Os desembargadores da 1ª Câmara Cível, por unanimidade, negaram provimento ao recurso interposto pelo Estado de MS contra sentença de primeiro grau que o condenou a comunicar imediatamente todas as escolas públicas e particulares do município de Guia Lopes da Laguna para receber imediatamente e efetuar as matrículas de adolescentes no Ensino de Jovens e Adultos (EJA), independentemente de terem 18 anos, sob pena de multa R$ 10.000,00.
O Estado de MS aponta que a exigência de 18 anos é requisito intrínseco, posto que a finalidade de limitação de idade é permitir que os alunos possam trabalhar durante o dia e ajudar na renda familiar, sendo este segmento regulamentado pelo art. 37 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Alega que o EJA não se direciona a alunos menores de 18 anos, pois estes estão na fase adequada de ensino, pois a finalidade desta modalidade é possibilitar o acesso à educação de quem não teve a oportunidade devida quando do período adequado, na adolescência. Pugna pela legalidade da Resolução/SED nº 2.317/2009, vez que está amparada pela própria lei de diretrizes e bases da educação nacional.
De acordo com o processo, o Ministério Público Estadual ingressou com ação civil pública contra o Estado de MS para que este ofereça e permita o acesso aos adolescentes à educação básica, na modalidade EJA. A ação é resultado da reclamação de adolescentes que, acompanhados dos pais, tentaram matricular-se no EJA e não puderam fazê-lo por não terem 18 anos.
O MP explica que os adolescentes não conseguiram efetuar suas matrículas no EJA, sob a alegação de que a Deliberação do Conselho Estadual de Educação do Estado de MS nº 9090/2009 estabelece normas para cursos de Educação de Jovens e Adultos e Exames Supletivos no Sistema Educacional de Ensino de MS e que, diante do indeferimento das matrículas, muitos adolescentes não puderam continuar seus estudos, pois trabalham para auxiliar na renda da família, fazendo com que não consigam frequentar a escola durante o dia.
Em outros casos, os adolescentes que tiveram índice de reprovação muito alto, que acarretou em vários anos de atraso em seus estudos, poderiam ter a oportunidade de recomeçar os estudos por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA), logo, diante do indeferimento de suas matrículas, ficam impossibilitados de dar continuidade no seu desenvolvimento escolar.
Ressaltou o MP que em Guia Lopes da Laguna não há escolas que disponibilizam o ensino médio no período noturno, fazendo com que muitos adolescentes que trabalham durante o dia e deveriam cursar o ensino médio necessitem ser matriculados na modalidade do EJA, pois esta seria a única forma de terminar o ensino médio e trabalhar ao mesmo tempo.
Importante destacar que na cidade de Guia Lopes da Laguna a única escola com ensino médio à noite é a Escola Estadual Alziro Lopes, mas na modalidade do EJA, pois não oferece este ensino regular no período noturno. Assim, os adolescentes que exercem atividade remunerada durante o dia dependem da referida escola para concluir seus estudos.
Para o relator do processo, Des. João Maria Lós, impedir o acesso do aluno ao ensino fundamental pelo sistema de educação de jovens e adultos, tão somente em função da idade, demonstra-se desarrazoado, pois o fator etário não pode jamais constituir obstáculo para acesso ao ensino, sob pena de afronta às normas dos artigos 205 e 208, ambos da Constituição Federal.
“Em que pese o disposto no art. 9º, da Deliberação do Conselho Estadual de Educação de MS nº 9.090/2009, no sentido de que a idade apropriada para ingresso no EJA é aos 18 anos, esta Corte tem garantido o direito à matrícula de adolescente, pois não pode um órgão de educação estadual, por meio de simples deliberação, trazer qualquer restrição em face do estabelecido por norma federal”, escreveu em seu voto o desembargador.
Sobre os argumentos expostos pelo Estado de que menores em sala de aula poderiam inibir os alunos mais velhos que frequentam o curso, o relator apontou que é muito mais perigoso e desarrazoado que os alunos entre 16 e 18 anos, todos com atraso escolar, prejudiquem os menores que frequentam a escola durante o período matutino e vespertino, pois a grande maioria são crianças que terão que conviver com alunos em idade muito avançada à sua, causando transtornos futuros a toda coletividade.
“Assim, não há falar em inibição ou deficiência aos reais destinatários do EJA, como argumentou o ente estatal, posto que não há qualquer licitude ou razoabilidade nos argumentos que serviram de apoio fático para este apelo. Diante do exposto, conheço do apelo e nego provimento, mantendo-se inalterados todos os termos da sentença recorrida”.