Ao reconhecer que houve ato ilícito no corte do fornecimento de energia de uma consumidora dois dias depois que ela havia quitado uma fatura vencida, no fim de semana, o juiz Márcio Soares da Cunha, em atuação pelo Núcleo de Apoio às Comarcas (Nacom), condenou a concessionária por danos morais causado ao privar a consumidora de um serviço essencial para os dias atuais. O processo julgado é da Comarca de Colinas do Tocantins, no noroeste do Estado, e teve início em 2023, ano em que a consumidora teve o fornecimento de energia suspenso às 8h30 do dia 30 de outubro e religado no dia seguinte, às 10h.
No pedido, a consumidora afirmou ter tido prejuízos com a falta de energia, além de constrangimento perante a vizinhança. Também disse ter sido obrigada a pagar uma fatura que ainda venceria naquele mês de outubro, após ter realizado o pagamento da fatura de setembro, com atraso, mas foi quitada em uma lotérica, dois dias antes da suspensão do serviço.
A contestação da empresa argumentava má-fé da consumidora, ao apontar que em razão do pagamento ter sido feito no sábado, a interrupção do serviço ocorreu no mesmo dia em que recebeu a informação de pagamento da conta no sistema. Também defendeu ter restabelecido o serviço dentro do prazo legal de 24 horas.
Ao decidir o caso, o juiz entendeu que, por ser aceito o pagamento de contas nas lotéricas nos fins de semana, a concessionária tem a incumbência de “proceder com cautela quando da programação do corte no fornecimento de energia elétrica”. Conforme a decisão, a concessionária deve considerar o lapso entre o pagamento no final de semana e a informação de baixa no sistema antes de efetuar o corte.
Os artigos 186 e 927 do Código Civil estão entre os fundamentos da decisão do juiz, ao tratar da “responsabilidade civil”, definida como o vínculo jurídico estabelecido entre o causador de um dano e a sua vítima. O primeiro artigo considera ato ilícito a “ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência” daquele que viola direito e causa dano a alguém. O segundo estabelece a obrigação de reparação àquele que causa dano a outra pessoa.
Conforme destaca o juiz, em um contexto de relação consumerista – entre cliente e fornecedor – a responsabilidade do fornecedor é objetiva quando ficam comprovados o ato ilícito, o dano e o nexo de causalidade (vínculo entre o ato do corte da energia e a consequência que o ato provoca).
O juiz ressalta que ao dispor sobre bens e serviços, a concessionária “tem o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do negócio independentemente de sua culpa, pois a responsabilidade advém da atividade de produção, distribuição, comercialização ou execução de determinados serviços” e, para se eximir dessa responsabilidade, deveria ter comprovado que prestou um serviço sem defeito ou que a culpa do problema “é exclusiva do consumidor ou de terceiro”, o que não ocorreu no processo.
Para o juiz, o fato de o pagamento ter sido realizado no sábado e a informação de pagamento ter sido informada no sistema da empresa na segunda-feira, mesmo dia da suspensão, demonstra que o fato não configura culpa do consumidor.
“Não há qualquer onerosidade à concessionária em aguardar um pouco mais para suspender o fornecimento do serviço, como meio coercitivo para pagamento, o que pode evitar situações como a narrada nos autos” – É o que afirma o juiz, na sentença desta quarta-feira (16/10).
Com esse entendimento, o juiz fixou em R$ 5 mil o valor da reparação do dano moral sofrido pela consumidora, com base em julgamentos consolidados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), considerando que o montante “não é exagerado a ponto de se constituir em fonte de renda e cumprirá o nítido caráter compensatório e inibitório”.
O magistrado negou, porém, o pagamento de danos materiais, correspondentes aos alimentos que a consumidora alegou ter perdido pela suspensão do serviço. De acordo com a sentença, a autora da ação não comprovou o efetivo dano.