Com entendimento de que a recusa indevida de cobertura da integralidade dos custos do tratamento de usuário de plano de saúde configura ato ilícito, passível de ressarcimento, a Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) manteve condenação de duas cooperativas de médicos, uma com sede em Cuiabá e outra que abrange a região Centro-Oeste, a devolverem valores gastos pelo paciente no tratamento de cerca de R$ 185 mil, a custear os futuros procedimentos e ao pagamento de indenização por dado moral no valor de R$ 20 mil.
O usuário do plano de saúde relata que sofreu um aneurisma sacular de aorta torácica e necessitou realizar procedimento cirúrgico, com circulação extracorpórea e colocação de stent (cirurgia de revascularização). Em agosto de 2011 fez pedido junto à cooperativa de médicos, em Cuiabá, para que a cirurgia fosse realizada com uma equipe especializada do Hospital de Beneficência Portuguesa, em São Paulo (SP).
O pedido foi negado sob a justificativa de que aquela unidade hospitalar e nem os profissionais eram credenciados à rede, e que tal intervenção poderia ser realizada, sem qualquer risco, nos hospitais credenciados em Cuiabá. A alternativa, já que o caso era de extrema urgência, foi pela instalação da endoprótese via videolaparoscopia, em hospital particular, com médico da Capital.
Depois de cinco dias, houve complicação decorrente do procedimento, e, por isso, o paciente precisaria de nova intervenção, dessa vez com a chamada “abertura do peito”. Em 2017, o paciente encaminhou ofício à cooperativa solicitando autorização da nova cirurgia em hospital privado de São Paulo, a qual também foi negada. Após insistência, a diretoria da empresa autorizou a realização do procedimento em São Paulo, condicionado que o procedimento fosse realizado em hospital público e por um determinado médico. Ainda exigiu que o paciente antecipasse os pagamentos e depois solicitasse ressarcimentos semanais.
O cliente sustenta que apenas um dos dois pedidos de ressarcimento foi efetuado, parcialmente, e o segundo negado.
Dois dias após a cirurgia, no quarto, o paciente adquiriu grave infecção hospitalar, sendo submetido a várias sessões de diálise e com receio do ente morrer, a família, com orientação médica, pediu transferência urgente para o Hospital Israelita Albert Einstein, que só ocorreu após pagamento “caução” de R$185 mil.
Consta dos autos que o cliente do plano de saúde ingressou com ação de obrigação de fazer com pedido de ressarcimento e indenização por danos morais na 9ª Vara Cível de Cuiabá para que as cooperativas de Cuiabá e da Região Centro-Oeste ressarcissem os valores pagos com as despesas médicas, e que assumissem todas as despesas decorrentes da internação no Hospital Israelita.
O plano de saúde de Cuiabá rebateu afirmando que o tratamento solicitado em hospital não credenciado não possui amparo contratual, visto ser de alto custo, que em momento algum descumpriu a legislação que rege a sua atividade e tampouco feriu a regra contratual existente, uma vez que não há prova da classificação de risco do quadro clínico como urgente. Já a cooperativa regional alegou não ter vínculo entre as partes, pois possui CNPJ diferente da cooperativa local.
O magistrado de piso entendeu que os números de CNPJ diferentes em nada descaracteriza a solidariedade das entidades e que as operadoras utilizam-se da prática do intercâmbio entre si, para fins de cumprimento do contrato com os usuários. Portanto, “ trata-se de cooperativas consorciadas, utilizando inclusive a mesma logomarca, com atuação no mesmo seguimento”, argumenta na decisão.
“Em análise do caso posto, restou demonstrado que o autor já havia se submetido a tratamento em rede conveniada, e, no entanto, não foi suficiente a estabilização da saúde, e assim não se trata de opção, mas de última opção para garantir a própria vida”, continuou.
O juiz ainda lembrou que o plano de saúde excluiu expressamente em contrato os hospitais não autorizados, e dentre os quais não consta o hospital que atendeu o cliente, não havendo qualquer justificativa para se negar o custeio do tratamento e que o simples fato de ter deixado de autorizar/custear os serviços contratados de forma integral já é suficiente para configurar o dano moral.
Na decisão, o magistrado determinou que as cooperativas regional e local procedam com o pagamento do saldo devedor existente em nome do cliente em decorrência do tratamento, bem como com o reembolso dos valores despendidos nos dois hospitais. Condenou as cooperativas a custear as despesas médicas que forem necessárias à continuidade do tratamento até a total recuperação e ao pagamento a título de indenização no valor de R$ 20 mil.
Em grau de recurso, as cooperativas pleitearam pela inadmissibilidade do recurso por ofensa ao princípio da dialeticidade, nulidade da sentença por cerceamento de defesa, além de pedir para não custear o tratamento e negar o dano moral. A turma julgadora, composta pelos desembargadores João Ferreira Filho (relator), Clarice Claudino da Silva e Nilza Maria Pôssas de Carvalho, proveu parcialmente o recurso apenas para readequar os honorários advocatícios que devem ser fixados sobre o valor da condenação e não sobre o valor da causa.
Veja a decisão.
Processo nº 1013292-36.2017.8.11.0041