“A vigência das medidas protetivas da Lei Maria da Penha independe do curso da ação penal, podendo se perenizar mesmo quando o feito é arquivado por desinteresse da ofendida. Elas visam à proteção da mulher, e não a prover a instrução do processo”. Com esse entendimento a 1ª e a 3ª Turma Criminal do TJDFT denegaram a ordem em ações de Habeas Corpus, nas quais os agressores visavam desconstituir medida protetiva de afastamento das vítimas, diante dos arquivamentos dos inquéritos.
Ambas as ações foram movidas pela Defensoria Pública do DF ao argumento de que os pacientes estariam sofrendo coação ilegal com limitação no seu direito de ir e vir, ante a manutenção de medida protetiva de urgência, consistente na proibição de se aproximarem das vítimas, baseada em fatos cujas investigações criminais tiveram seus arquivamentos homologados pelo juiz.
No primeiro caso, restou apurado que a vítima manteve relacionamento amoroso com o agressor durante cerca de dois anos, com episódios de ameaça, agressão física e psicológica. Após registrar ocorrência policial na delegacia, a vítima negou ter interesse na ação penal, postulando apenas medidas protetivas – pedido confirmado perante o juiz. Em parecer técnico produzido pelo Núcleo de Assessoramento sobre Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher -NERAV, o profissional de psicologia do TJDFT assinalou que o ofensor é ciumento e controlador em relação à ofendida, que oscila os seus sentimentos em relação a ele. O MPDFT promoveu o arquivamento do inquérito policial por falta de justa causa e transcurso do prazo para oferecimento de queixa-crime.
Nesse contexto, o desembargador relator da 1ª Turma Criminal recomendou a manutenção das medidas protetivas deferidas em favor da mulher, assinalando que os protagonistas não possuem filhos em comum, residem em locais diferentes e, diante do término do relacionamento, há de se perquirir qual o interesse do paciente em obter autorização de se aproximar da vítima. Por fim, acrescentou: “A fixação da medida independe de ação penal em curso, pois visa à proteção da pessoa, não à instrução do processo. Assim, o histórico violento do paciente justifica a medida, a qual é plenamente possível, conforme artigo 24-A da Lei 11.340/2006, já que podem ser fixadas até mesmo pelo Juízo Cível”.
O segundo caso diz respeito a suposta prática de agressão, ameaça e injúria de neto (29 anos) contra a avó (73). Apesar de a vítima ter manifestado em audiência seu desinteresse pelo prosseguimento do feito, reiterou expressamente o pedido de manutenção da medida protetiva de afastamento do ofensor, diagnosticado como bipolar. Parecer do NERAV sobre o caso corrobora o pleito da ofendida, ao registrar diversos fatores de risco para a ocorrência de novas situações de violência no âmbito familiar dos envolvidos. Novamente, o MPDFT promoveu o arquivamento do Inquérito Policial por falta de justa causa, desta vez, para o exercício da ação penal.
Ao decidir, o desembargador relator da 3ª Turma Criminal transcreveu trecho extraído do parecer da Procuradora de Justiça, a cujo entendimento se filiou: “Em primeiro lugar, é preciso desde já deixar assentado que as medidas protetivas de urgência pressupõem situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, situação concreta dos autos, que não necessariamente precisam configurar crime ou contravenção penal, embora se reconheça que na maioria das vezes a violência de gênero corresponde a alguma modalidade de infração penal”. Alertou ainda para o fato de que ”as medidas protetivas têm por objetivo retirar a mulher do contexto de violência doméstica e familiar em que se vê inserida, mormente com o afastamento cautelar do ofensor e com o resguardo de sua integridade física e psíquica, consistindo em importante mecanismo de coibição da violência” e que devem ser aplicadas, independente da existência de processo legal, porquanto constituem medidas autônomas.
As decisões da 1ª e da 3ª Turma Criminal foram uníssonas quanto à manutenção das medidas protetivas, a despeito dos arquivamentos dos inquéritos policiais, entendendo-se que nos casos de violência doméstica, as circunstâncias devem ser avaliadas criteriosamente, sem perder de vista os objetivos da Lei Maria da Penha.