erros de português proferidos pela profissional e as lições de moral, pontuou o magistrado, não são capazes de gerar indenização. Porém, acrescentou, ao falar dos supostos defeitos dos noivos, a cerimonialista foi inconveniente, inadequada e causou abalo anímico. “Neste ponto, a indenização se faz necessária”, e determinou que a empresa pague aos noivos R$ 3 mil pelos danos morais.
Entre outras coisas, a responsável pelo cerimonial disse que “a noiva nunca está satisfeita. Ela troca de roupa cinco vezes antes de sair e no fim não gosta do vestido escolhido, para ela está sempre faltando alguma coisa”. Ela teria dito ainda que “o noivo é bagunceiro e dorminhoco e usa cinco camisetas por dia. No fim da semana, são cinco cestos de roupa para lavar”. Ao perceber a repetição do número cinco, aconselhou: “Joguem no bicho, vai dar.”
No resto, concluiu o magistrado, o serviço foi realizado e não se justificaria a rescisão do contrato nem a restituição dos valores pagos. O magistrado afastou o pedido de restituição dos R$ 5 mil referentes às viagens a São Paulo, “porque elas não estão relacionadas ao presente caso, mas são originárias de uma ação distinta”. Para ele, não há prova de que a ré, autora naquele processo, agiu de má-fé ou tenha se valido de expediente ardiloso.
Processo nº 0311664-81.2016.8.24.0023