Uma microempresária do setor de cama, mesa e banho do Alto Vale do Itajaí obteve rescisão do contrato com uma empresa de tecnologia após a Justiça identificar práticas abusivas e cláusulas excessivas no acordo de prestação de serviços de software. O Juizado Especial Cível e Criminal de Rio do Sul/SC isentou a microempresária de qualquer penalidade, ao constatar que o contrato foi desvantajoso e repleto de cláusulas que contrariam os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
De acordo com o relato da autora, um representante da empresa ré a abordou e ofereceu um serviço de software que permitiria a instalação imediata de uma plataforma de vendas on-line para a região Sul. Após várias ligações e com a promessa de um desconto, o contrato foi formalizado virtualmente no valor de R$ 15.992, parcelado em 18 vezes. Porém, a microempresária alegou que, depois de pagar três parcelas, nenhum serviço foi prestado e que as cobranças se mostraram irregulares, inclusive com valores adicionais não mencionados no acordo inicial.
Em sua defesa, a empresa ré sustentou que, em março de 2023, as partes haviam formalizado contrato para licença de uso de uma plataforma de e-commerce, que também envolvia o pagamento de uma comissão sobre as vendas. A empresa alegou que o “setup” – processo inicial de configuração e implementação do site – seguia conforme o cronograma, mas a autora interrompeu os serviços ao solicitar a rescisão contratual. A ré pediu a improcedência da ação e requereu o pagamento de R$ 2.743,43 pela interrupção.
Ao analisar a documentação e o cenário probatório, o magistrado destacou que a questão ia além do simples inadimplemento contratual. Ele apontou que o modo de agir da empresa ré era caracterizado pela venda de um serviço prometido a pequenas empresas, sem a devida transparência quanto aos custos adicionais. Além do valor acordado para o desenvolvimento do site, era necessária a contratação de tráfego pago e serviços de marketing, serviços estes que eram oferecidos pela própria empresa ré.
“O cenário probatório, corroborado por diversas ações semelhantes ajuizadas por outras pequenas empresas, revela que o modus operandi da requerida é sistemático: oferecer o serviço de desenvolvimento de um site que promete potencializar as vendas das pequenas e médias empresas mediante o pagamento de um valor previamente acordado, para depois omitir informações sobre a necessidade de pagamentos adicionais”, ressaltou o magistrado ao observar que o site, que deveria ser entregue pronto, exigia ainda que a contratante cadastrasse todos os produtos, o que não estava claro no contrato e deixava a consumidora em desvantagem.
A decisão foi baseada na vulnerabilidade econômica e técnica da autora frente à grande empresa e reconheceu que a contratada falhou em fornecer informações claras, pressionou a microempresária a assinar um contrato com promessas não cumpridas e impôs cláusulas desproporcionais, em violação aos princípios de boa-fé e equilíbrio contratual. Além disso, o magistrado constatou que a empresa ré e suas afiliadas estão envolvidas em várias outras ações judiciais sobre o mesmo modelo de negócios. No Juizado Especial Cível de Rio do Sul, há pelo menos outras oito ações semelhantes em andamento.
Embora tenha sido declarada a rescisão contratual, o pedido de devolução integral dos valores pagos pela autora foi negado, uma vez que parte dos serviços foi efetivamente prestada, ainda que de forma incompleta. A decisão de 1ª instância, proferida em 16 de dezembro de 2024, ainda é passível de recurso ao Tribunal de Justiça.
Processo n. 5012690-62.2023.8.24.0054