O homem veio a óbito após o procedimento cirúrgico.
O juiz de Direito da 1ª Vara de Guaçuí sentenciou um hospital, 1° réu, e um médico, 2° réu, a indenizarem a família de um paciente que veio a óbito após sofrer uma perfuração em um de seus pulmões durante procedimento cirúrgico.
Os autores da ação, que são familiares da vítima, narram que ele sofria com uma doença denominada neurocisticercose. Com o diagnóstico, foi verificado, por meio de exames, que a complicação estava obstruindo a passagem de líquido para o cérebro, que tem como consequência o aumento da pressão intracraniana, devendo ser tratada através de drenagens valvuladas. Por esse motivo, o paciente foi submetido a uma neurocirurgia para a implantação de uma válvula na região cerebral.
Passados três anos do procedimento médico, o paciente foi internado no hospital requerido com quadro de meningite bacteriana e hidrocefalia, necessitando trocar a válvula. Porém, passando por algumas intervenções provisórias, até que apresentasse um bom quadro para a troca definitiva do equipamento.
A família sustenta que a cirurgia para troca de válvula transcorreu bem e que por volta das 10h30min do mesmo dia, o paciente foi encaminhado ao CPC (Centro do Paciente Crítico) do hospital requerido, chegando lúcido e tendo recebido a notícia de que, se a recuperação evoluísse bem, teria alta em dois ou três dias. Os autores relatam que ele chegou do centro cirúrgico com soro na mão e por volta das 12 horas veio a perder a veia, ocasião em que o enfermeiro tirou a agulha e o deixou sem soro e sem medicamentos.
Segundo informações dos autos, por volta das 15 horas, a 1ª autora, estranhando o fato do paciente estar até aquela hora sem soro e medicamento, se dirigiu até o posto de enfermagem, questionando se não havia nada prescrito para o seu esposo, vindo a receber a informação de que um médico viria puncionar a veia do paciente, diante da impossibilidade de receber soro pelas vias periféricas.
Às 16 horas do mesmo dia, o 2° réu, médico, entrou no quarto e fez a punção profunda do lado esquerdo do paciente. Os autores afirmam que após a penetração da agulha, a vítima abriu os olhos, gemeu e seu pescoço e rosto, do lado esquerdo, ficaram imediatamente escurecidos e inchados, oportunidade em que a esposa questionou ao médico se tais reações eram normais, sendo que este voltou ao leito e passou a mão no local onde havia realizado o procedimento, afirmando que eram apenas gases e que logo passariam, ainda que o paciente gemesse e respirasse com dificuldade, indo embora do quarto em seguida, sem solicitar exames para saber se havia alguma anormalidade. Posteriormente, após a realização do procedimento, o paciente não conseguia mais falar e parecia ter sérias dificuldades em respirar.
Diante da situação, a 1ª autora correu ao posto de enfermagem e expôs o problema à enfermeira que lá estava, que a orientou a aguardar o médico, sendo solicitado que os profissionais fossem chamados com urgência, contudo não foram localizados, vindo a 1ª requerente a retornar para o quarto.
Durante a madrugada, passadas aproximadamente 8 horas desde que o paciente agonizava, a 1ª demandante se locomoveu pelo corredor do hospital, solicitando ajuda para que não deixassem seu esposo morrer, quando viu o 2° réu saindo de um setor do estabelecimento, oportunidade em que correu até ele e requisitou-o para examinar seu marido, que continuava gemendo e gritando de dor.
Os familiares informam que o médico requerido na ação, ao ver o paciente, decidiu chamar outro profissional para ajudá-lo, sendo solicitado que a esposa saísse do quarto, momento em que aduz ter ficado no corredor o olhando pelo vidro, gesticulando com o outro médico, enquanto enfermeiros saíam do quarto com toalhas banhadas de sangue.
Destacam na petição autoral que, após algum tempo do ocorrido, o 2° réu foi até a 1ª requerente e lhe disse que ao puncionar a veia, foi perfurado o pulmão do paciente, contudo foi realizada drenagem para a retirada do líquido que estava em seu pulmão.
A 1ª autora narra que seguiu a indicação do requerido de ir para casa e retornar na manhã seguinte, porém ao chegar novamente ao hospital, encontrou o paciente ainda com dor forte, sem falar, sem se alimentar e abrir os olhos, informando ainda que o paciente agonizou por mais dois dias, até apresentar morte cerebral e ir a óbito, sem que fosse dada explicação sobre o falecimento.
Acrescentam, por fim, que o atestado de óbito foi emitido tendo como causa morte cerebral do paciente, contudo defendem que o óbito se deu por negligência do profissional, razão pela qual ingressaram com a presente ação.
Em sede de contestação, o hospital alegou que sua responsabilidade não é absoluta, admitindo excludentes previstas no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, hipótese que pode ser verificada no caso dos autos. Assevera que, mesmo que o consumidor venha a sofrer dano, se o serviço não tiver sido prestado de forma defeituosa, não pode o fornecedor ser responsabilizado por tal fato. Aduziu ainda que os serviços médico-hospitalares, sobretudo os atos cirúrgicos, contém riscos inerentes à sua natureza, apresentando riscos ao consumidor mesmo quando prestados com toda técnica e diligência humana.
O 2° réu, em sua defesa, alegou que todos os atos necessários para o tratamento do paciente foram adotados e que as informações prestadas pelos requerentes não guardam relação com a realidade. Salienta que o prontuário médico faz prova inabalável acerca da presteza e bom atendimento dispensado ao paciente, o que se comprova por meio das anotações ali lançadas.
Ainda nas alegações, o requerido sustenta que ao pedir parecer para punção venosa central, promoveu contato telefônico com o pronto socorro, solicitando suporte de um médico cirurgião portador de mais experiência para a realização do ato, procedimento este também responsável por evitar ato de imperícia e, assim, proteger o paciente.
Ao analisar o caso, o magistrado observou que o 2° réu, profissional que tratou do paciente, afirmou em diversas ocasiões que não possuía a experiência necessária para realizar o tratamento. “Torna-se imperioso destacar, que em vários oportunidades no decorrer do processo, fora afirmado pelo profissional médico que não possuía a experiência necessária para a realização do procedimento de punção”, destacou.
Diante dos fatos, o juiz entendeu que houve negligência por parte dos réus, que não demonstraram o cuidado necessário para evitar maiores complicações ao paciente, e os condenou a indenizar os autores, familiares do paciente, em R$150 mil por danos morais, sendo R$50 mil para cada requerente.
“Em suma, a reparação do dano moral deve ter em vista possibilitar ao lesado uma satisfação compensatória e, de outro lado, exercer função de desestímulo a novas práticas lesivas, de modo a ‘inibir comportamentos antissociais do lesante, ou de qualquer outro membro da sociedade’, traduzindo-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo”, disse o magistrado ao fixar o valor da indenização.
Por fim, o juiz concluiu na sentença que: “a parte ré demonstrou reprovável violação do dever de cuidado, proteção e lealdade com o paciente, causando incontestáveis sentimentos de frustração, decepção e inconformismo, motivados pelo descaso com o consumidor”.